Procurador do STJD defende ações preventivas contra a máfia das apostas

Carlos Luna, goleiro detido por suspeita de manipulação de resultados (Foto: Leonardo Lourenço) Goleiro Carlos Luna é detido em Rio Preto por suspeita de manipulação de resultados (Foto: Leonardo Lourenço)

A Operação Game Over, realizada  para desarticular uma quadrilha de apostadores que manipulava resultados de partidas de futebol, reforçou mais uma vez a importância de se encarar o combate à máfia das apostas como uma prioridade para garantir a credibilidade do esporte. Além de o atleta aliciado muitas vezes ser alvo de ameaças e chantagens por parte dos manipuladores, dificultando que o  esquema seja descoberto, a Justiça na hora de punir os responsáveis costuma entender que os jogadores que cumprem as ordens para manipular o resultado de um jogo não são fraudadores, mas apenas cúmplices. Segundo o procurador-geral do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Paulo Schmitt, embora a legislação seja relativamente adequada, a postura dos dirigentes e autoridades para enfrentar o problema é fundamental. Daí a importância de se aplicar várias medidas preventivas dentro de uma "política de integridade" para aumentar o grau de confiança na imprevisibilidade dos resultados, tendo muito cuidado numa eventual regulamentação do jogo no país.

- São ações conjuntas entre entidades desportivas, policiais e judiciárias. Projetos de integridade visam a livrar atletas e o sistema de apostas de eventuais fraudes. Caso contrário será a morte do futebol e das modalidades em geral. Num momento em que o Brasil passa por um debate sobre a liberação do jogo é preciso ter cuidado com a sua eventual regulamentação. Se de um lado é interessante permitir por causa do controle e cobrança de impostos, de outro o fácil descontrole e a corrupção pode ser um caminho mais fácil para a lavagem de dinheiro e uma avalanche de fraudes, tornando o Brasil um paraíso para manipuladores e acobertados pela lei e regulação do setor - afirma.

Confira a entrevista com o procurador-geral do STJD, Paulo Schmitt.

Paulo Schmitt (Foto: Vicente Seda) Procurador-geral do STJD, Paulo Schmitt, explica como funciona o esquema de manipulação de resultados (Foto: Vicente Seda)

Como funciona o esquema de apostas no exterior?
Os sites de apostas são implementados em locais específicos, nos quais a legislação admite esse serviço, como Londres (Inglaterra), Malta, Gibraltar, Ilhas Virgens, entre outros. Não é qualquer país que pode sediá-los. No entanto, a maioria das nações não possui regulamentação em relação ao acesso aos sites. Portanto, apostadores asiáticos, por exemplo, podem utilizar esses sites todos para realizar apostas em jogos de várias partes do mundo, inclusive do Brasil. É assim que funciona o sistema de apostas on-line. Portanto, a não ser que o país proíba as apostas e bloqueie os sites, como fazem os Estados Unidos, por exemplo, será possível apostar da maior parte dos lugares.

Quais são os principais centros de manipulação de resultados e como funciona o processo?
A Ásia concentra a maior parte dos grupos mafiosos que manipulam resultados. Há grupos relevantes, porém, na Rússia e em outras partes do leste europeu. A manipulação ocorre de várias maneiras. Na mais comum, existe um intermediário (ou aliciador) que é a pessoa que agindo a mando dos grandes manipuladores se encarrega de cooptar e aliciar atletas, árbitros e treinadores para que colaborem nas fraudes. Esses intermediários costumam ser os responsáveis pelos pagamentos.

Nestes sites e casas de apostas pode-se apostar de tudo - placar do jogo; placar do primeiro e segundo tempo; autor do primeiro gol, total de gols, defesa de pênaltis, primeiro lateral, entre outras coisas?
Sim. É possível apostar em qualquer evento ou ação da partida. Tem como apostar em vários eventos e atividades, lances ou ações que ocorrem ao longo de um jogo de futebol.

