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Garrincha entra em campo com a camisa do Flamengo em 1968 — Foto: Arquivo
Não há nos arquivos históricos do país alguém capaz de falar algo negativo de Garrincha. Seu lado lúdico e sua habilidade com a bola nos pés sempre ficaram acima dos problemas com a bebida e a dificuldade em se enquadrar em um comportamento minimamente profissional para os padrões da época.
Foi assim também na sua passagem pelo Flamengo, de apenas 19 jogos, sendo 14 amistosos, e quatro gols. Ela terminou com uma atuação de apenas 11 minutos na vitória por 1 a 0 sobre o Campo Grande, na Gávea, no dia 12 de abril de 1969.
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Ficha de Garrincha no Flamengo — Foto: Reprodução
Foi a véspera da maior tragédia da vida de Garrincha. No dia seguinte ao jogo, pegou seu carro e foi para Pau Grande, terra natal do jogador, com dona Rosária, mãe de Elza Soares, e a filha adotiva Sara. Na volta, bateu em um caminhão. Rosária morreu, e ele jamais apareceu para seguir sua carreira com a camisa do Flamengo.
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Manchete da morte da mãe de Elza Soares — Foto: Reprodução/O Globo
Antes do fim trágico, Garrincha chegou ao Flamengo no fim de 1968 graças ao pedido de um grupo ao então técnico Valter Miraglia. Paulo Henrique, Carlinhos, Murilo e Silva o convenceram a dar uma chance ao jogador, então no Corinthians.
Na conversa com a comissão técnica do Flamengo, a exigência foi manter distância da bebida para recuperar sua forma, e José Roberto Francalacci, preparador físico responsável pela evolução de Zico, prometeu que o objetivo seria alcançado. O médico Paulo Carlage também colaborou para controlar as dores nos joelhos.
- Lembro muito pouco. Eu estava lá e via alguns treinos dele. Assim mesmo porque, quando ele chegou, o Francalacci cuidou dele, fez um trabalho específico para que pudesse jogar alguns jogos. Vi batendo falta, batia como poucos e metia a bola onde queria. Mas foi pouco contato, passou pouco tempo lá. Treinávamos em horários diferentes, mas algumas vezes nas quais fui fazer algum trabalho com o Francalacci, ele estava lá e aí conversamos, e assisti a alguns treinos - disse Zico.
Garrincha chegou ao Flamengo em 21 de setembro de 1968, segundo o livro "Estrela Solitária", de Ruy Castro. Levou tempo para fazer sua estreia, que aconteceu em um clássico com o Vasco no dia 30 de novembro do mesmo ano. O jornal "O Globo" da época trata a sua atuação como o renascimento do craque campeão do mundo em 1958 e 1962. Ele ficou em campo apenas no primeiro tempo, vítima das entradas mais duras do lateral Eberval. Depois de sua saída, o time acabou sendo derrotado por 2 a 0, mas as manchetes se voltavam para o que Mane havia feito em campo.
Números de Garrincha pelo Flamengo
Estatística | Total | Amistosos | Carioca | Robertão |
Jogos | 19 | 14 | 4 | 1 |
Gols | 4 | 4 | 0 | 0 |
Vitórias | 11 | 8 | 3 | 0 |
Empates | 4 | 3 | 1 | 0 |
Derrotas | 4 | 3 | 0 | 1 |
- No Flamengo x Vasco, nos revoltamos o o lateral. Deu uma entrada muito forte no Garrincha, quase quebrou ele. Foi um bate boca danado. O Garrincha levantou a torcida com duas jogadas que fez. Estava tentando se reerguer, voltar a ser o Garrincha - contou Paulo Henrique.
No vestiário, Garrincha demonstrou sua satisfação por vestir a camisa do Flamengo, seu clube de coração na infância. O jornal "O Globo" reproduziu uma declaração do jogador depois da derrota para o Vasco em sua estreia.
