- Eu sei que todos vocês gostariam de estar sentados aqui no meu lugar.
Abel Ferreira causou polêmica com essa declaração direcionada aos jornalistas em uma entrevista coletiva do Palmeiras em setembro . Mal deve saber o técnico português que a provocação que soa hoje como impossível já aconteceu no Brasil.
"O Apolinho aterrissa no Fla", estampou o jornal O Globo no dia 12 de setembro de 1995. Apolinho era o apelido que o jornalista Washington Rodrigues ganhou nos tempos de repórter de campo, por causa do microfone que usava similar ao dos astronautas da famosa Missão Apollo 11, que levou pela primeira vez o homem à lua em 1969.
Em 1995, Apolinho já era um consagrado comentarista esportivo da Rádio Globo e pai de expressões que caíram no gosto popular, como, por exemplo: "geraldinos e arquibaldos" (torcedores da antiga geral e arquibancada do Maracanã, respectivamente); "mais feliz do que pinto no lixo"; "batom na cueca"; "briga de cachorro grande"; "cuspir marimbondos"; "parir um porco-espinho" etc.
E uma coisa que ele não fazia questão de esconder era o seu clube do coração: o Flamengo . E o Rubro-Negro havia apostado alto naquele ano do seu centenário, montou um elenco badalado com o "melhor ataque do mundo" (Sávio, Romário e Edmundo), mas vivia uma crise por falta de títulos e já tinha demitido dois treinadores: Vanderlei Luxemburgo e Edinho. Restando três meses de temporada e com o time ameaçado no Campeonato Brasileiro, o então presidente Kleber Leite, um ex-repórter de rádio, decidiu "sair da mesmice":
- A ideia teve como inspiração o João, com quem convivi e dividi grandes coberturas jornalísticas. O Flamengo precisava, naquele momento, muito mais do que treinador, mas de alguém que pudesse encontrar uma alternativa de harmonia para o elenco que era bom, mas muito complexo, complicado. E nunca vi na minha vida uma pessoa que tivesse mais habilidade de agrupar com amor do que o Washington. Então, por que não? Enfim, sair um pouquinho da mesmice. Eu já vinha maturando isso, e foi num jantar com o Michel Assef, que era vice-presidente, que entendemos que era ousado, mas pertinente. E ousadia tem muito a ver com o Flamengo - contou Kleber, em entrevista ao ge .
João, no caso, é João Saldanha, considerado um dos maiores nomes do jornalismo esportivo brasileiro e que foi convidado para ser técnico da Seleção em 1969, durante a Ditadura Militar, também numa época de crise depois do fracasso na Copa do Mundo de 1966. O "João Sem-Medo", como ficou conhecido, surpreendeu com uma campanha perfeita nas eliminatórias e classificou o Brasil para o Mundial de 1970. Mas foi demitido de forma polêmica pouco antes do início do torneio após 17 jogos (14 vitórias, um empate e duas derrotas em amistosos, com 54 gols marcados e só 15 sofridos). A diferença é que ele já tinha sido jogador amador e treinador do Botafogo antes de seguir carreira na imprensa.
Mas voltemos ao Apolinho, que também era um grande amigo de Kleber Leite dos tempos de jornalismo. Com a decisão tomada, o presidente ligou e o convidou para encontrá-lo num famoso restaurante no Leblon, na Zona Sul do Rio de Janeiro. O comentarista foi achando que seria um jantar onde iriam pedir uma indicação, e ele já chegou com um nome na ponta da língua: Telê Santana. Só que nem deu tempo de sugerir. Ao sentar-se à mesa, ouviu que o nome do novo técnico do Flamengo estava escrito num papel embaixo do prato. E lá ele leu: Washington Rodrigues.
- Ele ficou impactado com a ideia. E imediatamente nós passamos a desenvolver o tema daquilo que ele não tinha muita profundidade: a parte de campo, a parte tática, de desenvolvimento dos treinamentos e tudo mais. E contratamos profissionais que supriam alguma deficiência que por ventura poderia acontecer no início do trabalho dele - explicou Kleber, que pela primeira vez não precisava negociar com outro clube para uma contratação, e sim com uma rádio.