Tem como impedir que o brasileiro invista seu dinheiro nestes sites de apostas que podem manipular resultados?
Sim. Basta que o funcionamento destes sites seja proibido no Brasil. É assim que funciona nos Estados Unidos. Lá, os sites não podem ser acessados. O mais importante é que o Brasil regulamente a situação e aperfeiçoe a legislação que criminaliza estas condutas indevidas de apostas.

Qual é a posição do STJD sobre o assunto e qual a sua opinião sobre a legislação no combate à manipulação de resultados?
Não sei como será a próxima gestão que iniciará no próximo dia 14 de julho, mas eu e o presidente Caio César Vieira estivemos na Fifa tratando desse e outros temas e sempre elegemos o assunto como uma prioridade. Temos uma legislação relativamente adequada - Código Brasileiro de Justiça Desportiva, Código disciplinar FIFA, do COI, Estatuto do Torcedor, etc -, mas a postura dos dirigentes e autoridades desportivas para enfrentar o problema é fundamental. Aliás não apenas quanto ao chamado Match Fixing, mas também doping e infrações disciplinares em geral.

Não há como garantir que o sistema não será ventilado. No entanto, os manipuladores agem por meio de coação e ameaças
Paulo Schmitt, procurador-geral do STJD

Em um sistema de manipulação tão abrangente e que envolve tanta gente - jogadores, árbitros, cartolas e técnicos - como garantir que o esquema não seja ventilado?
Não há como garantir que o sistema não será ventilado. No entanto, os manipuladores agem por meio de coação e ameaças. O atleta aliciado é muitas vezes objeto de chantagem, pois sabe que se o esquema vier à tona colocará a carreira em risco, além de passar vergonha perante a família e a sociedade. Os aliciadores jogam com essa insegurança. É preciso implantar um bom projeto de integridade para se prevenir. Em todos os eventos que participamos palestrando ou em treinamento a palavra-chave sempre foi prevenção.

O fato de o pagamento ser feito em euros pode ser um estímulo para os brasileiros procurarem cada vez mais estes sites de apostas?
Pagamentos são feitos em euros, dólares ou reais. O que estimula as apostas é a possibilidade de ganhos, e não a moeda.

A procura por campeonatos de menor expressão é uma forma de os manipuladores não chamarem tanta atenção da polícia?
Campeonatos menores chamam menos atenção, e o valor da propina a ser paga aos atletas é menor. O custo para fraudar um atleta de primeira divisão seria muito alto porque o salário destes jogadores é estratosférico. Para eles cometer um crime por R$ 15 mil não compensaria. Já para um atleta da série D do Brasileiro ou campeonato regional que recebe salários mais baixos e com frequência tem problemas de atrasos de salários costuma compensar mais participar das fraudes por este tipo de valor.

Se investirem muito dinheiro em jogos de pouca expressão, podem acabar despertando a atenção da polícia?
Sem dúvida. Investir muito dinheiro em jogos de pouca expressão pode chamar sim a atenção das empresas de monitoramento. Por isso os caras costumam fazer apostas ao vivo e ir colocando o dinheiro em partes.

Como é possível abrir apostas em campeonatos tão obscuros nos sites piratas? O número de apostadores num jogo de campeonato sem grande expressão interfere no processo de manipulação?
As casas de apostas decidem, mas é um volume muito grande de jogos para todos os gostos porque não há limite. Tecnologia fácil para incluir. Basta estarem em calendários oficiais. O número de apostadores num jogo de campeonato sem grande expressão pode interferir sim, mas a casa de aposta pode encerrar se observar movimentação estranha ou fora dos parâmetros, pois ela tem que honrar com os prêmios.

Como é calculada a probabilidade nas apostas e de que forma ela interfere no processo de manipulação?
Casas de apostas calculam as probabilidades de acordo com uma série de fatores referentes aos clubes (posição na tabela, mando de campo, últimos resultados, adversários, elenco) e atletas (posição, principais características, rendimento nos últimos jogos). São estas probabilidades que vão determinar o pagamento das premiações apostas de acordo com o valor gasto em cada aposta.

