São três pinos para explodir uma granada armada desde a chegada de Tite ao Flamengo

Disclaimer: escrevo sob o impacto de uma tarde passada com um grupo de pessoas que considero referências da minha profissão; e, por coincidência, tinha acabado de assistir a uma palestra online sobre as características esperadas de um colunista, proferida por um mestre internacional desse ofício. Recuso-me a declinar qualquer nome, porque imagino que todos me aconselhariam a seguir no caminho inverso do que escolhi para esta coluna. Mas já tinha me convencido a experimentar duas técnicas que procuro evitar neste espaço. Primeiro, a generalização, tratar um coletivo como se fosse uma unidade. Segundo, tentar pensar com a cabeça de outra pessoa. Achei que funcionaria para sustentar o argumento, então peço licença a eles e a meus eventuais leitores para me aventurar nesse caminho.

A torcida do Flamengo — aqui vai a generalização — estava pronta desde sempre para não gostar de Tite. Quando o nome do treinador ainda estava sendo especulado, fui comprar frutas secas na saída do trabalho e o vendedor, que puxou conversa, já tinha todos os argumentos para um eventual fracasso. Não tem o DNA rubro-negro, se desacostumou do dia a dia dos clubes no período com a seleção, é muito professoral. Só faltou admitir que o principal defeito era o de seus sete antecessores desde 2020: não ser Jorge Jesus. Ganhar não basta, como ficou claro para Rogério Ceni e Dorival Júnior. É preciso ter mais títulos do que derrotas, sufocar o adversário no seu campo de defesa, fazer parecer que Zico ainda está em campo. E se a geração 2019 envelheceu, se os adversários se reforçaram, se não dá para repetir uma temporada extraordinária ano após ano, pior para os fatos.

Por outro lado, Tite — aqui vai o exercício de pensar com a cabeça alheia — ainda não parecia estar pronto para gostar do Flamengo; ou, minimamente, para entender esse fenômeno. Sua escolha, depois da passagem pela seleção, sem que o mercado europeu lhe tenha feito um aceno, soou óbvia. O próprio treinador declarara em entrevistas que o que lhe faltava em sua vitoriosa carreira era dirigir o clube de maior torcida do país. Passar pelo Corinthians, grande, confuso, sujeito a todo tipo de pressão, já lhe teria dado a preparação necessária. Mas faltaram alguns itens importantes nessa leitura de cenário: os rubro-negros de hoje não estão carentes de um título importante, como os corintianos da primeira década deste século; e uma diretoria pressionada, às vésperas de uma eleição, não está preparada para oferecer a estabilidade (polissílabo que poderia ser pronunciado com aquela ênfase em cada sílaba nas entrevistas coletivas, com os olhos percorrendo a sala de um lado a outro em busca de atenção plena) que a CBF lhe deu nos últimos seis anos.

Até agora, os resultados impediam que a implicância se transformasse em cobrança. O aproveitamento geral, de 66%, é semelhante ao de — com o perdão da menção, rubro-negros — Jorge Jesus. E o time, a rigor, está vivo nas três competições. Mas o abandono do Brasileiro foi anunciado na preparação para o jogo de hoje, contra o Grêmio; a situação na Libertadores é dramática; e o Corinthians já passou a ser tratado como favorito na Copa do Brasil. São três pinos para explodir uma granada armada desde a chegada. E poucas semanas para saber se a titebilidade conseguirá desarmá-los.

Fonte: O Globo