- O Kleber ligou para mim e disse: "Zé, estou precisando de você. Vou levar o Velho Apolo para ser técnico do Flamengo. Você libera"? Eu senti o entusiasmo do Kleber. O Apolo era meu irmão, o Kleber também, como eu iria contrariar o desejo dos dois? Fui à direção da rádio e pedi uma licença para o Apolinho. Foi uma surpresa para todo mundo colocar um comentarista como treinador do Flamengo. E o Velho Apolo na época era um crítico severo do Baixinho - lembrou o locutor José Carlos Araújo, então diretor da Rádio Globo em 1995.
Washington Rodrigues assinou então contrato de três meses com o Flamengo, com salário de US$ 30 mil (cerca de R$ 28 mil, já que o dólar em 1995 valia pouco menos do que o real, pasmem). Ele encarou o convite como uma convocação e aceitou o desafio mesmo sem ter todo o conhecimento necessário. Mas para isso contou com ajuda de um amigo e promissor treinador que surgiu com uma grande campanha no Atlético-MG e já havia passado na época, entre outros clubes, por Fluminense e Bahia: Arthur Bernardes.
- Ele me ligou: "Olha, eu preciso que você me ajude porque eu não sou treinador". Eu fiquei pensando: os caras vão me perguntar como é isso, ser assistente. Fiz minhas orações, mas acho que não tem como ter amizade tão fiel com uma pessoa e na hora que ela pede ajuda... Então essa combinação entre nós foi uma espécie de Parreira com Zagallo. Ele era o comandante, ficou de frente para segurar as bombas, e eu vinha por trás só dando uma ajuda (risos).
- E aprendi muito com ele. A capacidade de ouvir, interpretar e rapidamente emitir uma opinião assertiva. O nível de inteligência dele e raciocínio rápido eram muito bons. Perguntaram uma vez: "Quem é o pai da criança, você ou ele"? E ele, com sua genialidade: "O pai é ele e eu sou o avô" (risos).
Arthur Bernardes era quem assinava as súmulas, pois a Associação Brasileira de Treinadores entrou na Justiça para impedir que Apolinho fosse treinador. Além do auxiliar técnico, a equipe que iria trabalhar com Washington Rodrigues, então com 59 anos, na missão de tentar salvar o ano do Flamengo, tinha: o fisiologista Paulo Figueiredo, os preparadores físicos Márcio Meira e Marcos Teixeira, o preparador de goleiros Paulo Cesar Gusmão e o doutor José Luiz Runco à frente do departamento médico.
E o novo técnico do Flamengo é... Não, não é o Sr. Waldemar (Lemos), um velho meme da torcida rubro-negra (quem não conhece é só buscar no YouTube "Fora Waldemar"). Mas o anúncio de Apolinho também foi uma grande surpresa na Gávea.
"Escolha do novo técnico provoca risos e surpresa", era o título da matéria do jornal O Globo sobre o primeiro treino de Apolinho na Gávea. Sávio, grande joia do Flamengo na época, lembra até hoje a sensação que teve em meio à má fase do time, que havia perdido a final do Campeonato Carioca para o Fluminense e vinha mal das pernas no Brasileiro:
- A expectativa era: quem vem para assumir um momento tão difícil, de tanta pressão? Você espera qualquer nome, mas qualquer nome de treinador, né? E vem um nome que ninguém esperava porque era um radialista. Um cara que tinha uma identificação muito grande com o Flamengo, pela paixão que tinha como torcedor do clube, mas era um radialista. O papel do Apolinho era de comentários, principalmente nos jogos do Flamengo.
- E você assumir um clube desse tamanho, num momento tão complicado dentro do centenário, realmente foi uma surpresa muito grande. A apresentação dele na Gávea com a banda Charanga Rubro-Negra, ele mandando beijo para a galera... Eu falei: "Meu Deus do Céu, cara, o momento que a gente vive conturbado e parece que está tudo bem" (risos).
