Tri mundial e pentacampeão da Libertadores, o Peñarol não conquista o título continental há quase 40 anos. As glórias internacionais no passado contrastam com o jejum no presente. Desde que foi campeão pela última vez em 1987, os aurinegros só passaram das quartas quando foram finalistas em 2011. Para quebrar esse tabu, eles buscam desbancar o favoritismo do Flamengo para reassumir o protagonismo sul-americano, ao mesmo tempo que encontram barreiras no futebol uruguaio e dentro do próprio clube.
Apesar da tradição da equipe uruguaia, as disparidades financeira e técnica com os principais times argentinos e brasileiros se sobressaíram ao longo do século XXI. Entre os motivos que levam a essa desvantagem competitiva, o contexto do futebol uruguaio é empecilho em uma possível tentativa de reconstrução do clube. Em um país com cerca de 3,5 milhões de habitantes, a circulação de dinheiro é naturalmente menor, o que se reflete nos valores das transferências nos mercados interno e externo.
Além das dificuldades econômicas, as brigas políticas fazem parte do cenário futebolístico no Uruguai. Uma delas é sobre os direitos de transmissão do campeonato nacional, que influenciam na divisão das receitas de cada clube. No caso, a empresa Tenfield, controlada pelo brasileiro-uruguaio Paco Casal, vive em constante “queda de braço” com o sindicato dos atletas, que pedem melhorias nesse “monopólio”, o que já causou greves e protestos dentro e fora de campo.
Por terem uma espécie de fixação pelo tradicionalismo, Peñarol e Nacional mostram uma aversão à SAF, o que, por outro lado, já virou realidade no futebol brasileiro. Somada à cultura enraizada, a permanência de uma estrutura política à moda antiga fortalece o conservadorismo nos bastidores dos clubes e, ao mesmo tempo, limita a possibilidade de um projeto de renovação.
— Os cartolas apenas aceitam que o dinheiro entre, mas jamais abrem mão da influência que carregam no poder. O então presidente Ignacio Ruglio pertence à gestão anterior, sendo que o pai dele já tinha governado o Peñarol. Lembra os clubes brasileiros de antigamente, que passavam de mão em mão ou alternavam de um grupo político para o outro — destaca Léo Lepri, jornalista do Grupo Globo.
Uma das razões que explicam a repulsa a novos modelos de gestão é a particularidade na relação entre torcida e clube. Lepri ressalta que os sócios-torcedores são vistos como donos da instituição, a ponto de participarem da vida política com o direito ao voto. Já, no Brasil, eles pagam somente uma mensalidade, o que dá benefícios, como a concorrência a ingressos, conforme o nível de cada plano.
Exemplo disso é que o Peñarol pretende faturar US$ 7 milhões com contribuições dos sócios em 2024, o que pode representar 25% da receita total do clube (US$ 39 milhões), de acordo com a previsão mais otimista do orçamento do clube.
Embora o contexto aponte para uma realidade pouco atrativa economicamente, os Carboneros vêm retribuindo a paixão de mais de 85 mil sócios-torcedores nesta temporada. De eliminado com zero ponto (e saldo de gols -14) na Sul-Americana de 2023 às quartas de finais desta Libertadores, o ressurgimento da equipe aurinegra passa pelas mãos do ídolo Diego Aguirre, autor do gol do último título do Peñarol (1987) e técnico na campanha de finalista da competição continental (2011).
Logo depois que chegou ao final do ano passado, o treinador uruguaio perdeu o título uruguaio para o Liverpool, de Montevidéu. Mesmo após o baque do Peñarol seguir sem conquistar o campeonato nacional desde 2021, ele conseguiu dar a volta por cima ao colocar novamente o time no centro dos holofotes na América do Sul.
Entre os destaques do atual elenco, o meia Leo Fernández, ex-Fluminense, é o líder geral em assistências (5) na Libertadores e já marcou 16 gols em 34 partidas nesta temporada. Como o terceiro melhor ataque da competição, o atacante Maximiliano Silvera está na briga pela artilharia com seis gols em oito jogos até aqui. Além da produção ofensiva, o time de Aguirre é mais conhecido pela consistência defensiva, o que é uma das apostas para sair vivo do primeiro confronto diante do Flamengo, no Maracanã, e decidir no “caldeirão” do Campeón del Siglo.
— É bem difícil que o Peñarol surpreenda, mas tem o fator de jogar a segunda partida em casa. Não dá para tirar o peso e a tradição do clube, que tem uma identificação com competições internacionais. Se empatar ou, até mesmo, perder por um gol de diferença no Rio, o Peñarol tem totais condições de fazer o resultado no Uruguai, ainda mais com uma torcida sedenta para viver novamente grandes histórias — opina Lepri.
A última vez que Peñarol e Flamengo se enfrentaram foi pela fase de grupos da Libertadores de 2019, com uma vitória por 1 a 0 dos aurinegros em pleno Maracaña e um empate sem gols no Uruguai. À época, a segunda partida marcou a demissão de Abel Braga e a chegada de Jorge Jesus ao comando técnico do rubro-negro, o que levaria ao título continental naquele ano.