
Esperança e desilusão, euforia e decepção, expectativa e realidade. Vasco e Flamengo medem forças nessa quarta-feira, no Mané Garrincha, em Brasília, às 21h45 (horário local), pela quarta rodada da Taça GB, como exemplos de que três meses é tempo mais do que suficiente para que sentimentos tão antagônicos mudem de lado no futebol. O devastado pelo terceiro rebaixamento em oito anos surpreendeu ao manter a base, a paciência, e tem motivos para sorrir invicto no ano, líder e 100% na competição. O renovado pela manutenção da gestão que está "arrumando a casa" e que tanto investiu para uma temporada de resultados também dentro de campo sofre sem gols, sem lugar no G-4, e com muita cobrança do torcedor. Vascaínos e rubro-negros estão aí para mostrar que não há lógica que o futebol não desafie.
- É uma pressão pela necessidade de retomar resultados, não é o fato isolado de ontem (invasão ao CT na segunda-feira) que vai fazer (a retomada da vitórias). É o trabalho que está sendo feito até agora, com jogadores jovens e experientes. Alguns que estavam aqui no Flamengo. Todos sabem, temos que ter mínimo de tranquilidade, senão é eterno recomeço a cada 15 dias. Sei que é difícil observar o trabalho que está sendo feito. Mas no nosso entendimento é bom, e os resultados vão aparecer - disse o diretor executivo rubro-negro Rodrigo Caetano.
No Vasco, técnico mantido, dois reforços considerados pontuais e manutenção dos principais jogadores apesar de ofertas financeiras superiores alimentam mais um renascimento do time de São Januário. Na Gávea, a troca de treinador trouxe de volta ao futebol do Rio Muricy Ramalho, um dos mais vitoriosos do futebol brasileiro. Na bagagem, a promessa de grandes contratações e esperança de títulos. Vieram nove jogadores – entre destaques em seus clubes no último Brasileiro, Juan e apostas em gringos caros. Olhar para a tabela, para as ações e para os resultados dos dois times até aqui pode inverter o pêndulo do time em alta e do clube em baixa.
O cenário amplamente favorável não ilude Jorginho. Apesar de viver um momento de tranquilidade, o treinador, que já defendeu o Rubro-Negro, tem total consciência do peso de uma partida contra o maior rival e evita se estender ao comentar as realidades opostas que os clubes vivem:
- Sabemos que o clássico não tem nenhum favorito. Tudo pode acontecer. Sabemos o quanto o Flamengo é perigoso. É uma boa equipe, merece todo respeito. Por isso estamos encarando com muita seriedade esse jogo. É fundamental para nós. Pode nos colocar numa situação muito boa na classificação. Jogo contra o Flamengo é sempre muito difícil, independentemente se a equipe está sob pressão ou não. Também estamos sob pressão. Querem tirar a invencibilidade de nós. Sabemos o quanto será importante.
Não que antagonismo na história do Clássico dos Milhões seja novidade. Da distância de São Januário, na Zona Norte do Rio, até a Gávea, na Zona Sul; à diferença de personalidades que vão de Eurico e Bandeira, de Nenê e Guerrero e até dos capitães Rodrigo e Wallace, Vasco e Flamengo voltam a exibir particularidades que marcam esta rivalidade centenária. Há grande diferença no modelo de administração dos dois clubes. E também, hoje em dia, nas receitas. O Rubro-Negro tem folha salarial de cerca de R$ 4,3 milhões – a dos vascaínos fica em torno da metade dessa cifra. Dos dois lados, pelo menos até este momento do ano, os salários estão em dia. Em comum, perdas recentes de receitas – a Viton 44 não renovou com o Flamengo e fez acordo para deixar a camisa do Vasco e rescindir contrato.
Em São Januário, a duras penas, o Vasco de Eurico Miranda
leva há mais de dois meses a queda de braço com o departamento de
marketing da Caixa Econômica Federal. O banco público renovou com o
Flamengo por R$ 25 milhões e queria abaixar para cerca de R$ 10 milhões
para seguir na camisa vascaína. Até agora, não há definição sobre o
assunto, mas um acordo ainda está longe.