Mas a aposta de Kleber Leite para melhorar o ambiente deu certo. E o primeiro ato de Apolinho como técnico foi logo fazer as pazes com Romário, alvo de suas maiores críticas como comentarista (antes ele dizia que com o Baixinho nenhum treinador daria jeito no Flamengo). O novo comandante fez questão de levar o atacante para sua apresentação, no auditório da Gávea, e respondia com bom-humor as perguntas da imprensa sobre a guerra com o Baixinho: "Se a gente tiver de brigar, vai sair rolando por aí"; "Romário teve problemas de família, nessas horas ele precisa de um cafuné".
- Ele de cara já ligou para o Romário: "Baixinho, o negócio é o seguinte, vou ser seu treinador. Estamos zerados"? - contou Arthur Bernardes - Já chegar brigado com o Romário é melhor nem ir (risos).
E Romário e Edmundo? Os dois também não se bicavam, e Apolinho preparou uma "armadilha" para a dupla. Chamou os dois para a sua casa no Recreio dos Bandeirantes, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Lá, pediu para sua esposa preparar um lanche e começou a forçar a interação entre eles à mesa. Em seguida, levou ambos para jogar uma pelada no Alcidão, um campo Society que tinha por perto. O técnico inclusive formou nesse dia o ataque ao lado dos astros, que ficaram mais próximos.
- A harmonia ali não era só Romário e Edmundo, ia mais além. O Sávio também entrava nesse processo. Era mais tímido, mas também de caráter forte, de personalidade. Não há sucesso sem que haja um bom ambiente de trabalho, seja lá que trabalho for. Principalmente no futebol, que envolve tanta gente. E num ambiente pesado só o Washington para dar certo. Era uma questão complicada, de vaidades acentuadas. E ele uniu o grupo - afirmou Kleber Leite.
Pouco antes de Apolinho assumir o time, Sávio teve um forte desentendimento com Romário na derrota por 3 a 2 para o Kashiwa Reysol, durante uma excursão do Flamengo pela Ásia, que repercutiu muito na imprensa. Quase 30 anos depois, o Anjo Loiro da Gávea minimizou o episódio e garantiu que se dava bem com o Baixinho em campo, mas admitiu que fora das quatro linhas eles não eram próximos:
- Ali foi uma discussão que tivemos no Japão, aquele momento tenso do jogo. Alguém soltou na imprensa e a repercussão foi muito grande. Mas eu joguei praticamente três anos com o Romário, o único momento de discussão foi esse amistoso. Apesar de nós pensarmos o futebol e o convívio de forma totalmente opostas, até em relação a comportamentos, dentro de campo a gente se dava muito bem.
Perguntado sobre problemas no vestiário, Arthur Bernardes lembrou de um jogo em que o Flamengo ganhava do Grêmio por 2 a 0 em Florianópolis e deixou a vitória escapar no fim (veja no vídeo abaixo) , gerando uma crise entre os jogadores de ataque e os da defesa:
- O pessoal entrou no vestiário, e os atacantes: "Ah, tomar banho, a gente faz dois lá na frente e vocês tomam lá atrás, que não sei o quê"... Aquilo ali foi complicado, porque os caras lá de trás ficaram p... No dia seguinte tinha que se apresentar na Gávea, quando chegou lá o Apolinho: "Vamos conversar. Alguém tem alguma coisa para falar"? Aí o Ronaldão, com 200 metros de altura, levantou: "Olha, eu quero avisar o pessoal do ataque que não vem perturbar"... Aí: "Não, que isso, não se aborreça" (risos).
O roteiro do jogo se repetiu no 2 a 2 fora de casa contra o Bahia (veja no vídeo abaixo) , e Edmundo se irritou ao ser substituído nos minutos finais. Acabou sobrando para o auxiliar por causa de uma semelhança física com o preparador físico, segundo Arthur Bernardes:
- O Apolinho estava falando com o Márcio Meira, que também tem a cabeça branca como a minha, e decidiu tirar o Edmundo. Quando eu cheguei no vestiário, o Edmundo me xingou: "P..., não jogo mais essa droga, foi você que me tirou". Ele soltou os cachorros. Sei que o Apolinho ficou lá uns 40 minutos sentado com ele: "Poxa, eu te dei 87 minutos, só pedi três para mim e você fica brigando"? Depois o Edmundo, coitado, ficou tão arrependido que deu uma camisa de presente para mim.
