Título do Flamengo lembra 2019, mas pelo avesso. Com a marca de Ceni

A imagem do elenco mais valioso do país e da América do Sul agarrado a celulares e torcendo pelas defesas de Cássio, só respirando aliviado por conta da incapacidade do Internacional de achar um gol (legal) no Beira-Rio, é a última impressão que fica do título brasileiro do Flamengo. De 2020, mas em 2021 pela temporada atípica, da pandemia.

Bicampeonato. Duas conquistas bem diferentes, não só pelas mudanças drásticas na vida de todo mundo, inclusive a ausência de público nos estádios. Mas principalmente porque o futebol do melhor time do país desde 2019 veio em doses homeopáticas. Ou em espasmos.

O favorito absoluto viveu a crise mais profunda, a da partida de Jorge Jesus, antes do início da competição. As demais foram consequências, que resultaram na demissão de Domènec Torrent e as oscilações do time comandado por Rogério Ceni. Com o ato final em mais uma derrota para o São Paulo, a quarta na temporada. Não o time de Fernando Diniz no melhor momento, mas o de Marcos Vizolli, depois de ser surpreendido pelo lanterna e rebaixado Botafogo na rodada anterior.

Impressionante como o jogo rubro-negro não encaixou em nenhum momento contra o tricolor paulista. 11 a 3 no agregado e períodos de domínio, mas sempre marcados por chances desperdiçadas e falhas capitais na defesa. De novo Hugo, o goleiro que armou mal a barreira na falta bem cobrada por Luciano e entregou a bola nos pés de Daniel Alves, que serviu Pablo no segundo gol.

Mais uma vez o time teve a marca do seu treinador. Adotando um jogo posicional capenga, pior ofensivamente que o de Dome. Com Isla e Bruno Henrique abrindo o campo, porém sem profundidade. Everton Ribeiro e De Arrascaeta buscando o jogo entrelinhas, porém errando muito, e Gabigol circulando, mas sem companhia na área adversária. Gerson conduzindo demais a bola para quem estava sendo marcado com revezamento de faltas, Diego Ribas novamente girando demais e Filipe Luís tentando acionar diretamente os atacantes.

Nem sinal da mobilidade e da dinâmica do segundo tempo dos 4 a 2 sobre o Grêmio e do primeiro tempo da vitória por 3 a 0 sobre o Sport. Esqueça a fase do time gaúcho e a fragilidade dos pernambucanos. É questão de execução. Bruno Henrique em nenhum momento apareceu do lado direito do ataque. Gabigol eventualmente se deslocou pelo setor esquerdo. Novamente um time engessado, dependente das individualidades.

Porque Ceni demonstrou desde o início do trabalho uma necessidade de deixar sua assinatura. Mesmo afirmando que a proposta era resgatar as ideias de Jorge Jesus. Na estreia, a escalação do contestadíssimo Gustavo Henrique, o grande pivô da crise com as goleadas sofridas para São Paulo e Atlético Mineiro. Uma mensagem clara: "comigo vai funcionar". Não deu certo na maior parte do tempo.

Depois das boas atuações contra Grêmio, Sport, Vasco e Bragantino, com jogos a cada três dias, as vitórias sobre Corinthians e Internacional vieram à forceps, com um futebol lento e pouco criativo. Trabalhado em semanas de treinamentos que sempre deixaram a impressão de que a equipe perdia desempenho.

O argumento em defesa do técnico exaltando a coragem de escalar o quarteto ofensivo e ainda Diego e Gérson no meio, com Willian Arão na zaga, é válido. E, bem ou mal, o Flamengo terminou com o ataque mais positivo (68 gols) e como a equipe que mais desperdiçou chances claras, disparada. Mais inspirador que o pragmatismo de Abel Braga no Inter, sem dúvida.

Mas muito em função da qualidade individual do melhor time do país. Que mesmo sem sobrar venceu novamente. Sem brilho, no apagar das luzes. Bem diferente do espetáculo de 2019. Na verdade, pelo avesso. Antes o grande futebol era o carro-chefe. Agora só restou a taça. E os protestos colorados contra o VAR.

Rogério Ceni comemorou o título brasileiro no Morumbi que conhece tão bem. Mas a conquista veio pelo que não aconteceu no Beira-Rio. Não precisava ser assim.

Imagem: Marcello Zambrana/AGIF

Fonte: Uol