É irônico que o Flamengo tenha sido forçado a disputar os minutos mais valiosos de sua temporada torcendo para que um jogador com quem ninguém mais contava – nem os dirigentes, nem a comissão técnica – resgatasse sua mágica decisiva para salvar o ano. Quando Gabriel Barbosa foi a campo no estádio Campeón del Siglo, no minuto 59 do empate com o Peñarol , seus gols em jornadas saudosas de Copa Libertadores eram os únicos motivos para crer numa classificação para as semifinais.

É simbólico, mas não surpreendente, que a ideia não tenha produzido um final diferente do 0 x 0 que levou o público uruguaio a uma festa capaz de convencer um desavisado de que se tratava da conquista de um troféu. Ao longo de 2024, o Flamengo com Gabriel frequentemente foi pior do que sem ele, seja porque Tite prefere o time com Pedro, seja porque as oportunidades ocasionais dadas ao herói de Lima não foram aproveitadas. Por que, no momento em que a pressão por ao menos um gol atingiu seu nível máximo e a equipe perdeu organização, a simples presença de Gabigol resolveria o problema?

Uma análise justa do que deu errado para o Flamengo em mais uma temporada frustrante precisa considerar não só a quantidade de lesões, mas os nomes dos jogadores perdidos. No caso do ataque, as três principais peças – Pedro, Cebolinha e Luiz Araújo - não estavam disponíveis, uma onda suficientemente devastadora para dobrar as pernas do clube economicamente mais poderoso do continente. Contudo, o apelo a Gabriel após dois terços de um jogo em que o domínio do Flamengo foi tão claro como inócuo revela os defeitos de um time que, de maneira geral, teve um desempenho insuficiente na temporada, o que impõe uma leitura crítica sobre a atuação da comissão técnica.

A eliminação na Libertadores levou especialistas em montagem de equipes à distância – na mídia tradicional e na mídia mezzo tradicional, mezzo porta-voz de torcida – a usar termos como “inadmissível”, como se esse não fosse um clube em que até mesmo quem conseguiu construir um time e erguer taças foi dispensado porque o “estilo” não agradava. Tite claramente não conseguiu e, ainda que possa ganhar algo, será mais um a passar pela fábrica de degradação de treinadores instalada no Ninho do Urubu desde que lá esteve um senhor chamado Jorge Jesus.

A cada ano mal aproveitado – nem mesmo 2019 foi um bom exemplo, pois Jesus chegou com a temporada em andamento –, fica mais evidente que a grande obra do treinador português foi fazer, com autoridade, do departamento de futebol seu território particular e estabelecer um relacionamento exigente, rígido, com os jogadores. Operar numa era de bonança, conquistas e mínima paciência é tarefa extremamente complexa, em especial quando não há projeto esportivo num ambiente em que a política prevalece. Tite parecia ter tamanho para se impor diante desse animal indócil e superar até as óbvias diferenças entre o tipo de futebol que caracteriza sua carreira e o que os Maracanãs – o Mário Filho e as redes – desejam ver. Também não foi capaz.

Enquanto resolve se a demissão de mais um técnico pode ser uma carta influente no contexto eleitoral, o Flamengo precisa responder a si próprio uma questão: por que, com tanta estrutura, tantos recursos e tantos craques, não é capaz de dar a nenhum treinador uma temporada completa?