A vitória por 2 a 0 sobre o Fluminense, no último sábado, deixou o Flamengo em excelente situação para decidir neste sábado, às 21h (de Brasília) no Maracanã, a primeira vaga na final do Campeonato Carioca. Os rubro-negros mais conservadores e o próprio elenco, porém, não tiram da lembrança o que aconteceu na decisão do ano passado. O resultado no primeiro jogo foi o mesmo, mas a vantagem era inferior, e o momento do time do então treinador Vítor Pereira, completamente diferente.
Ponto central que difere o Flamengo de hoje do de Vítor Pereira é o sistema defensivo. Se nos atermos apenas aos números, os 19 gols sofridos em 17 jogos da equipe principal não é uma estatística estarrecedora, embora esteja muito longe do recorde atual de 10 partidas sem ser vazado.
Porém uma leitura mais criteriosa desses 17 jogos escancaram a fragilidade. No primeiro desafio do ano, o Flamengo fez três gols no Palmeiras, mas levou quatro e foi vice da Supercopa do Brasil.
Depois veio o Mundial, e a estreia reservou um vexame histórico. Com um a menos desde o fim do primeiro tempo, o time levou três de um Al-Hilal que ainda não contava com o aporte milionário da Liga Saudita e acabou eliminado.
A derrota por 3 a 2 fez com que o grito de “Real Madrid, pode esperar”, cantado por Marcos Braz após o título da Libertadores de 2022, se virasse contra o Flamengo . Tornaria-se hit na voz de torcidas rivais e até de times pequenos ao longo do ano.
Na disputa do terceiro e quarto, com mais uma atuação muito ruim, o Flamengo fez quatro, mas levou dois dos egípicios do Al-Ahli.
Reprovado pelo elenco do Flamengo antes mesmo de chegar após os jogadores conversarem com colegas do Corinthians, Vítor Pereira desembarcou no Rio sob enorme pressão. A fama de expor atletas em coletiva e o relacionamento ruim com os corintianos já eram de conhecimento dos rubro-negros.
Embora não fosse muito afeito ao diálogo, Vítor Pereira até começou adotando relacionamento amistoso com os atletas, mas o desejo de realizar um trabalho autoral acabou fazendo com que suas ideias não se encaixassem com as do elenco.
Não bastasse a fragilidade defensiva demonstrada contra Palmeiras, Al-Hilal e Al-Ahli, Vitor Pereira fracassou novamente tão logo que voltou ao Brasil. Foi vice-campeão da Recopa Sul-Americana nos pênaltis. A magra vitória que forçou as penalidades no Maracanã foi conquistada nos acréscimos em mais uma partida pobre.
Àquela altura não havia mais clima para a continuidade e o trabalho de Vítor Pereira já estava condenado, mas houve uma sobrevida com uma atuação segura contra o Fluminense na primeira partida da decisão do Campeonato Carioca. O Flamengo fez 2 a 0 num jogo em que pouco sofreu e foi melhor do que seu adversário.
Se a vitória no Fla-Flu parecia ter atenuado minimamente a tensão, essa tranquilidade durou pouco. Ainda no Maracanã, Gabigol foi à zona mista e deu entrevista afirmando que pretendia lutar pela posição de centroavante com Pedro, com quem vinha fazendo uma bem-sucedida dupla de ataque desde julho de 2022.
Na quarta-feira seguinte o caldo entornou de vez. Vítor Pereira, numa decisão que praticamente definiu sua saída, usou reservas contra o Aucas na altitude de Quito, pela Libertadores. Gabigol, já como concorrente de Pedro, foi escalado no time que não deu conta de um rival bem inferior tecnicamente. O Flamengo abriu o placar, mas levou os 2 a 1 de uma equipe que tinha um centroavante muito acima do peso e um atacante veterano.
Já com a relação estremecida de vez, VP ainda mostrou que abrira mão de suas convicções ao escalar Gabigol e Pedro na decisão do Carioca. Tal decisão tornou o time menos combativo, já que nenhum dos dois centroavantes são fortes no apoio à marcação, e o Fluminense, numa atuação tenebrosa do Flamengo , conseguiu a goleada por 4 a 1 e conquistou o título.
O vexame, como era de se esperar, custou o emprego de Vítor Pereira.
Hoje em dia o ambiente do Ninho do Urubu respira tranquilidade. Tite começou um trabalho de recuperação das relações humanas tão logo que chegou ao clube, em outubro.
Atualmente, o elenco do Flamengo está nas mãos do treinador. Além de ser visto pelos jogadores como um comandante que domina as questões táticas e técnicas, ele leva consigo uma comissão que também tem sido muito elogiada internamente.
Para se ter uma noção do quanto Tite tem o respeito de seus atletas, após a vitória contra o Boavista, o gaúcho puxou a orelha de Gabigol por ele ter pedido para bater um pênalti que cabia a Pedro. A tentativa aconteceu minutos antes do camisa 10 substituir o próprio Pedro, que perderia a cobrança.
No vestiário, de forma respeitosa, Tite disse que o Flamengo estava acima de objetivos pessoais e garantiu a Gabigol que ele bateria o pênalti caso estivesse em campo. A conversa foi finalizada em bom tom, e a divulgação do ocorrido não trouxe ruídos ao ambiente rubro-negro. Serviu, sim, para impedir qualquer crise entre os atletas.
Portanto, a comparação com 2023 só é justa simplesmente pelos números. O cenário é radicalmente diferente. O Flamengo pratica um futebol seguro, pode perder por dois gols de diferença e vive em ambiente de grande tranquilidade.
E outra diferença importante é que desta vez o Flamengo , mesmo se não vencer o clássico, joga por três resultados para se classificar: empate, derrota por um gol de diferença ou derrota por dois gols de diferença.
No ano passado, o Rubro-Negro se não ganhasse tinha só dois resultados no segundo Fla-Flu: empate ou derrota por um gol de diferença. Se perdesse por dois gols, a disputa iria para os pênaltis.
Desta vez, como o clássico acontece na semifinal, o regulamento dá vantagem ao Flamengo por ter feito a melhor campanha da Taça Guanabara (joga por dois resultados com o mesmo saldo). Não há chance de ter disputas de pênalti.
Ou seja, esse time do Tite que se recusa a tomar gol teria que levar três e não fazer nenhum para não se classificar.
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