Técnico do Central Córdoba, algoz do Flamengo, lutou na Guerra das Malvinas e escapou da morte duas vezes

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Estreante na Libertadores, o modesto Central Córdoba, da Argentina, conseguiu uma verdadeira façanha na noite desta quarta-feira. Sua primeira vitória na história do torneio, em cima de nada menos que um tricampeão continental e ainda fora de casa: a equipe derrotou o Flamengo por 2 a 1, em pleno Maracanã. No comando do time, está um treinador sem passagens marcantes por nenhum dos grandes clubes do país, mas mesmo assim muito respeitado no futebol argentino por um motivo extracampo. Omar de Felippe, de 63 anos, lutou na Guerra das Malvinas, em 1982.

Naquele ano, ele conciliava o serviço militar com as atividades de jogador na base do Huracán, da Argetina quando foi convocado para fazer parte do grupo que entraria nas Ilhas Malvinas para enfrentar a ocupação britânica.

Omar de Felippe, técnico do Central Córdoba, durante homenagem no Dia dos veteranos e caídos da Guerra das Malvinas — Foto: Divulgação/Central Córdoba
Omar de Felippe, técnico do Central Córdoba, durante homenagem no Dia dos veteranos e caídos da Guerra das Malvinas — Foto: Divulgação/Central Córdoba

Obviamente, não é uma experiência da qual De Felippe traz boas lembranças. Levou nove anos para conseguir falar sobre o tema de tão traumatizado que ficou. O técnico se recorda da saída do país, com a população saudando os soldados e os tratando como heróis, o que o fez se sentir como a caminho da Copa do Mundo. Mas logo a euforia daria lugar à realidade.

— Éramos mais ou menos 100 (soldados) no chão do avião, que era comercial, mas sem assentos. Na viagem de seis horas até Río Gallegos ninguém falou nada. E nem de Río Gallegos até as Malvinas. Foi aí que dissemos: “A coisa é séria” — contou em entrevista à revista “El Gráfico”.

Nas Malvinas, o exército do país sul-americano chegou a ocupar o território por dois meses. Até que as forças do Reino Unido o retomaram. O saldo foi de mais de 600 argentinos mortos contra cerca de 200 britânicos.

De Felippe lembra de ter escapado da morte ao menos duas vezes. Uma quando seu capitão lhe ordenou que mudasse de posto e, segundo depois, uma bomba explodiu no exato local. A outra, ao fim da guerra. Mesmo devidamente rendida, sua tropa foi atacada. Alguns companheiros morreram no caminho. Para ele, restou o horror das imagens.

A morte era uma constante nos pouco mais de dois meses de conflito. Seja pelo risco de ser uma vítima fatal, seja pelas vidas inimigas tiradas. Este ambiente fez com que muitos companheiros de De Felippe atirassem no próprio pé para obter uma liberação.

— Quando estavam limpando as armas, davam um tiro no próprio pé. Diziam que tinha escapado… E voltavam para a Argentina. Nunca teria feito isso. Tinha a motivação de jogar no Huracán. Meu medo era perder um membro e não poder continuar jogando — contou De Felippe, homenageado em Córdoba no último dia 2, quando o país celebra o Dia dos Veteranos e dos Caídos na Guerra das Malvinas.

Ele estreou como atleta profissional pouco depois do regresso e se aposentou com 11 anos de carreira. Como técnico, venceu a segunda divisão com o Olimpo-ARG, em 2010; o Equatoriano, pelo Emelec, em 2015; e a Copa Argentina, no ano passado, com o Córdoba. Um feito que emocionou não só a torcida do Central, mas também outros veteranos de guerra que, mesmo sendo torcedores de clubes rivais, apoiaram o time de De Felippe na final.

— Sinto que os represento e quero compartilhar a alegria com eles — agradeceu após o título.

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Fonte: O Globo