Em um time de futebol, os manipuladores costumam ir a um grupo específico de jogadores, em apenas um atleta ou este aliciamento varia de caso para caso? Existe uma posição que seja mais visada na manipulação?
Não há como precisar. Existem variações, mas as posições mais suscetíveis ao gol ficam mais vulneráveis. É o caso dos goleiros e zagueiros, de um lado, e atacantes, de outro. Os gols, portanto o resultado fraudado, pagam mais nas apostas. Mas outros lances e ações podem ser objeto da fraude e afetar não diretamente o resultado final visível, mas contribuir para que ele não seja totalmente isento ao longo de uma partida. Basta ver que um mero cartão amarelo proposital para servir às apostas no acumulado pode gerar o impedimento automático do atleta em partida futura.

Estima-se que o mercado de apostas movimente entre U$ 500 bilhões e U$ 1 trilhão por ano
Paulo Schmitt, procurador-geral do STJD

Qual o lucro aproximado das casas e sites de apostas com o futebol?
Precisar o lucro não é uma tarefa fácil. Teríamos que perguntar a elas. Estima-se porém que o mercado de apostas movimente entre U$ 500 bilhões e U$ 1 trilhão por ano. Esse número não é preciso porque contabiliza a indústria negra das apostas, e isso é algo difícil de precisar. Mas para se ter ideia de quanto dinheiro é isso basta dizer que toda a indústria do esporte - incluindo empresas como Nike, Adidas e outras gigantes multinacionais - lucra anualmente menos de U$ 200 bilhões. Ou seja, o mercado de apostas é algo muito grande.

Como o senhor analisa a questão de muitos clubes europeus já terem patrocínio de casas de apostas?
Patrocínio de casas de apostas a clubes passa por regulamentação do estatuto dos clubes, competições e da própria legislação do país. O regulamento geral dos campeonatos paulistas da Federação Paulista de Futebol (FPF) têm restrições.

O senhor acredita que a médio e longo prazo estas casas e sites de apostas no futebol possam ser legalizados no Brasil?
Temos que ter cuidado com esse tema da regulamentação, pois o Brasil passa neste momento por um debate sobre a liberação do jogo no país. Se de um lado é interessante permitir por causa do controle e cobrança de impostos, de outro o fácil descontrole e a corrupção pode ser um caminho mais fácil para a lavagem de dinheiro e uma avalanche de fraudes, tornando o Brasil um paraíso para manipuladores e acobertados pela lei e regulação do setor. Já tivemos experiências nefastas com bingos e outras aventuras neste campo. Com todas as amarras na legislação licitacional, o que não falta é fraude e propinas em contratações com o setor público. Então esse debate precisa ser aprofundado.

Independentemente da questão envolvendo a liberação do jogo no país é possível garantir que as partidas e resultados não sejam manipuladas?
Acredito que existem vários meios de proteger o esporte para aumentar o grau de credibilidade na imprevisibilidade dos resultados. São ações conjuntas entre entidades desportivas, policiais e judiciárias. Projetos de integridade visam a livrar atletas e o sistema de apostas de eventuais fraudes. Caso contrário será a morte do futebol e das modalidades em geral. São mais de 40 modalidades envolvidas em apostas e fraudes no mundo todo. Somente atividades de conscientização, controle, fiscalização e punição ajudam a minimizar o problema. Estamos iniciando esse processo na Federação Paulista através de um Comitê de Integridade. A Federação estaria totalmente fragilizada se não implementasse esta política de integridade que ajudou autoridades a descobrir essas fraudes e proteger o futebol paulista. Há muito a se fazer no Brasil, pois são muitas partidas disputadas e os manipuladores precisam disso, que é o produto do crime.

Fonte: Globo Esporte