Benedito Ferreira era o segurança que trabalhava no Ninho do Urubu no dia 8 de fevereiro de 2019, quando um incêndio no alojamento de jovens do Flamengo matou dez garotos. Mais de dois anos após a tragédia, ele concedeu sua primeira entrevista e desabafou sobre o que viveu.
Ao “Fantástico”, da TV Globo, Ferreira afirmou que sofre com o que viveu naquela noite até hoje e ainda consegue ouvir a voz dos jovens o chamando, pedindo socorro.
“'Ferreira, Ferreira, está pegando fogo. Eram os garotos. Desci. Quando cheguei, parecia normal, mas quando entrei, o fogo estava bem mais intenso. Vi um atleta. Ele quebrou a janela. Consegui puxar o primeiro, o segundo, o terceiro, que estava muito queimado. Tinha um quarto que não consegui puxar. Quando disseram que eram dez, e alguns eu tinha visto horas antes... Meu mundo acabou”, disse ele, bastante emocionado.
“Na hora que chegou para mim, 'Tio, lá atras está cheio'. Me bateu o desespero. Não tinha mais como entrar. Os garotos me ajudaram a puxar o quarto, mas não tinha mais o que fazer. Sentei, fiquei olhando uma cena... Até hoje escuto eles gritarem, que está ardendo o corpo. Sentimento de perda”, completou.
“Eu não sou herói, eu fiz o que estava lá para fazer, não me considero herói. Me considero uma pessoa normal, que estava lá fazendo minha função e de repente me deparei com esse fato... Que vitimou os garotos.”
Especificamente desse quarto garoto, uma das vítimas fatais do incêndio, Ferreira lembra algumas de suas últimas palavras.
“Foi o garoto que, quando consegui puxá-lo, já estava muito queimado. Ele olhou para mim, disse 'Tio, não me deixa morrer'. Minha vida segue meio atormentada, tomo remédios. Tem lugares que não vou mais. Meu dia de folga, normalmente, é em casa. Não tenho vontade.”
Na entrevista, Ferreira também revelou, pela primeira vez, que dois dos extintores que tentou usar para combater o incêndio no Ninho não funcionaram naquela noite. “No início, usei um extintor. Um garoto tentou utilizar o segundo, não funcionou. Me passou, não funcionou. Teve um terceiro, que não funcionou.”
Em seu depoimento às investigações do caso, Ferreira não falou sobre os extintores que não funcionaram, mas ele garante que não foi perguntado sobre o tema. Já o Flamengo, à reportagem da Globo, afirmou que a entrevista mostra uma “visão pessoal” do segurança.
O clube acrescentou que, segundo as investigações, não hove indicação de mau funcionamento e todos os extintores estavam dentro dos parâmetros legais, de validade e uso, na ocasião - embora, de fato, os documentos do Ministério Público não detalhem se eles, de fato, funcionaram ou não.