- Então o Apolinho quebrou aquela acidez que existia. O futebol estava dentro do contexto, logicamente, mas era o ambiente que ele criou. Ele, com sua capacidade carismática de ser, conseguiu envolver todo aquele grupo que era separado, uma máfia danada. Três para lá, cinco para cá...
Também havia relatos na imprensa de desentendimentos entre Edmundo e Lira, confusões nos bastidores envolvendo Romário, Sávio insatisfeito... Mas após a chegada de Apolinho os problemas extracampo foram sendo contornados.
- Tenho a impressão que o Apolinho, se não foi o melhor, foi um dos melhores técnicos de vestiário, de ganhar o grupo. Em questão de administrar egos, ele era campeão - completou José Carlos Araújo.
"Show do Apolinho" foi o nome do último programa comandado pelo radialista, que fez enorme sucesso misturando informação e bom humor e ficou no ar durante 25 anos na Rádio Tupi. Mas o que fazia Washington Rodrigues naquela época no Flamengo, com perdão do trocadilho, já era um "show à parte".
- As preleções dele eram ótimas e elogiadas por todos os jogadores. Claro, o cara conhece futebol e tem o poder da comunicação. Não adianta saber muito e não saber passar aquilo. A preleção dele era um programa - elogiou Kleber Leite.
Veja abaixo algumas das orientações e recomendações aos jogadores, retiradas das páginas do jornal O Globo durante a pesquisa:
"Na véspera do jogo, não escovem os dentes, não tomem banho, não usem desodorante nem façam a barba. Quero que vocês metam medo no adversário, a começar pela aparência".
"Façam sexo comedidamente porque estamos próximos de um jogo importante. É aquele sem álcool, drogas e grandes invenções na cama".
"O time tem que jogar o feijão-com-arroz. Se possível, com um ovo frito em cima. É um futebol simples, sem invenções. Quanto mais simples e objetivo, mais eficaz".
"A escalação do Flamengo começa de trás para a frente. Primeiro vêm Edmundo, Romário e Sávio. Depois, os outros. Os três tenores resolvem lá na frente. Temos de ajeitar é a orquestra".
"Fundei a Swat, comandada por Pingo, que será ajudado por Aguinaldo, Cláudio e Ronaldão. Esse nosso comando vai afugentar quem se aproximar da nossa área".
Chegava a hora de ver na prática se as coisas iriam melhorar no Flamengo. Apolinho teve só dois dias de treino antes da estreia, contra o Vélez Sarsfield na Argentina, na abertura da Supercopa da Libertadores, torneio que antecedeu a Copa Mercosul e reunia todos os clubes que já tinham sido campeões do continente. E a Rádio Globo preparou uma homenagem: o famoso "jinglista" Jorginho Abicalil, que fazia as vinhetas da rádio, criou uma para o novo técnico:
- Era assim: "O treinador... Deve entrar em campo com o jogador...". Aí o Apolinho entrou com o time (faz gesto de braços abertos), saudando a galera. Ele sabia que estava tocando a vinheta (na rádio) - contou José Carlos Araújo.
E a estreia foi com o pé direito: virada por 3 a 2 fora de casa em cima do Vélez, com o gol da vitória marcado pelo jovem Rodrigo Mendes, que entrou no segundo tempo. Ou seja, triunfo com o dedo do técnico. Apolinho ficou tão empolgado que protagonizou uma cena inesquecível para quem estava no vestiário do estádio José Amalfitani:
- O vestiário estava molhado, e na entrada ele deu um peixinho. Sabe, aquele que o pessoal do vôlei faz muito? Ele fez isso, todo mundo: "Êêê" (risos) - lembrou Kleber Leite.
No jogo seguinte, três dias depois, o Flamengo enfrentou o Juventude em Caxias do Sul, pelo Brasileiro, e viajou para lá direto da Argentina. E foi lá que Apolinho "lançou uma moda":
- Ele não conseguia ver o campo todo do banco de reserva e pediu para instalar uma TV. Naquela época, em 95, imagina, instalar uma TV no banco de reserva? E aí ele via o jogo na televisão e de vez em quando olhava para o campo - contou Sávio.
