Muita gente têm me perguntado nos últimos dias o que penso de Memphis Depay , cujo nome está sendo envolvido em possível negociação com o Corinthians e o Flamengo , os dois clubes mais populares do Brasil. Por eu ser assumidamente um torcedor da seleção da Holanda , colegas de profissão e fãs de esporte esperam logo minha avaliação sobre o camisa 10 da "Laranja Mecânic"a. E as minhas respostas têm gerado alguma polêmica, pois não tenho mostrado a empolgação que alguns esperam.
Primeiro, quero dizer que curtiria sim a vinda de Memphis (ele prefere ser chamado assim por causa de treta com o pai biológico) ao futebol brasileiro, assim como aprovo a chegada de vários atletas estrangeiros de bom nível, como Suárez, Payet, Borré, Almada, Bolasie, De La Cruz, Aníbal Moreno e por aí vai. Eu fui até uma rara voz que defendeu a chegada de James Rodríguez ao São Paulo quase até o fim da passagem do talentoso meia que pouco se entrega aos clubes aqui pelo futebol brasileiro.
Acho que o Campeonato Brasileiro e nosso produto fica bem mais atraente com atletas mais técnicos e com maior repercussão internacional. Faz muito bem para o futebol nacional atrair mais atenção, virar uma vitrine maior e melhor, consolidar uma posição de uma das melhores ligas fora da Europa. Memphis não é o craque que muita gente acha que ele é, mas tem sim mercado, marketing , mídia, possui seu valor.
Assim como qualquer pessoa que torce e sofre pela seleção da Holanda, eu depositava muita confiança em Memphis com a camisa laranja, sobretudo nos principais jogos e torneios. Pegando os números dele, sua história defendendo seu país é bem boa. Faltam apenas quatro gols para ele igualar Van Persie como o maior artilheiro da Holanda em todos os tempos. Como se joga muito mais hoje do que no passado, Memphis deixou para trás muitos nomes lendários, como Cruyff, Van Basten e Bergkamp, para ficar apenas em alguns dos verdadeiramente craques holandeses.
Só que o nome de Memphis não cabe na mesma frase nem de Van Persie, muito mais letal e decisivo, tanto que quase ajudou a Holanda a ganhar as Copas de 2010 e 2014, anotando gols antológicos e encantando não só os torcedores laranjas. A média de gols de Memphis pela Holanda é 0,47 , inferior à média de um centroavante que tinha fama de ser ruim: eu mesmo chamei muitas vezes Huntelaar de "Ruimtelaar". Esse 9 mais raiz fez 42 gols pela Holanda e é o 3º maior artilheiro da história da equipe, o que não o torna um jogador melhor. Tratava-se mais de um oportunista, um fazedor de gols com mais qualidade do que Weghorst, o centroavantão que tem salvado a Laranja com gols nos finais de jogos de Copa do Mundo e também da Eurocopa.
Claro que Memphis é muito mais jogador que esses dois outros homens de frente que eu citei. Tecnicamente, não há dúvida de que o jogador revelado pelo PSV e que rodou por Manchester United, Lyon, Barcelona e Atlético de Madri é acima da média. Memphis pode armar um time, tabelar, fazer triangulações, gerar jogo não só como um cara de área. Tanto que muitas vezes a Holanda teve dificuldade no ataque com ele como referência mais "sozinho" e, em muitas oportunidades, ele ajudou mais tendo um outro companheiro fazendo a parede e brigando mais com defensores adversários.
Memphis não costuma lutar muito em campo, parece ser em alguns momentos até displicente, não enxergo nele competitividade. Possui de fato um grande talento e é capaz de realizar jogadas de efeito, mas nem sempre traduz isso em produtividade real para seus times. Por isso talvez ele rodou bastante por clubes e frequentou tantas vezes o banco de reservas.
Na Holanda, ele ganha em importância porque, infelizmente, a última geração laranja não é das melhores. O craque mesmo da equipe é um zagueiro: o capitão Van Dijk. Na frente, o cara que deveria resolver e liderar o time é justamente Memphis, que estreou em 2013 ainda pela seleção principal da Holanda (inclusive em 2014 ele fez o gol em Itaquera que selou a vitória por 2 a 0 sobre o Chile na fase de grupos daquela Copa do Mundo do Brasil).
