Assim como clubes e jogadores, a paralisação do futebol no Brasil e a proibição de eventos nos estádios está afetando também empresários cujos negócios não são os jogos ou os shows, mas estão diretamente atrelados a eles.
Empresas de camarotes e restaurantes dentro dos estádios, bem como estabelecimentos nos entornos, que precisam dos eventos para obter a maior parte de suas receitas, estão passando por momentos complicados.
E se depender de um estádio já é complicado, imagina quem tem ponto comercial em nada menos que sete.
Esse é o caso de Marcelo Neves, sócio-proprietários dos camarotes Unyco, que operam no Morumbi, Allianz Parque, Arena Corinthians , Maracanã, Mineirão, Arena Grêmio e Fonte Nova.
"O efeito vem sendo violento, estamos com sérios problemas", contou ele ao ESPN.com.br. "Se não tem jogo e não tem show, eu não tenho receita", explica.
Neves teve de tomar uma atitude drástica e está rescindindo contratos com os estádios.
"Pra ser sincero, as negociações até que estão sendo tranquilas, porque é uma pandemia geral", diz ele. "Não tem o que fazer, os meus clientes suspenderam os eventos e contratos, e aí eu tenho que suspender também", diz.
Ele tem feito acordos para não ter demitir pessoal, mas já vê que isso talvez seja inevitável - em especial se não houver mais eventos com público neste ano, como vem sendo aventado.
"Temos mais de uma década de história. É muito triste, porque os funcionários estão com a gente há muito tempo", diz ele.
Por causa da paralisação, ele perdeu as rendas que teria com os shows de Backstreet Boys, no Allianz Parque, Mettalica, no Morumbi, além de São Paulo x River Plate , pela Copa Libertadores .
"Tivemos que devolver o que foi pago. Como o Metallica postergou o show para dezembro, teve quem deixou crédito. Mas muitos pediram de volta", conta.
"Se eu precisar, fechamos a empresa. E, se os eventos forem retornar em 2021, nós recomeçaremos como se fosse do zero, depois de 11 anos na praça", diz.
'O maior cuida do menor'
Leo Rizzo é sócio-proprietário da holding Soccer Hospitality, que comanda pubs no Allianz Parque, no Morumbi e na Arena Corinthians, além de camarotes nos estádios de Corinthians e Palmeiras .
"Tudo começou com São Paulo x Santos (disputado em 14 de março, pelo Campeonato Paulista ). Às 17h da véspera, veio o aviso de que o jogo, que não teria público", conta Rizzo.
Mas o problema maior foi no domingo, quando Corinthians e Ituano se enfrentariam em Itaquera, também pelo Estadual. Além do jogo, o empresário tinha contratado uma estrutura para comemorar um ano de Fielzone, o camarote do estádio.
"Haveria shows da Lexa e do MC Guimê, toda estrutura estava pronta", conta.
"Se não fosse o caixa que fizemos ao longo de dez anos de atuação, já tinhamos quebrado", afirma. "Há 45 dias, a gente não sabe o que é cair dinheiro na conta. A empresa vai sobrevivendo, mas teremos, talvez, de demitir funcionários", disse.
Para honrar os salários de abril, a empresa criou o ingresso solidários a R$ 100, em Itaquera, e a R$ 200, no Allianz Parque, a ser usado em eventos futuros - os preços normais variam de R$ 300 a R$ 1000.
Ele é mais um que não cogita a hipótese de não poder abrir até o fim do ano.
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"Se ficar decretado que não pode ter jogo, mas pode abrir restaurante, eu vou tentar me enquadrar. Na prática, meus empreendimentos são restaurantes", diz ele, que também elogia a postura dos donos dos estádios diante dos problemas.
"A relação é muito boa com os proprietários dos estádios. Ambos fizeram acordos e cancelaram aluguéis. Os gestores estã sendo parceiros", disse.
"Nessas horas, eu enxergo que o maior tem que cuidar do menor, não tem jeito. As arenas estão cuidando dos proprietários de empreendimentos, as fedarações cuidam dos clube e a CBF, das federações", diz.
'Gente de casa'
Marcio Flores, que é diretor de marketing do Allianz Parque, atesta que está mesmo lidando com os empresários que operam na arena na base do "ninguém larga a mão de ninguém".
