Minutos após o Flamengo conquistar a extinta Copa dos Campeões, numa noite quente de julho de 2001, em Maceió (AL), um palco foi montado no gramado do estádio Rei Pelé. A estrutura tinha uma passarela que levava ao local, mais alto, onde seriam entregues as medalhas e o troféu. A premiação estava para começar quando o então presidente rubro-negro, Edmundo dos Santos Silva, começou a subir a rampa pré-moldada para se aproximar dos jogadores. O que se viu a seguir foi uma cena digna de filme.

Silva estava acompanhado - o termo ‘escoltado’ é mais apropriado - por dois seguranças enormes, vestidos com o uniforme de viagem do Flamengo, que andavam à frente dele e impediam que qualquer pessoa se aproximasse. Naquele momento, não havia ninguém interessado em abordá-lo para cumprimentos ou um pedido de autógrafo; eram homens contratados para garantir que só atletas e comissões técnicas subissem ao palco. Eles não tiveram a mínima chance contra a quantidade de massa e músculos que limpava o caminho do dirigente até o destino desejado.

Silva não parou em nenhum momento, nem mesmo diminuiu o passo. Seus seguranças funcionaram como escudos que repeliam qualquer obstáculo, enquanto ele gesticulava e ordenava que saíssem da frente. Pense num quarterback da NFL protegido por sua linha ofensiva. Ou num general romano cercado de legionários. Em pouco tempo, o cartola sorria no palco, bem perto do troféu, após deixar uma fila de egos feridos e explicações não dadas.

Edmundo dos Santos Silva viria a se tornar o primeiro presidente do Flamengo a sofrer um processo de impeachment no clube, por improbidade administrativa. O afastamento aconteceu em 2002. No ano seguinte, foi preso durante uma investigação de fraude contra a Receita Federal e o INSS, processo mais tarde anulado. Não se sabe o paradeiro dos dois armários que trataram uma dezena de homens como se fossem moscas naquela noite no Rei Pelé, mas o comportamento da figura que caminhava atrás deles segue como o padrão do dirigente de futebol brasileiro médio.

O exemplo mais recente desse modo de operar se deu no domingo passado (12), quando Alessandro Nunes, gerente de futebol do Corinthians , decidiu protestar contra a arbitragem no intervalo do jogo de seu clube contra o Grêmio , em Porto Alegre. Alessandro tentou invadir uma sala do estádio gremista onde ele, aparentemente, imaginava que a equipe de VAR estava trabalhando. No local, porém, só havia equipamentos, uma vez que a central que comanda a arbitragem eletrônica nas competições da CBF fica na sede da entidade, no Rio de Janeiro.

Durante sua tentativa absolutamente malsucedida - além de não haver ninguém na sala, a porta estava trancada -, Alessandro estava acompanhado por pelo menos três seguranças do Corinthians, talvez prevendo um embate com funcionários da Arena do Grêmio. Flagrado por um repórter de rádio que gravava as cenas com seu telefone celular, o gerente corintiano disse “tira esse cara daqui!” quando percebeu que a coisa terminaria mal. Como sempre acontece em situações dessa natureza, já era tarde. O repórter reagiu de forma corajosa à intimidação dos asseclas de Alessandro e continuou gravando as imagens que, em minutos, seriam de conhecimento público.

A bem da verdade, é necessário registrar que Alessandro reconheceu que não teve um comportamento decente e que não deveria nem mesmo estar ali, mas não foi capaz de perceber que, embora o corredor onde tudo se passou também não seja uma área em que a presença de jornalistas é permitida, o repórter que o flagrou cumpria sua obrigação. É uma pena que ninguém lhe tenha perguntado de onde ele pensa que se origina o direito de mandar seguranças particulares removerem um profissional de imprensa que estava trabalhando.

Há outras questões que cabem e podem ajudar a compreender a conduta de cartolas que se imaginam pessoas tão especiais que, por algum motivo, precisam estar permanentemente sob proteção. Dirigentes de futebol no Brasil, em regra, se locomovem e agem como mafiosos, dando ordens, onde quer que estejam, com um senso de autoridade que simplesmente não existe.