Tragédia no Ninho: Pais de Pablo recebem da escola carta escrita pelo filho em 2016

"As professoras são muito gente boa. Inteligentes, educadoras. Mas quando é para xingar, na hora certas elas xingam. Mas também arrumei muitos amigos"

O texto faz parte de uma carta escrita por Pablo, zagueiro da categoria de base do Flamengo e uma das vítimas na tragédia do Ninho do Urubu, o centro de treinamento do clube. A surpresa foi recebida pelos pais do garoto no fim do ano passado.

Ela foi escrita por ele em 2016 durante atividade da escola onde ele estudava em Oliveira, no Centro-Oeste de Minas. As cartas, que foram guardadas dentro de um canudo de diploma, como uma cápsula do tempo, seriam lidas pelos alunos no fim de 2019.

O incêndio que resultou na morte de dez meninos da base completa um ano neste sábado. O pai do garoto, Wuedson Cândido de Matos, lamenta o descaso do Flamengo depois perder aquele que ele diz ter sido a maior alegria da vida dele.

A carta

Um ano após a tragédia no Rio de Janeiro, o quarto do Pablo, em Oliveira-MG, foi mantido do jeito que ele gostava. A família, inclusive, recebeu algumas camisas personalizadas após o acidente, como do Sport, Fluminense e do próprio Flamengo.

Wuerdson Cânadido de Matos, pai de Pablo — Foto: Reprodução/TV Integração

Wuerdson Cânadido de Matos, pai de Pablo — Foto: Reprodução/TV Integração

Os pais de Pablo também guardam no quarto do garoto uma caixa com lembranças. Alguns trabalhos de escola, fotos de quando Pablo nasceu e no estádio Independência, com Dadá Maravilha, ídolo do Atlético-MG, em uma final de campeonato da categoria Sub-17.

No entanto, o que ele mostra com carinho é uma carta. Pablo a escreveu para ser lida no fim de 2019, no encerramento do ensino fundamental. Ela foi entregue aos familiares do garoto no fim do ano passado. Emocionado, o pai relê o trecho da carta e lembra que não esperava receber esta lembrança.

– É difícil. Nunca, nem sabia desta recordação. Quando nos ligou aqui... Complicado demais – afirmou Wuedson Cândido, pai de Pablo.

Sara Cristina, mãe do garoto, guarda a chuteira que o filho deixou em casa para ela arrumar antes da tragédia.

– Ficou a chuteira que ele trouxe para arrumar. Foi o que ficou na lembrança. Uma saudade que não tem fim. Ferida que dói. Quanto mais o tempo passa, pior fica. A gente fica na mente que ele está viajando. Que uma hora ele vai chegar – lamentou.

Carta de Pablo foi entregue à família — Foto: Reprodução/TV Integração

Carta de Pablo foi entregue à família — Foto: Reprodução/TV Integração

"De cabeça para baixo"

O pai de Pablo trabalhava como motorista, mas foi proibido de dirigir. Ele diz que vive à base de remédio desde a morte do filho, um ano atrás.

– Não tenho saúde mais, só vivo por remédio para dormir, remédio para glicose, remédio para depressão. A rotina não é a mesma. Trabalhava como motorista, viajava 600, 700 quilômetros por dia. Agora sou proibido de dirigir. Virou de cabeça para baixo – disse.

Wuedson reclamou ainda da forma como o Flamengo tem tratado os pais dos meninos que morreram no Ninho do Urubu. Ele reconhece que o clube tem dado ajuda, mas lamenta que o Rubro-negro tenha virado as costas para as famílias.

Pai de Pablo vítima da tragédia do Ninho do Urubu Flamengo — Foto: Reprodução

Pai de Pablo vítima da tragédia do Ninho do Urubu Flamengo — Foto: Reprodução

– Um total descaso do Flamengo quando a gente mais precisou. Viraram as costas para gente. Tem 11 meses que fui proibido de dirigir. Eu sei fazer outra coisa? Não. Minha esposa é cozinheira. Eles dão ajuda, mas vai trazer meu filho de volta? Eu confiei ao Flamengo uma criança de 13 anos quando chegou lá. O clube me devolveu um caixão que não pude ver o rosto do meu filho. Dói demais – afirmou.

– A maior alegria da minha vida foi quando minha esposa me ligou que estava grávida e que era um menino. Único filho. Só Deus para ter dó da gente. Se depender da Justiça a gente ‘tá’ pego. Justiça para pobre vira as costas – concluiu.

O Flamengo informou à reportagem da TV Integração que sempre prestou auxilio às famílias e que paga uma pensão para todas. Aquelas que ainda não receberam a indenização foi porque não chegaram a um acordo.

Em relação a nenhum contato por parte do clube com os pais dos garotos, inclusive de Pablo, o Flamengo informou que os contatos são com os advogados, como foi definido, e que o clube nem pode fazer esse tipo de ligação a pedido dos próprios advogados que defendem as famílias.

Fonte: Globo Esporte