Nesse dia, Apolinho aproveitou para tirar uma onda com a turma da transmissão. Era um jogo em que ele não tinha o Lira, suspenso, e escalou o jovem Léo Inácio na lateral esquerda. Por isso ficava pedindo para o Nélio voltar eajudar o garoto na marcação. Ao debaterem isso na televisão, o comentarista brincou: "Mandar o Nélio voltar é fácil, quero ver fazer isso com o Romário". O técnico ouviu pela TV, levantou do banco, foi para perto do microfone da emissora e bradou: "Ô, Romário. Volta, Romário", mas numa altura que não daria para o Baixinho ouvir em campo.
O Flamengo venceu novamente, desta vez por 2 a 0. E dali em diante, Apolinho sempre levava uma televisão para o banco nos jogos, inclusive nas partidas fora do país.
- Eu não sei como ele fazia isso, sei que aparecia lá (risos). Ele largava o jogo, ficava na TV e analisava legal, era assertivo para caramba. Porque é aquela história, né? O sistema nervoso central dele já indicava: olha para a televisão, aí ele já tinha todo aquele domínio na tela, dos movimentos - argumentou Arthur Bernardes.
O início animador da Era Apolinho, com 100% de aproveitamento, encheu a torcida de esperança, como lembrou Sávio, autor dos dois gols do 2 a 0 sobre o Juventude:
- "Caramba, dois jogos fora e duas vitórias espetaculares". E aí se criou uma expectativa muito grande, mas a gente sabia da dificuldade que era. Ele tentava, de certa forma, suprir a falta de conhecimento como treinador, com a parte tática, técnica no dia a dia de treinamentos, com essa paixão que ele tinha com o Flamengo, com esse poder agregador. E a gente, de certa forma, ajudava no que era possível.
A alta expectativa sobre o trabalho, porém, durou pouco tempo. No Campeonato Brasileiro, Apolinho não conseguiu tirar o time da lanterna do Grupo A no fim do primeiro turno, e no segundo levou o Flamengo só ao sétimo lugar entre os 12 da chave, não passando nem perto de conquistar uma vaga na semifinal.
Restava, então, a Supercopa da Libertadores como a última chance do tão sonhado título no ano do centenário. E curiosamente no torneio mata-mata o Flamengo fazia uma campanha impecável. Depois de aplicar 3 a 2 no Vélez fora de casa na estreia, o Rubro-Negro enfiou um 3 a 0 sobre os argentinos em Uberlândia (veja no vídeo acima) . Aquele famoso jogo do soco do Zandoná no Edmundo, lembra? E avançou com um placar agregado de 6 a 2.
Na segunda fase, o Flamengo enfrentou o Nacional-URU e também ganhou os dois jogos: 1 a 0 no estádio Centenário, em Montevidéu, e repetiu o placar no Maracanã. Na semifinal, o Rubro-Negro encarou o Cruzeiro: novo 1 a 0 no Mineirão (veja no vídeo abaixo) e um 3 a 1 em casa mesmo sem os três componentes do "melhor ataque do mundo" (Edmundo teve uma lesão grave e só voltaria a jogar em 1996; Romário estava machucado e Sávio, suspenso). Coube ao jovem Aloísio Chulapa, de 20 anos, mostrar personalidade e virar o destaque da partida.
O adversário na grande final seria o Independiente, que eliminou o River Plate nos pênaltis na semifinal. Mas no jogo de ida, na Argentina, o Flamengo conheceu a sua primeira derrota na Supercopa: 2 a 0.
- Nós tomamos um gol muito rápido. A gente já não tinha ali o Edmundo, então houve uma vulnerabilidade no meio de campo. Aí 2 a 0, e ele (Apolinho): "Vamos botar mais um atacante". Pela experiência que eu já tinha, falei: "Você aceita um conselho? Não bota mais um atacante, nós temos que fechar o time porque esse jogo aqui não tem mais jeito. Se der uma zebra e tomarmos uns quatro aqui, a gente vai chegar lá no Maracanã e ninguém vai". E ele: "É mesmo, né? Vamos fazer assim". Aí nós fechamos a equipe, perdemos de 2 a 0, e pensei: é um placar reversível, com um time bom como o nosso - revelou Arthur Bernardes.