Folha e arrecadação do Vasco são a metade do Flamengo
Na
arrecadação, a diferença aumentou nos últimos anos – seja por cotas de
TV (o Flamengo recebeu cerca de R$ 130 milhões em 2015, contra aproximadamente R$ 80 milhões do
Vasco) – ou pela remuneração mensal que vem do programa de sócio
torcedor. O Rubro-Negro somou rendimentos de R$ 30 milhões no ano
passado com o projeto, enquanto o Vasco ainda engatinha e começa a tirar
do papel o programa Gigante, lançado no último fim de semana e com
quase cinco mil inscritos em um dia.
Se fora de
campo, a grana está mais curta para o lado de São Januário, dentro das
quatro linhas o emergente Jorginho mostra consistência frente ao
medalhão Muricy Ramalho. Chegaram Yago Pikachu e Marcello Mattos – o
volante já é titular -, subiram cinco garotos, com destaque para Caio
Monteiro, que vem aparecendo bem no time principal nas últimas partidas.
O
início tranquilo de Muricy no Flamengo não resistiu à primeira
turbulência, que veio em Aracaju – na derrota por 1 a 0 para o
Confiança. Time que mais investiu em 2016, o Flamengo gastou mais de
R$ 20 milhões em contratações - casos de Alex Muralha, que
está na reserva de Paulo Victor, Rodinei, Cuéllar e Mancuello, embora só
vá quitar boa parte desses valores nos próximos dois anos.
Por
outro lado, o Vasco não investiu praticamente nada, ao pegar Pikachu e
Mattos sem contrato. A contratação de um atacante, um pedido de
Jorginho, ficou para depois, em misto de falta de grana e novas chances
para o questionado Riascos e o instável Thalles. Até agora, deu certo – o
colombiano marcou seis vezes, o garoto fez o seu quinto, no domingo, o
gol que decidiu o clássico do último domingo contra o Botafogo.
Nenê, estrela vascaína, mais decisivo que Guerrero
Oferecido
ao Flamengo no ano passado, Nenê veio para o Vasco em meio à luta
contra o rebaixamento e se firmou no futebol brasileiro como, talvez, nem o próprio esperasse mais. Tem sido em São Januário tudo aquilo que se
espera de Guerrero na Gávea. Não que o peruano venha mal – este ano, por
exemplo, já fez seis gols, três na Primeira Liga e três no Carioca -,
mas ainda não é o atacante decisivo e fatal da melhor fase no
Corinthians. O camisa 10 do Vasco fez cinco gols e participou de outros
cinco, com passes para os companheiros marcarem.
do Vasco:
Yago Pikachu (lateral-direito)
Marcelo Mattos (volante)
Entre
os coadjuvantes, Emerson Sheik, que voltou à Gávea depois de seis anos
em 2015, vem sendo contestado pelos torcedores do Flamengo. Campeão
brasileiro com Muricy no Fluminense em 2010, o atacante não corre risco
de perder a posição e é até o artilheiro do time no estadual, com quatro
gols, mas, aos 37 anos, rende menos – ainda mais com a função de voltar
e ajudar na marcação, igual a Cirino, que é bem mais jovem e iniciou
bem o Carioca, mas ainda não apareceu bem em jogos decisivos pelo
Fla. Por sinal, é provável que Cirino perca a vaga para Gabriel no
time titular para este jogo. Muricy barrou o atacante no treino da
véspera do clássico.
Do lado vascaíno, Andrezinho tem
complementado Nenê. Enquanto o craque tem liberdade para criar e ficar
solto no ataque, o camisa 7 se desdobra na marcação e ainda ajuda na
saída de bola, como quase como volante. Contra o Botafogo, os dois
tabelaram, mas Jefferson evitou o gol de Andrezinho no fim da partida.
Até mesmo nomes de menor destaque, casos de Julio dos Santos e Jorge
Henrique, têm cumprido bem suas funções e viraram peças importantes para
o esquema do treinador Jorginho.
Em três meses, as
expectativas para o ano dos dois clubes se inverteram. Na capital
federal, Flamengo e Vasco medem forças e modelos antagônicos em 90
minutos. A vitória para os vascaínos significa mantém supremacia recente
sobre o rival – foram cinco vitórias vascaínas nos últimos sete jogos
do duelo. No lado rubro-negro, Muricy e companhia veem no resultado
positivo a retomada no rumo planejado para o Fla de 2016.
Errata: o Flamengo informou que a folha salarial é de R$ 4,3 milhões, não cerca de R$ 6 milhões, como dizia a reportagem, que se baseava no balanço do clube.