- Vivi momentos de rara felicidade na minha vida de jogador. Não liguei às entradas violentas porque sempre fui marcado assim. O único que me marcava lealmente era o Jordan. Flamengo de coração e desde garotinha, só hoje tive o prazer de vestir a camisa rubro-negra e foi uma emoção quando entrei aplaudido pela grande torcida. Lamento que tenha torcido o tornozelo e que só tenha podido atuar um tempo, quando meu desejo era jogar os 90 minutos. Mas o importante era voltar e agora vou continuar - afirmou Garrincha.
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Caderno de Esportes de "O Globo" sobre a estreia de Garrincha pelo Flamengo — Foto: Reprodução/O Globo
Depois desse jogo, o último do Flamengo no Torneio Roberto Gomes Pedrosa de 1968, o clube investiu em uma série de amistosos para aproveitar a presença de Garrincha. O time passou pelo Suriname, Manaus, Belém e Natal. Francalacci trabalhou como vigia do jogador, com quem dividiu o quarto nas excursões. Mas Mané sabia driblar. Começou a sair da dieta e passou a aumentar a quantidade de bebida. Segundo o livro Ruy Castro, chegou a ter uma gonorreia durante o período.
O lampejo na estreia contra o Vasco, diante de mais de 80 mil pessoas, pareceu ser o último desejo da carreira de Garrincha. Na volta ao Rio depois da excursão, sob o comando de Tim, que havia assumido o cargo antes da viagem para o Suriname em janeiro, atuou em apenas quatro jogos pelo Campeonato Carioca e passou em branco. O último deles no dia 12 de abril de 1969, contra o Campo Grande, quando ficou em campo apenas 11 minutos. Seus gols saíram apenas em amistosos.
- Já éramos amigos quando ele jogava no Botafogo. Eu o marcava, levava de volta para a Elza. Ela me pedia para acompanhar. Um cara bacana, fora de série, uma pessoa pura. A gente saía junto para pescar, para caçar. Ele teve uma satisfação muito grande em vestir a camisa do Flamengo, apesar de ter sido ídolo do Botafogo, ídolo do povo - comentou Paulo Henrique.
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Reportagem sobre o último jogo de Garrincha pelo Flamengo — Foto: Reprodução/O Globo
A melancolia que havia tomado conta de sua vida nos campos também era recorrente fora dele. Problemas de dinheiro na relação com Elza Soares viraram rotina. Precisou até se mudar por isso. Nem mesmo a vigilância dos amigos, como Paulo Henrique e de Francalacci, foi capaz de segurá-lo. Até culminar no acidente fatal com dona Rosária.
Sem sucesso, dirigentes do Flamengo foram atrás de Garrincha, que negou ter bebido antes de dirigir e foi acuado de homicídio culposo, assim como o motorista do caminhão. Precisou de um curativo na testa depois do acidente. No local, uma cicatriz que carregou até o fim da vida. Seu contrato com o clube terminaria apenas no dia 31 de junho de 1969, mas sua história ali já havia encerrado.
- Todos os jogadores ficaram tristes. Todo mundo gostava muito dele. Uma pessoa pura. Fizemos de tudo, mas não teve jeito. Depois disso, caiu de vez - disse Paulo Henrique.
Ficha do último jogo de Garrincha
Flamengo 1 x 0 Campo Grande
Local:
Gávea
Data:
12 de abril de 1969
Público pagante:
5.449
Árbitro:
José Aldo Pereira
Gol:
Dionísio, aos 38 minutos do primeiro tempo
Expulsões:
Gil e Jairo.
Escalações
Flamengo:
Dominguez, Murilo, Jaime, Onça e Paulo Henrique; Carlinhos, Liminha e Luís Henrique (Luís Cláudio); Garrincha (Zélio), Dionísio e Rodrigues.
Campo Grande:
Helinho, Zezinho, Biluca, Geneci e Almir; Adilson e Alves; Clair, Gil, Dionísio (Valmir) e Jairo.
— Foto: Divulgação