O auxiliar técnico do Apolinho reviu esse jogo sete vezes, ele conta, para preparar a melhor tática para a partida da volta. E montou duas estratégias, uma inicial e outra de emergência. A primeira foi sacar o lateral Fabiano para a entrada de Rodrigo Mendes na equipe titular, deixando o time com um atacante a mais. Com isso, Nélio foi deslocado para ser um ala pela direita.
- O Independiente fechava um retângulo e deixava os corredores abertos. Eu cheguei para o Apolinho e falei: "Eu revi várias vezes, temos que liberar os lados. E conversamos muito com o Nélio. Nós treinamos isso. E no coletivo, quando o Nélio jogou ali, em 12 minutos fizemos três gols.
Mas não surtiu o efeito esperado, e o Independiente segurou o 0 a 0 no primeiro tempo. Então, no intervalo, foi a hora de tentar a estratégia de emergência. Sabe a mexida que consagrou Fernando Diniz na campanha do título da Libertadores do ano passado no Fluminense, em que ele tirava um zagueiro para colocar um atacante e recuava um volante para a zaga? Os pioneiros disso foram Arthur Bernardes e Apolinho, que batizou na época de "tática kamikaze":
Eles sacaram o zagueiro Cláudio, puxaram Marcio Costa para a defesa e lançaram Aloísio Chulapa. Aí deu certo. O jovem atacante entrou incendiando o jogo ao lado de Sávio, Rodrigo Mendes e Romário, que fez 1 a 0 aos 16 minutos. Mas na comemoração Nélio caiu na pilha de Domizzi e foi expulso junto com o argentino. E o Flamengo não conseguiu marcar o segundo gol tendo 10 contra 10. Uma dura lembrança que machuca Sávio até hoje:
- O jogo em si da final foi muito bom. Se você pega o segundo tempo principalmente, foi ataque contra defesa. O Independiente não passava do meio de campo, uma pressão absurda. A gente tentou, martelou... Eu lembro bem, era muita pancada. Acho que só eu levei umas 15 faltas. No segundo tempo realmente foi uma pressão muito grande, mas não foi possível. Ali foi uma grande frustração. Eu, com 21 anos, confesso que fiquei muito mal. Fiquei praticamente uma semana sem falar com ninguém. Eu fui criado dentro da Gávea, tenho uma identificação muito forte com clube, e no ano do centenário queria dar algo de presente para a torcida.
Faltou só um gol para o Flamengo do Apolinho levar aquela decisão para os pênaltis. Numa época em que a imprensa ainda tinha acesso ao vestiário, os repórteres acompanharam de perto a desolação de Washington Rodrigues, que foi o último a ir embora nesse dia.
- Você sabe que às vezes eu penso: se o Flamengo tivesse sido campeão, eu não sei se ele ia suportar de emoção. Porque ele estava realmente vivendo um momento de êxtase - disse Arthur Bernardes.
Em todas as entrevistas que deu na época, Apolinho sempre dizia que não era treinador e voltaria para a Rádio Globo ao término da temporada. Tanto Kleber Leite quanto Arthur Bernardes acreditam que nem o título da Supercopa Libertadores o faria mudar de ideia. Mas José Carlos Araújo não tem essa convicção se o amigo estivesse com a faixa de campeão no peito:
- Pô, não só ele, mas acho que a própria presidência, a torcida, a nação rubro-negra, todos iriam exigir a permanência dele.
Ao todo, Apolinho comandou o Flamengo em 26 jogos, com 11 vitórias, oito empates e sete derrotas, tendo marcado 32 gols no período e sofrido 30. Apesar do vice na Supercopa da Libertadores, o aproveitamento geral foi de apenas 52,5%. Se o técnico conseguiu o que parecia mais difícil, que era unir o grupo, por que não deu certo?
