Tite foi o oitavo treinador demitido por Rodolfo Landim em seis anos de gestão. É natural que um dirigente dado a esse hábito tenha dificuldade de encontrar explicações para suas decisões. Sobre a última, a diretoria do Flamengo deseja que as pessoas acreditem que a gota d’água foi o estado emocional de Tite, muito abatido nas últimas semanas. Quando há pouco apreço pela verdade e um sem-número de serviçais permanentemente dispostos a trocá-la por acesso, esse tipo de “versão dos fatos” ganha tração sem que os responsáveis – os que as criam e os que as propagam – fiquem com vergonha.

É natural, também, que os canais de desinformação das atualidades rubro-negras estejam em acelerada campanha para apresentar mais um ex-treinador como alguém incapaz de conduzir o time a seus objetivos. Assim se deu com todos que se aventuraram após Jorge Jesus desistir de cumprir seu contrato, dos cadáveres ambulantes que deram treinos até o fim da semana quando já estavam demitidos aos que foram dispensados durante a madrugada. O método da gestão que opera o orçamento mais vultoso do futebol sul-americano, e trabalha para a maior torcida do país, é sempre contratar “o melhor treinador” para o Flamengo e, em meses, mudar de ideia. Alguém poderá argumentar, com razão, que não se trata de um método, mas da falta de um.

O próximo é Filipe Luís, exemplo de profissional impecável e uma pessoa rara no ambiente do futebol. A combinação de sua convicção em se tornar treinador com as influências que absorveu de misters de primeiro nível aumenta exponencialmente sua chance de sucesso na segunda carreira. Hoje, porém, o que se pode dizer é que ele tem muito futuro. O conhecimento do clube e a admiração do torcedor também são excelentes pontos de partida, assim como sua suposta – pois precisa ser vista em execução – predileção pelo tipo de futebol, digamos, generoso que o público rubro-negro quer ver. É muito improvável que Filipe não seja um treinador de elite, talvez até mesmo na primeira divisão do futebol mundial. O problema está em exigir esse nível de trabalho em sua primeira experiência.

Um de seus desafios será alterar a relação com seus irmãos da “classe de 2019”, que agora estão às suas ordens e sujeitos às insatisfações que caracterizam a rotina de comandante e comandados. Nesta página do livro dos treinadores, servirá a Filipe escolher o estilo de liderar de Jesus, linha dura a ponto de deixar no Ninho do Urubu a dúvida se sua continuidade seria produtiva para as ambições do clube. Além da diferença óbvia no fato de Jesus não ser ex-companheiro de figuras como Gerson, De Arrascaeta, Bruno Henrique e Gabriel Barbosa, esses jogadores ainda não tinham sido erguidos ao posto de ídolos e representantes de uma era de troféus, o que torna a missão de Filipe um projeto ainda mais complexo.

Como autêntico devorador de informações desde o grupo de estudos futebolísticos do qual era membro quando ainda jogava, Filipe Luís não se engana ao se sentir preparado para dirigir o Flamengo. O clube é sua casa, os jogadores eram seus parceiros, os dirigentes foram seus superiores. Especialmente em relação aos últimos, já é um currículo que o coloca em vantagem sobre seus antecessores, que foram apresentados a Landim no momento em que chegaram, mas só o conheceram quando saíram.