Vinte e cinco anos depois da volta de Romário ao Fla, EE escuta os envolvidos no negócio milionário

Imagine um time brasileiro anunciando a contratação de Lionel Messi ainda este ano: ídolo do Barcelona, eleito o melhor jogador do mundo em 2019 , com uma carreira vitoriosa e ainda com muitos gols a fazer. Foi, mais ou menos, o que o Flamengo fez em 1995 quando anunciou o retorno de Romário ao futebol brasileiro. Logo após conquistar o tetracampeonato da Copa do Mundo com a Seleção Brasileira e ser escolhido o melhor jogador do mundo em 1994, o Baixinho voltou à Espanha, anunciou que não estava feliz e queria voltar ao Brasil.

- Um brasileiro jogando nessas quatro ou cinco maiores ligas do futebol europeu, voltar nessa condição para ganhar menos? Impossível. E nenhum clube hoje no Brasil teria condição financeira para pagar o melhor jogador do mundo. A minha diferença para o retorno do Ronaldo, do Rivaldo e de muitos outros, é que eu estava no auge e não voltei para me aposentar - lembra Romário.

Assim que soube da vontade de Romário, o então presidente recém-eleito do Flamengo Kleber Leite se empolgou. Com o clube sem poder econômico, começou uma engenharia financeira para fechar com o Baixinho. Juntou quatro empresas que bancariam o retorno do melhor do mundo ao Brasil pelo valor de 4,5 milhões de dólares (vale ressaltar que na época, o câmbio do dólar para o real estava um para um). Em contrapartida, essas empresas poderiam explorar a imagem de Romário como garoto propaganda de suas marcas.

- O Flamengo não botou um centavo nessa negociação. Era um processo publicitário: me dá dinheiro em troca de espaço. Na noite anterior à reunião em Barcelona, duas empresas deram para trás. Tivemos que levantar mais 1 milhão em menos de 24 horas. Quando soube do preço que eles queriam pelo Romário, eu disse que pagaria em "plata" na conta do Barcelona. Eles não acreditaram que tivéssemos esse poder econômico - disse Kleber Leite.

Kleber Leite disse, em 1995, que contratação de Romário saldaria dívidas do Flamengo. — Foto: Reprodução/O Globo

Kleber Leite disse, em 1995, que contratação de Romário saldaria dívidas do Flamengo. — Foto: Reprodução/O Globo

Mas o primeiro a saber da vontade de Romário foi o jornalista Gilmar Ferreira, que na época trabalhava para o Jornal do Brasil. Depois de ajudar na caso do sequestro de seu Edevair, pai de Romário , o jornalista estreitou a relação com o Baixinho e recebeu uma ligação incomum.

- Toca o telefone e uma voz amargurada do outro lado da linha. Era o Romário. Ele queria conversar e me disse assim: "Parceiro, quero voltar para o Brasil". Eu sugeri que ele voltasse para o São Paulo, que era um clube grande, com projeto, com Telê Santana e um elenco muito bom. Aí ele me respondeu "Pô, Gilmar, eu não tenho parente em São Paulo". Bem daquele jeito dele - lembra Gilmar Ferreira.

O Baixinho estava abrindo mão de dinheiro para voltar o Brasil: antes de acertar sua saída, o Barcelona ainda acenou com uma renovação de contrato melhor, mas o atacante não quis papo. Ele queria ficar perto da sua família, dos amigos e da praia. Fez do quiosque Viajandão a sua casa: jogava horas e horas de futevôlei ali e curtia a vida.

- É Rio, é praia, é família, é a relação que eu tenho com as pessoas, lugar que eu nasci, naquela época as festas. Quando eu falo que eu tinha que ser feliz, isso tá longe de dizer que eu era triste em Barcelona. Não é isso. Mas a felicidade maior era voltar e eu consegui. Foi um momento inesquecível e fiquei amarradão. Vou lembrar pra sempre e faria tudo de novo, sem pensar - lembra.

O responsável por fechar a transferência com Kleber Leite foi Joan Gaspart, então vice-presidente do Barcelona. Em uma reunião que aconteceu em um hotel na Espanha, os dois dirigentes fecharam um acordo. E dentro desse acordo tinha um outro acordo: se o Flamengo vendesse Romário a um time espanhol com menos de um ano, teria que pagar uma multa. O vice-presidente do Barça admite que era contrário aquela saída do Baixinho.

- Romário teve alguns problemas com a comissão técnica do Barcelona e eles, não eu, decidiram que poderíamos escutar propostas de outros clubes por ele. Seguramente, se eu fosse politicamente mais forte na época, eu não teria vendido o Romário Mas existiam outros que mandavam mais do que eu e decidiram iniciar a negociação com o Flamengo - recorda Joan Gaspart.

Sávio foi a dupla de ataque de Romário logo na chegada ao Flamengo. — Foto: GloboEsporte.com

Sávio foi a dupla de ataque de Romário logo na chegada ao Flamengo. — Foto: GloboEsporte.com

No seu primeiro ano com a camisa do Flamengo, Romário foi o artilheiro que se esperava, mas não tão decisivo. O único troféu levantado pelo Fla neste ano foi a Taça Guanabara. Em uma época de disputa de Rei do Rio - um título disputado pelo Baixinho, Renato Gaúcho, Túlio Maravilha e Valdir Bigode -, quem riu por último foi o atacante do Fluminense, que marcou de barriga e garantiu o título estadual . Mas sempre polêmico, Romário ficou marcado para uma de suas frases célebres.

- O que eu tenho para falar para a torcida do Vasco? É que eles levem muito lenços para o estádio, porque eu vou fazer eles chorarem - disse logo na sua apresentação.

Ao todo, em 1995, Romário fez 61 jogos com a camisa do Vasco e marcou 45 gols. Disputou seis campeonatos (Carioca, Brasileiro, Copa do Brasil, Taça Teresa Herrera, SuperCopa dos Campeões da América e Copa dos Campeões Mundiais) e ainda fez mais 12 amistosos (nacionais e internacionais) até sair para o Valência, da Espanha, em 1996.

Fonte: Globo Esporte