- Ele tentava, mesmo com aquela tensão toda que era o momento, deixar um pouco mais descontraído. Apesar dessa falta de conhecimento no dia a dia do futebol, ele tentava, como falei, suprir de alguma forma, que era com carisma e com aquela vontade de ser rubro negro, de ajudar. Mas é claro que para o Flamengo isso não é suficiente - opinou Sávio, que também acredita ter pesado o fato de o time ter feito muitos jogos como mandante em outros estados:
- A gente está falando de um país continental, né? Essa questão da logística foi muito crucial, ainda mais numa época em que nós jogávamos praticamente três vezes por semana. Você ia para o Norte e Nordeste, tinha que voltar, dois ou três dias depois tinha que jogar. Você recuperava e viajava de novo.
Naquela época, o Flamengo vendeu vários mandos de campo, principalmente no Campeonato Brasileiro, por ser uma alternativa de lucro em meio à crise financeira (foram mais de R$ 20 milhões obtidos com esse tipo de receita). Arthur Bernardes também citou a ausência do Maracanã como um dos motivos, além de um elenco curto e muitas trocas de comando:
- Eram jogos como hoje, quase que de três em três dias tinha jogo e viagem, então a gente não jogava muito no Maracanã. E quando você tem mudança de treinador constante... Pode melhorar sim, é uma solução, mas ao mesmo tempo leva um tempo para assimilar. E nós não tínhamos um elenco imenso. Não tínhamos um lateral-direito. O Fabiano, que era zagueiro, jogava de lateral, depois o Agnaldo jogou. Nós trouxemos o Luís Carlos Winck, mas ele chegou e depois machucou. O Lira na lateral esquerda só tinha ele, o outro era o Léo Inácio, ainda garoto...
A imprensa não aliviou nas críticas por "corporativismo". Em novembro de 1995, durante uma sequência de jogos seguidos sem vitória, a marca do bom humor de Apolinho foi usada contra ele e o time em uma coluna do jornal O Globo (veja na imagem abaixo) .
- As críticas maiores ao Flamengo naquela época eram que o time era muito fraco. Quando o Kleber sonhou com o time dos sonhos, com Romário, Edmundo e Sávio, tinha tudo para dar certo. E era o ano centenário do Flamengo. Era um negócio assim, que a gente apostava que ia dar certo - lembrou José Carlos Araújo.
Kleber leite citou ainda o acidente de Edmundo de carro, que matou duas pessoas na Lagoa Rodrigo de Freitas, na Zona Sul do Rio, dias antes da final da Supercopa da Libertadores:
- Houve uma série de problemas. Por exemplo, o acidente envolvendo o Edmundo, aquilo ali foi decisivo. E também uma contusão grave, porque as pessoas falavam "melhor ataque do mundo", mas o Edmundo pouco jogou nesse ataque por esses problemas. E na época o departamento jurídico, os advogados que nós consultamos, achavam importante tirar o Edmundo do Rio, por isso ele foi emprestado ao Corinthians. Então isso mexeu muito, foi uma coisa meio complicada. Se não tivesse acontecido, certamente o encaminhamento teria sido outro.
O ano de 1995 terminou de forma melancólica na Gávea, mas a temporada seguinte começou com tudo. E o Flamengo foi campeão carioca invicto sob o comando de Joel Santana (e com uma pequena contribuição do trabalho deixado por Apolinho).
- Muitos jogadores de 95 ficaram para 96, acho que isso foi importante, manter uma base. Porque não dá para você formar um time, um elenco, a cada seis meses. Você não consegue criar um padrão tático, técnico, de grupo, de união. Aí veio o Joel e juntou tudo. O Joel era muito bom taticamente e fez um time muito compacto, de muita marcação, mas ao mesmo tempo um time que jogava. Acho que ficou em 96 um pouco de harmonia, vamos dizer, dessa sintonia de alguns jogadores do grupo de 95 - destacou Sávio.