"Na semana passada, tivemos reuniões com eles para saber como poderíamos ajudar", revelou o executivo. No local, funciona de maneira fixa uma loja oficial do clube, um Burger King e o restauramte Nagairô.
"Estamos tratando os parceiros da casa e fazendo acordos de maneira que fique confortável para todos", diz ele. "Estamos preoucpados, porque são grades parceiros nossos, gente com quem conversamos todo dia. É gente de casa", diz ele.
"Temos de estar do lado deles, para conseguirmos sair todos dessa crise"
Redutos alviverdes
O caso de Marcos Costi é triplamente exemplar quanto à questão. Ele é sócio do Dom Xixo e do Tá Lá dentro, dois pontos de encontro clássicos de palmeirense em dias de jogos na Rua Caraibas, que desemboca na Rua Palestra Itália em frente ao portão do clube.
Mas, além dos empreendimentos, ele é também o locutor oficial do Allianz Parque - o nome "Tá La Dentro" faz alusão ao bordão com que ele anuncia os gols do time.
"Nosso faturamente vem muito do movimento em dias de jogos", disse Costi ao ESPN.com.br . Mas se fossem só os jogos que não estivessem acontecendo, o estrago seria menor. Sem poder abrir o salão, onde há uma concorrida feijoada aos sábados, o empresário teve de mudar o estilo de atuação.
"Os funcionários estavam pedindo para voltar a trabalhar e implantamos um delivery", contou ele, que está deixando um dos pontos fechados durante o período de isolamento e mesclou os cardápios.
"Não tem como pensar em lucro. Se você se mantiver aberto, já é o lucro", diz.
Para se manter, o empresário negociou alongamentos de prazos com parceiros e fornecedores e conseguiu negociar com o empresário uma redução de 22% no valor do aluguel.
Na mesma rua, Lua Guedes, da loja Porcolândia-1914, que vende "tudo" do Palmeiras, como ela gosta de definir, está tentando manter funcionários e estrutura apostando tudo nas vendas online.
"Estamos perdendo receita absurdamente", diz ela. "Cerca de 80% do faturamento vem dos dias de jogos", conta.
"Estamos vendendo o suficiente para não dever para ninguém nem mandar funcionários embora", disse ela, que também negociou com proprietário do imóvel e fornecedores.
"Não precisamos nem pedir. Todo mundo entende porque todo mundo, de certo modo, está no mesmo barco", diz ela, que também é torcedora fanática e está com abstinência de Palmeiras.
"Estou com saudade até de passar raiva com o time", disse. Lua prevê que conseguirá manter tudo comoe stá até julho. Mas, dali em diante, talvez tenha que pensar em reduzir estafe.
Vila Belmiro, zona fantasma
No bairro da Vila Belmiro, em Santos, que vive em função do Estádio Urbano Caldeira, o cenário é de cidade-fantasma, conforme relatou à reportagem Alberto de Oliveira Júnior, o popular Alemão.
"Aqui só tem o estádio e moradores com 50, 60 anos, que não estão podendo sair nem receber visitas. Já é sempre vazio por aqui, sem jogos. Imagine agora, com tudo fechado", disse ele.
Conhecido por ter o escudo do Peixe tatuado na testa, ele comanda a Confraria do Alemão, em frente à Vila Belmiro. E, como sua clientela é basicamente de pessoas acima de 50 anos, e seu produto quase único é a cerveja, delivery não é uma opção.
"O que tenho conseguido fazer é 'levar o bar' para a casa de amigos. A gente toma os cuidados, usa máscaras, e marca de se encontrar aos sábados com os clientes aqui do bar, para tomar cerveja", conta.
Alemão não pensa em pedir redução de aluguel. "Vou nada, o proprietário não vai aceitar. O ponto é muito bom, ele sabe que rende bem, sempre tem várias propostas, e não vai abaixar", diz ele.
Ele nem sonha com a hipótese de não haver mais jogos com público em 2020.
"Quando e se baterem esse martelo, fecho o bar de vez no dia seguinte. Não terei como me manter', afirma ele, que está dando adiantamento para seus funcionários que atuam em dias de jogos poderem se manter.