Um ano após a tragédia que atingiu o alojamento da base do Flamengo , recebi a dura missão de entrar em contato com as famílias dos meninos do Ninho para preparar uma reportagem especial. Fiquei um dia inteiro ligando para pais e mães que perderam os filhos naquele incêndio do dia 8 de fevereiro de 2019. Impossível não se envolver, não chorar diante de tanta dor. As lágrimas escorriam a cada ligação, mas abracei o desafio.

O incêndio no CT Ninho do Urubu atingiu famílias de várias partes do Brasil. Como elas estão hoje? Como seguir em frente diante do vazio que ficou? Como suportar uma dor sem tamanho? Darlei Pisetta, pai de Bernardo Pisetta, de Santa Catarina, desabafou.

“Sempre falei, desde o início, que se perde um pai, uma mãe, a gente vira órfão. Mas quando a gente perde um filho, não se tem nenhum tipo de nome para isso. É um fardo pesado!”.

A família de Bernardo precisou buscar auxílio psicológico para seguir em frente. A mãe de Christian Esmério, que tinha 15 anos, também procurou ajuda. Andreia faz terapia uma vez por semana. Antes, as consultas eram às segundas, mas ela decidiu mudar para as sextas. Era neste dia da semana que Christian costumava voltar do Ninho do Urubu. Foi a forma que ela encontrou para minimizar a saudade.

“Essa espera ainda não passou, então a terapia em si, a sexta-feira, me faz falar dele, me faz recordar. É algo que me alivia, que dá para ir passando mais uma semana ate a próxima. É muito difícil!”.

Assista à primeira reportagem da série especial com as famílias dos meninos do Ninho:

Christian era uma das maiores promessas daquela geração. O goleiro colecionava convocações para a seleção brasileira. Era o craque da família. Emocionado, Cristiano Esmério, pai do goleiro, tinha o filho como ídolo.

“O meu filho é o meu ídolo, ele é meu ídolo, dos irmãos, da mãe, dos tios, primos, amigos da comunidade. Ele é um ídolo, ele conseguiu vencer!”.

Dona Cristina Rosa, mãe de Samuel Thomas, sente falta de mais carinho do clube.

“O Flamengo não dá apoio. Eles pensam neles, tudo para eles. Uma ganância! Passou o dia das mães, ligar para gente para homenagear? Aniversário dos meninos? 'Mãe, hoje ele faz 16 anos...'"

Assista à segunda reportagem da série especial com as famílias dos meninos do Ninho:

"Não tem apoio. Esse povo do Flamengo, advogado, eles não medem esforços para pegar jogador lá de longe, dar milhões e milhões para jogador... E os pais que perderam filhos por irresponsabilidade deles, eles querem questionar. 'Ah, a gente está dando o que é por direito.' E o que é direito? Porque nosso filho não tem preço!”.

A mãe de Arthur Vinícius sempre foi apaixonada por futebol. Hoje, essa paixão está adormecida.

"Hoje, realmente, a vontade... Eu não gosto de assistir quase nada, e a gente tem que assistir porque acaba passando. A gente fica sabendo quando sai que contratou, tem comentários... 'O Flamengo contratou tantas pessoas, o que você acha?".

"Com essas contratações, as pessoas em volta querem saber, 'e aí, você acertou?' Você escuta certas coisas... Já vi comentários, mas uma vez só eu respondi na internet. Uma mulher até falou: 'Ah, as pessoas querem ganhar em cima da carreira do filho.' Aí, eu respondi para ela: A senhora está falando isso porque a senhora não sabe o que está dizendo", disse Marília, em meio as lágrimas.

Assista à terceira reportagem da série especial com as famílias dos meninos do Ninho:

Para seguir, sobreviver, algumas famílias querem tirar projetos do papel. Os pais de Christian Esmério planejam criar um projeto social. A ideia nasceu depois de um vídeo que viralizou na internet no qual o Christian de ontem mandava uma mensagem para o Christian do futuro.

“Por morarmos em uma área que tem criminalidade, ele conseguiu com o futebol não ir para o lado errado. O esporte ajuda muito, e nossa ideia é essa, um projeto com o nome dele", revelou Cristiano Esmério, pai de Christian.

Seu Milton, tio de Samuel, tem o sonho de escrever um livro com as histórias dos meninos do Ninho.

“Hoje, eu queria ter a oportunidade de contar a história desses meninos. Não só do Samuel, escrever um livro com a história desses meninos.”

Capítulos de esperança neste enredo que deixou para sempre uma dor e um vazio profundos.