“Um cara de boa, um cara tranquilo, uma figura humilde, que todo mundo ama, todos os atletas gostam. E ele é amado pelos atletas por que ele compra o barulho dos caras, ele compra a briga dos caras.”

A frase acima é de Assis, sobre o irmão, Ronaldinho Gaúcho. Suspeito, certo? Errado.

Ao longo dos últimos anos, a ESPN Brasil entrevistou uma série de jogadores e técnicos que trabalharam com Ronaldinho. Companheiros de clube e até de concentração do craque, que contaram histórias e mostraram a intimidade e o dia a dia de um dos jogadores mais emblemáticos da história recente do futebol mundial.

Unindo os depoimentos, conseguimos construir a imagem de um jogador que gosta muito da boleiragem e da resenha, que se importa com os companheiros de clube e também que cansa, um pouco, do mundo do futebol – e da fama.

No dia em que completa 40 anos sem festa, detido no Paraguai por porte de documentos falsos, conheça um pouco de quem é Ronaldinho Gaúcho nas palavras de quem conviveu com o "Bruxo".

Aulas gratuitas

"O que tinha visto na televisão e nos vídeos da internet eu assistia ao vivo. Era uma facilidade imensa para passar por qualquer um. Driblar era o passatempo preferido dele. Eu já ia pra cima com a perna fechada pra não tomar caneta (risos). A gente brincava que ele ia driblar todo mundo. O jeito que ele batia na bola e a inteligência são coisas que levo comigo até hoje."

Renato, lateral e meia, foi companheiro de Ronaldinho no Fluminense

"Tem uma situação que é muito engraçada. Quando estamos dando autógrafo, fica cheio de torcedores em nossa volta. Quando o Ronaldo aparece, todo mundo faz uma muvuca, sai correndo em cima dele e ninguém fica com a gente. Já vi caras ficarem sozinhos no vácuo com a caneta na mão. Ele fala assim: 'Para vocês, que são parceiros, espero assinarem tudo e tirar foto. Só que quando esses moleques que subiram agora que são malas e se acham, como têm que ficar com os pés no chão, preciso sair para abaixar a onda deles (risos) '. A gente sempre ri com isso, porque para ele é normal, mas tem alguns moleques que sobem da base que se acham fera."

William, ex-Palmeiras, foi companheiro de Ronaldinho no Querétaro-MEX

“De 20 cobranças de falta, ele fazia uns 14 gols e as outras paravam na trave. Era incrível! Eu falava que estava bom, mas ele ia lá e fazia de novo em outro ângulo. Era muito acima da média. (...) Era inacreditável o que fazia nos treinos, até mais do que nos jogos. Nas partidas ele resolvia, limpava a marcação e servia os caras. Era coisa de cinema.”

Eudes Pedro, auxiliar do técnico Cuca na passagem de Ronaldinho no Atlético-MG

"Nos treinos tinha vezes que a gente parava de treinar só para vê-lo em ação. Era muita qualidade, e a gente ficava babando com as coisas de outro mundo que ele fazia.”

Vander, meia, foi companheiro de Ronaldinho no Flamengo

Comida

"Não adiantava dar outra coisa, [macarrão ao alho e óleo] era o que levantava o moral dele. Depois do almoço, ele ficava com os companheiros em uma roda contando histórias, piadas e dando risada."

Eudes Pedro, auxiliar do técnico Cuca na passagem de Ronaldinho no Atlético-MG

O amigo

"Ele trata todos por igual e como se te conhecesse há anos. Não tem diferença se o cara é estrela ou da base. Eu já era muito fã antes e, depois que passei a trabalhar com ele, fiquei ainda mais."

Renato, lateral e meia, foi companheiro de Ronaldinho no Fluminense

"A convivência com ele era sensacional. Eu não acreditava, era surreal. A primeira vez que o vi era já fim do ano. A comissão fez um churrasco e ele chegou. O único lugar vago na mesa era ao meu lado. Eu não conseguia nem falar de tão nervoso. Ele falou: 'Se não conversar comigo, eu vou sair daqui' (risos) . Na chegada, o cara já quebrou o gelo e depois foi só alegria. Conversávamos muito, tinha curiosidade em saber as histórias do Barcelona e da seleção. Foi incrível, hoje vejo as fotos e só assim para acreditar mesmo. Foi algo mágico para minha vida."

Tiago Volpi, goleiro do São Paulo, foi companheiro de Ronaldinho no Querétaro

"A convivência que tive com ele foi fora do normal, o que mais me chamou a atenção foi a humildade, nunca vi igual. Ele ganhou tudo na carreira. É um cara que pode chegar em qualquer lugar e tem fãs dele no mundo todo."

Lee, goleiro, foi companheiro de quarto de Ronaldinho no Atlético-MG

"Eu era fã do futebol dele e virei fã da pessoa dele também. Tinha dias em que ele chegava com um bolo de dinheiro no bolso e distribuía para os funcionários mais humildes, pessoal da limpeza, da cozinha. Dava 500 reais pra um, 500 reais pra outro. Era uma coisa que achava legal."

Vander, meia, foi companheiro de Ronaldinho no Flamengo

"Foi a realização de um sonho jogar ao lado do Ronaldinho e correr para ele. Sentia muito prazer nisso, porque ele resolvia com o grande talento dele. Construímos uma história bonita. A simplicidade e a humildade do Ronaldinho me chamaram a atenção. Você pensa em um cara como ele, por tudo o que conquistou, e repensa. O convívio e o tratamento servem de exemplo para muitas pessoas. Isso eternizou aquela equipe toda."

