O futebol brasileiro está oficialmente parado em meio à pandemia de coronavírus. Nos bastidores, porém, as movimentações seguem à toda. A grande bola da vez é a tentativa de os clubes chegarem a um acordo com os atletas para definir o que fazer durante a paralisação.
A principal preocupação é financeira. Com o futuro incerto, sem saber se conseguirão condições de cumprir as metas orçamentárias, as equipes tentam economizar. Responsáveis pela maior parte das despesas dos times de futebol, os jogadores estão no centro da questão.
Na segunda-feira, a Comissão Nacional de Clubes, órgão que representa clubes das Séries A, B, C e D do país, voltou a se reunir, com a presença de 46 equipes, através de videoconferência, para elaborar uma segunda proposta a ser enviada aos sindicatos de atletas pelo país .
A primeira, que incluía férias de 30 dias nesse período de paralisação, redução de salários dos jogadores em 50% e até possibilidade de suspensão de contrato, foi rejeitada. Agora, o período de descanso seria de 20 dias (1º a 20 de abril) e o possível corte de apenas 25%.
A proposta foi enviada à Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (FENAPAF), que repassará aos sindicatos locais. Os clubes esperam uma resposta em 48 horas.
Cortes x atrasos nos salários
A principal questão que desagradou os sindicatos de jogadores foi a proposta inicial de redução de salários em 50% (considerando os ganhos em carteira e direitos de imagem) por 30 dias durante a paralisação do futebol. Um contraponto em comum feito pelas entidades pelo Brasil foi a lembrança de que muito clubes já tem dívidas salarias com seus atletas.
“Os times que estão endividados podem ser beneficiados com isso? Só entra de férias quem pagar os salários?”, questionou Felipe Augusto Leite, presidente da FENAPAF, ao ESPN.com.br .
“Eles querem reduzir salário, mas nenhum deles diz que irá quitar os salários atrasados”, disse Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo. “É muita cara de pau simplesmente jogar no peito dos jogadores: ‘Você tem que colaborar ou o futebol vai acabar’. Sempre vêm com aquela mensagem para tentar sensibilizar, mas assim não dá.”
O sindicalista paulista chegou a direcionar seus ataques, especificamente ao presidente do Fluminense, Mário Bittencourt , que lidera a representação dos clubes na Comissão Nacional.
“Nossa proposta prevê soluções para que os atletas percam o mínimo possível e nós também, posto que estamos perdendo patrocinadores e quase todas as receitas. Agora, como já havia dito, estamos abertos e aguardando a manifestação dos sindicatos. Mas manifestação séria de gente séria”, defendeu-se o dirigente tricolor , ainda antes da segunda proposta do Comissão.
Milhões de incertezas
A preocupação dos clubes brasileiros tem motivo. Mesmo na Europa, equipes como o Barcelona já iniciaram movimento de tentar enxugar salários no futebol para economizar . Isso por que receitas de bilheteria, TV, vendas de produtos e até negociações estão comprometidas.
No caso do Fluminense, por exemplo, a previsão de receita para 2020, em número ainda não aprovado pelo Conselho do clube, era de R$ 240,3 milhões, algo próximo da arrecadação de 2019. A direção, porém, já fará ajustes no número, depois da paralisação por coronavírus – um dos patrocinadores da equipe, o Azeite Royal, por exemplo, pediu rescisão contratual .
Mesmo para clubes em melhor situação financeira, a parada acende o alerta. O Flamengo , por exemplo, previa receitas de R$ 726,3 milhões em 2020. Quase 30% disso, ou R$ 204,4 milhões, seria proveniente de sócio-torcedor, bilheteria e estádio, valores que dificilmente serão cumpridos, em um cenário em que é difícil imaginar arquibancadas lotadas a curto prazo.
Qual a saída?
Para os principais clubes do Brasil, nem tudo dependerá do acordo entre Comissão e sindicatos. Há equipes conduzindo reuniões internas com seus jogadores em busca de denominadores comuns, embora, para férias, a solução tenha que ser a mesma para todos – e, nesse ponto, a proposta das equipes está mais próxima de ser aceita pelos atletas.
“Daqui para frente cada clube tem que ver sua situação interna e repactuar os contratos, os acordos e fornecedores, ajustar com servidores”, explicou Romildo Bolzan, presidente do Grêmio – e um dos dirigentes do futebol a ter testado positivo para COVID-19 .
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“Cada clube tem sua particularidade. A única coisa alinhada terá que ser o calendário. Se tiver que ter férias coletivas isso vai impactar lá na frente. Todos precisam estar no mesmo tempo.”
Os acertos diretos entre equipes e atletas têm respaldo na Medida Provisória 927, publicada pelo presidente Jair Bolsonaro no último domingo. A MP afirma que o “acordo individual... terá preponderância sobre os demais instrumentos normativos, legais e negociais, respeitados os limites estabelecidos na Constituição”. Os clubes veem o texto como um trunfo a mais.
E os pequenos?
Há, contudo, uma outra questão que preocupa a FENAPAF e os sindicatos locais: equipes menores, que não disputam divisões nacionais e, portanto, não representadas pela Comissão de Clubes. Para esses times, as consequências financeiras podem ser ainda maiores.
A indefinição quanto ao desfecho dos Estaduais, por exemplo, cria situações como a do Santo André , atual líder geral do Paulistão , mas que tem contratos no elenco que vencem em abril, data para a qual estava previsto o fim do torneio. As cotas de TV, principal fonte de receita dessas equipes, também ainda não foram pagas integralmente. E se a paralisação seguir?
“A comissão só pensa nos times que vão disputar competições nacionais. Só em São Paulo temos 35 clubes que estão fora disso”, disse Martorelli. “O país é gigante e tem multas particularidades. Tem que ver como serão os complementos dos Estaduais e calendários”, preocupa-se também o dirigente máximo da FENAPAF, que é do Rio Grande do Norte.
É certo que os próximos dias serão de bola parada no Brasil. Mas muita coisa acontecerá nos bastidores, e isso deve ditar os rumos do futebol quando ela voltar a rolar pelos gramados.