Abre aspas para Washington Rodrigues ao jornal O Globo no dia 29 de outubro de 1995, cerca de um mês e meio depois de assumir o time do Flamengo: "Emagreci 8kg, vivo estressado, não me lembro nem que dia é hoje". A reportagem ainda completou: "Sua mulher já passou mal com os tropeços do time, o filho chegou a pedir que largasse a função e a mãe, uma senhora de 93 anos, não o perdoa por deixar o jovem Rodrigo (Mendes) no banco de reservas".
Mas será que Apolinho curtiu ser técnico? Arthur Bernardes, que se aposentou como técnico ano passado e atualmente tem um canal no YouTube chamado "Fala Treinador", garantiu que o amigo gostou, apesar de todos os "ossos do ofício":
- Ele curtiu, mas sofreu muito. Eu lembro que ele falava assim... Acabava o almoço, a gente ia deitar, e ele só dormia de barriga para cima. Aquele jeito dele. Dormia rápido, sabe? Aí ele falou: "P..., estou cansado, essa vida de treinador não é mole, não" (risos). Foi experimentando aquela sensação e depois ele mesmo declarou, né? "Eu passei a ter muito respeito pelos treinadores porque não é fácil. É uma cadeira elétrica por segundo, toda hora está tomado um choque" (risos).
Atualmente na Rádio Tupi e com o canal no YouTube "Cheguei Podcast do Garotinho", José Carlos Araújo lembra até hoje das reclamações de Apolinho como técnico, mas acredita que ele não se arrependeu:
- Ele dizia assim: "Ser treinador de futebol, eu não imaginava que seria tão difícil". E o que é mais difícil? Administrar os problemas pessoais. Cada dia tinha uma série de problemas para ele resolver que era extracampo. Ele me falou: "Tomo o meu tempo quase todo administrando probleminhas pessoais. É problema de fulano que brigou com a mulher, o outro que está com o aluguel atrasado"... Eram coisas assim.
- Num jogo lá em Buenos Aires, teve uma mulher que viajou do Rio, namorada do Romário, e se hospedou no hotel que o Flamengo estava, num outro apartamento. E o Velho Apolo tendo que administrar essa p... para ninguém saber (risos). É f... Eu acho que ele não se arrependeu, mas aprendeu. O Parreira, que é meu amigo e meu irmão, uma vez falou assim: "Seu amigo viu como é que é diferente, né? Na latinha (rádio) é uma coisa, lá dentro é outra completamente diferente".
Sávio, que encerrou sua carreira em 2010 e atualmente é empresário de jogador, ficou na dúvida ao ser perguntado. Porém, não tem dúvidas de que Apolinho faria tudo de novo:
- Eu não sei se ele curtiu. Mas a minha sensação é que se tivesse que fazer de novo ele faria, não ia negar nunca um pedido do Flamengo. Então acho que no fundo ele teve prazer de dirigir o Flamengo.
Querido pela torcida, Apolinho sempre dizia naquele período como técnico que se a torcida o ofendesse ele sairia na hora. E após voltar para a rádio sempre brincava que "foi o único treinador da história que nunca foi chamado de burro".
- É verdade, porque todos foram, até os mais consagrados (risos). Eu não me arrependo, não. Acho que foi uma tacada legal - afirmou Kleber Leite, que hoje é dono de uma agência de marketing esportivo chamada "Klefer" e acredita ser preciso mais uma vez "pensar fora da caixa" no futebol brasileiro:
- De uma certa forma, o mercado brasileiro está precisando de alguma coisa muito parecida, porque basta ver aí o que tem de treinadores estrangeiros ocupando as funções de profissionais que poderiam ser brasileiros. É um momento de reciclagem, diria eu. Aquela foi uma tentativa.
Apolinho ainda teve uma segunda passagem pelo Flamengo em 1998, mas como diretor de futebol e sem os mesmos holofotes de três anos atrás. Em 2025, essa história completará 30 anos, e Washington Rodrigues não estará mais entre nós no aniversário da data porque faleceu no último mês de maio, aos 87 anos. Mas onde quer que ele esteja, certamente está "mais feliz do que pinto no lixo" após o título rubro-negro na Copa do Brasil. E ao lado de um velho conhecido:
"E acaba de chegar São Judas Tadeu".
Assista: tudo sobre o Flamengo no ge, na Globo e no sportv