Onde tem Rodinei tem emoção

Antes desse Flamengo 2 x 1 Internacional decisivo, eu já avisava aqui na semana retrasada que o Inter poderia ter problemas de ordem racional para levar a taça , já que o título implicaria em um Rodinei bicampeão brasileiro. Se realmente essa teoria de impossibilidade lógica for verdadeira, é bom lembrar que as barreiras da lógica são intransponíveis.

É como tentar atravessar uma parede. Por mais que você treine, se planeje ou tenha pensamento positivo, as moléculas cumprirão sua incansável missão e seu corpo se chocará contra o cimento e voltará para onde estava. O Santos sentiu isso literalmente na pele em seu ambicioso projeto de Pará tricampeão da Libertadores : simplesmente não é possível.

Entretanto, ainda não temos certeza se essa teoria é verdadeira. Há ainda mais uma rodada antes da verdade ser revelada, por mais desagradável que ela seja — e a verdade é invariavelmente desagradável. Seja como for, Rodinei, atleta emprestado do Flamengo ao Colorado, já vinha sendo o personagem do jogo desde o meio de semana, quando um excêntrico barão da soja pagou a milionária multa contratual para que ele entrasse em campo. Restava saber se o magnata era torcedor do Flamengo ou do Internacional, e o jogo demonstrou que muitas suspeitas estavam corretas: era rubro-negro.

Ou seria ele simplesmente um amante das emoções futebolísticas, que sabe, assim como a maioria de nós, que onde tem Rodinei tem emoção? Afinal, foi Rodinei quem abriu caminho para o gol de Arrascaeta, foi Rodinei quem meteu uma bola no travessão e foi Rodinei quem teve a ousadia de abrir ainda mais espaços no segundo tempo, sendo expulso após falta em Filipe Luís. Para o torcedor colorado, fica o lamento: a cláusula no contrato de empréstimo era a preciosa chance do Inter não escalar o atleta. Tão perto, tão longe.

Onde tem Gustavo Henrique tem gol

Por outro lado, se onde tem Rodinei tem emoção, onde tem Gustavo Henrique tem gol — e normalmente sem emoção nenhuma. O Flamengo já teve muitos zagueiros ruins e espalhafatosos em sua história, como, mais recentemente, Erazo, Weliton e Wallace (o zagueiro que lia livros), ou mesmo a lenda Júnior Baiano, que alternava harmônica (e espalhafatosamente) magia com desastre (normalmente apenas desastre). Mas nenhum tinha o poder da destruição silenciosa de Gustavo Henrique.

Casagrande em 1993, quando defendeu o Flamengo juntamente com o zagueiro Júnior Baiano - Jorge Araújo/Folhapress - Jorge Araújo/Folhapress
Júnior Baiano em ação: o balé do desastre
Imagem: Jorge Araújo/Folhapress

O que o torna tão letal é justamente que suas lambanças são discretas, quase elegantes. Quietinho ali, beirando a graciosidade, ele vai prejudicando a equipe sempre que tem a oportunidade, sem chamar a atenção, e quando você se dá por si o campeonato já foi perdido. Ontem se não fosse o supracitado destaque da semana, o latifundiário de soja milionário misterioso, poderíamos dizer que seria um desses casos. Mas o caso foi outro caso, o caso foi que o dinheiro provindo de uma cultura de latifúndio visando exportação de transgênicos pode ter tirado o título do Internacional. Mas sabemos muito bem que na última rodada o caso pode voltar a ser outro caso. Ou mesmo o caso que já era antes.

A bem da verdade é que um vice-campeonato não significaria um mau trabalho no Beira-Rio, muito menos algo fora do planejado: pouca gente se lembra, mas em 88, quando o Bahia foi campeão brasileiro em cima do clube, o técnico colorado era o próprio Abel, portanto um profissional totalmente capacitado a levar o clube a mais um vice. E se isso acontecer, o Flamengo se sagrará campeão liderando somente a partir da penúltima rodada, como um estudante que estuda apenas os minutos indispensáveis para passar numa prova, passando o resto do tempo dormindo — ou empatando com o Bragantino.

Mas apesar do nome da partida e talvez do campeonato como um todo ter sido sem dúvida a soja, esse delicioso alimento modificado geneticamente, o eleito "Craque do Jogo" foi o uruguaio Arrascaeta, que levou para casa o tradicional troféu representado por um campo pela metade desabado para o lado com uma arroba no meio, intitulado pelo artista que o projetou de "campo pela metade desabado para o lado com uma arroba no meio." Belíssimo.

Enquanto isso, na zona de rebaixamento

O Vasco , para escapar da Segunda Divisão, só precisa agora de uma vitória simples por 12 gols de diferença na última rodada. Para quem sonhou com o título nas primeiras rodadas no ritmo do Ramonismo, não parece algo muito absurdo para a já abalada e perturbada razão cruz-maltina.

Enquanto isso, na Liga dos Campeões

Não muito distante da realidade de São Januário, o Barcelona segue apanhando na Champions . Parece que Messi descobriu o caminho mais curto para calar os críticos que diziam que ele não rendia o mesmo na seleção que rendia no Barça. Mas, ainda assim, fica a saudade da época de ouro que Lionel já entrava em campo vomitando em seus adversários.

05.mar.2014 - Messi passa mal e vomita em campo durante amistoso entre Argentina e Romênia - Reprodução/Twitter - Reprodução/Twitter
Um jovem Messi vomita num jogo: hoje mais maduro, o argentino já entra em campo vomitado
Imagem: Reprodução/Twitter

Essa coluna não reflete nem minhas próprias opiniões. Escrevo enquanto discordo veementemente de minhas próprias palavras.

Craque Daniel é apresentador do Falha de Cobertura, (supostamente) ex-jogador, empresário de atletas e inocentado de todas as acusações feitas contra ele.

(Personagem interpretado por Daniel Furlan, um dos criadores da TV Quase, que exibe na internet o Falha de Cobertura e Choque de Cultura.)

Imagem: Thiago Ribeiro/AGIF

Fonte: Uol