Pierre, volante, foi companheiro de Ronaldinho no Atlético-MG

"Eu sou suspeito de falar dele, peguei toda ascensão, ele é um cara sensacional, nunca exigiu que o time jogasse para ele ou coisa do tipo. A gente é que se sentia meio na obrigação, porque ele decidia os jogos para a gente."

Itaqui, ex-lateral, foi companheiro de Ronaldinho no Grêmio

"Ele é um mito, só de ter jogado com ele posso contar para os meus filhos. Eu treinava muitas faltas e pênaltis com Ronaldinho. Teve um jogo que ele fez dois gols de falta no Fluminense e me agradeceu por ter tido paciência de ter treinado com ele. Para mim era um prazer e aprendia muito. Ronaldinho tem um dom, nasceu para dar espetáculo e ter o nome que tem."

Lee, goleiro, foi companheiro de quarto de Ronaldinho no Atlético-MG

O craque emocionado

"Ele fez o gol da classificação de falta [na partida entre Querétaro e Veracruz] e saiu comemorando feito louco. Até chorou e foi bem emocionante depois no vestiário. Por tudo que o Ronaldinho fez e ganhou na carreira, as pessoas poderiam acreditar que ele não ligava mais tanto com isso, mas se importava demais."

Tiago Volpi, goleiro do São Paulo, foi companheiro de Ronaldinho no Querétaro-MEX

Fama e assédio

“Ele gostava de todo mundo, mas tinha pavor de dar entrevistas depois dos treinos. Eram umas 40 ou 50 camisas para autografar por dia, sem contar as fotos. Ele sempre dava um jeito de escapar. O [ex-diretor de futebol] Eduardo Maluf viu essa cena várias vezes e resolveu um dia colocar um cadeado no portão para que ele precisasse passar pelos torcedores. Os jogadores ficaram dando risada e zoando o Ronaldinho: ‘Agora eu quero ver você fugir. O que você vai fazer?’ Ele ficou olhando, até que deu um chutão na bola e foi lá para o fundo do campo. Ele foi buscá-la e subiu um morro sem ninguém ver e escapou direto para a concentração. Nesse dia, ele não deu entrevistas e não assinou camisas. O Maluf ficava perguntando onde estava o Ronaldinho. O pessoal brincava: ‘Tá dormindo? Ele já foi embora’.”

Eudes Pedro, auxiliar do técnico Cuca na passagem de Ronaldinho no Atlético-MG

"Um dia estávamos conversando sobre a carreira e futebol e lembro dele me falar: 'Tá vendo isso tudo que a gente está vivendo no futebol? Pô, eu fui o melhor duas vezes disso aqui'. Foi top mesmo, eu o vi jogar e escutar isso da boca dele. Ele não faltou com respeito com ninguém, não estava querendo 'se achar', era um desabafo, mesmo. Ele falou com um sorriso e uma alegria no rosto de gratidão."

Lee, goleiro, foi companheiro de quarto de Ronaldinho no Atlético-MG

"Por mais que ele não tivesse a mesma vontade de viver o dia a dia do futebol, sempre que entrava em campo e via o estádio cheio era como se fosse a primeira vez. Ele tinha muita vontade e inspiração de jogar bola. Isso marcou a gente demais."

Tiago Volpi, goleiro do São Paulo, foi companheiro de Ronaldinho no Querétaro

"Era sempre um alvoroço danado em cima dele, uma estrela do futebol mundial. Na hora do embarque tinha todo aquele processo de passar pelo guichê e mostrar os documentos e tal, uma coisa bem normal. Daí eu passei e mostrei. O Diego Maurício também fez tudo isso e foi embora. Quando o Ronaldinho foi passar, a mulher pediu os documentos. Era o procedimento padrão e ela estava fazendo o trabalho dela, mas o Diego Mauricio falou: 'Você tá de sacanagem, não tem televisão em casa? Não conhece o Ronaldinho?' (risos) . A mulher ficou sem graça pra caramba, a gente morrendo de rir. Mas ele teve que pegar o RG e apresentar como qualquer mortal."

Vander, meia, foi companheiro de Ronaldinho no Flamengo

"Na China, era muito assédio em cima dele, dava pra ver que o Ronaldo estava realizado, talvez nem ele acreditou que um dia chegaria tão longe. Ele é rei lá, todo mundo o conhece e não pode dar um passo sem ter um segurança por perto."

Lee, goleiro, foi companheiro de quarto de Ronaldinho no Atlético-MG

"Ele poderia, sim, em determinados momentos, ter valorizado algumas coisas, valorizado menos outras. (...) Acho que o Ronaldo, na vida dele, acho que muitas vezes... “Esses caras não pagam faz cinco, seis meses, vou ter que aguentar tudo sozinho, a pressão toda em mim, tudo nas minhas costas, eu que vou segurar esse perrengue”... Para ele, é mais pesado."

Assis, irmão de Ronaldinho Gaúcho

O tamanho na história

" [As baladas atrapalharam a vida de Ronaldinho?] Não concordo. Até por que eu convivi com atletas... Esses caras chegaram em um momento de exposição tão diferente da minha época e da época de outros caras que fizeram coisas piores."

" [Você acha que o Ronaldinho poderia ser maior do que ele foi?] Acho que sim."

Assis, irmão de Ronaldinho Gaúcho