Bastante suscetível a lesões, Memphis parece às vezes estar se poupando em campo, não costuma entrar em divididas, gosta da bola no pé e muitas vezes a desperdiça com sua frieza e passividade. No vestiário holandês, ele é uma referência mais ou menos como Neymar é na seleção brasileira. Só que o "Menino Ney" é um fora de série desde garoto, o planeta sabe que ele é um Craque com C maiúsculo, um jogador que pode desequilibrar a qualquer hora. Muitas das críticas ao Neymar são pelo extracampo, pois o talento absurdo dele é inegável e ele deixou isso claro durante quase toda a carreira.
Memphis também tem um extracampo forte, pois se dedica bastante à vida musical. A Holanda é um país que destaca muitos DJs, alguns dos mais famosos do mundo, e Memphis já tem uma carreira consolidade na cena cultural de seu país. Não vai parar de produzir fora de campo se jogar aqui no Brasil, o que talvez significaria o fim de sua história na seleção laranja.
O técnico da Holanda, o ex-zagueiraço Ronald Koeman , não chamou Memphis para os jogos da Uefa Nations League deste mês de setembro (Bósnia e Herzegovina e Alemanha) aparentemente porque o camisa 10 da Eurocopa não tem um clube há cerca de três meses. Mas sua ausência já aponta para um fim de ciclo, ele não parece mais ser indispensável na equipe laranja, mesmo ela tendo poucas reservas técnicas atualmente.
Koeman avisou já publicamente que a era de Bergwijn na seleção acabou porque ele trocou o Ajax pelo Al Ittihad, da Arábia Saudita. Segundo o treinador holandês, ele optou pelo dinheiro em detrimento da ambição esportiva ao escolher uma liga periférica. Talvez o mesmo raciocínio valesse para o Brasil, caso Memphis venha a aceitar um dia propostas de Corinthians e Flamengo.
Claro que Memphis tem a motivação de continuar defendendo a camisa da Holanda para virar o maior artilheiro da história de seu país. Como costuma bater pênaltis (já errou vários), não demoraria muito tempo para superar Van Persie no topo da tabela dos goleadores. Será que, diante disso, ele toparia cruzar o Oceano Atlântico para se "esconder" aqui na América do Sul?
Seedorf foi um destaque holandês no nosso futebol, mas ele tinha ligações familiares até com nosso país e com o Botafogo , mais especialmente. Desfilou seu talento com a camisa alvinegra e se destacou também falando em alguns programas e mostrando todo seu conhecimento sobre o esporte.
Seedorf e Memphis jogam em posições diferentes e também têm tamanhos diferentes para mim. O primeiro teve enorme sucesso em clubes na Holanda e fora dela. Na seleção, não correspondeu tanto como muitos esperavam, mas a concorrência era maior naquela época para ele e as responsabilidades dele também eram menores que a de Memphis nos últimos 10 anos. Se o Seedorf liderou de verdade o Botafogo, não fugindo desse nobre posto de capitão, não sei se Memphis chegaria para ser o cara de fato em campo de um Flamengo (cujo elenco é o mais robusto do continente) ou de um Corinthians (que tem dificuldades claras no comando do ataque hoje em dia).
Certamente, ele faria alguns belos gols, mas definitivamente não ganharia a torcida pela sua disposição e entrega. E é bom lembrar que a torcida do Corinthians, em especial, não aprecia muito jogador que não se doa tanto pelo time (a experiência com Alexandre Pato, que sempre teve boa técnica e que não vingou como se esperava, ainda está na mente de muitos corintianos de forma negativa, pois um investimento alto virou um mico).
Memphis é vendido como craque pela Nike , mas isso me parece mais coisa para holandês ver. Em terra de cego, quem tem um olho é rei. Na atual geração holandesa, quem tem uma boa técnica já pinta como dono da turma. Mas Memphis nunca me convenceu por completo e já ouvi relatos de que ele não é bem um cara de grupo, tem por vezes rompantes de estrelismo (não vou revelar aqui a excelente fonte dessa informação).
Pode ser que o camisa 10 da Holanda (voltará a ser?) cale minha boca e vire aqui um ídolo eterno de um clube brasileiro, afinal ele tem ainda "apenas" 30 anos. Mas eu continuo sem confiar nesse "craque" holandês entre aspas. Torci muito por ele de verdade, do fundo do meu coração laranja, e me decepcionei bastante...
Boa sorte para ele em seu futuro clube (não tenho nada pessoal contra o cara) e boa sorte para os torcedores do Memphis a partir de agora. Também por causa de Memphis, tenho sido um sofredor, e não vou cantar graças a Deus por isso. Sou um torcedor holandês machucado com mágoa no peito.