'O resultado do futebol se verá no longo prazo', diz Bandeira

Com sucessivos resultados financeiros de destaque em seu segundo mandato, o presidente do Flamengo Eduardo Bandeira de Mello se aproxima de deixar o clube e seguir carreira política. Entretanto, garante que não vai deixar o cargo antes do fim do ano, quando haverá eleição presidencial na Gávea. Antes do empate com o Vasco, o mandatário conversou com O GLOBO e confirmou que vai apoiar uma chapa de situação e falou sobre a fogueira de vaidades com a qual convive sem abrir mão de sua filosofia.

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CONFIRA A ENTREVISTA:

A sua gestão vai entrar para a história como a que pôs o clube nos trilhos. O próximo presidente terá expectativas muito maiores?

Tem que ser assim. Se a gente vai bem, faz uma base a partir da qual se tem todas as condições de trabalhar. Natural que a cobrança seja grande, estamos falando de Flamengo. Quando eu assumi com terra arrasada, não se esperava que a gente chegasse onde chegou. Mas chegou e tem que melhorar. O meu sucessor terá condições de botar o Flamengo em um patamar mais elevado.

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Entre entrar para a história como o maior resultado administrativo ou o bi da Libertadores, qual o senhor preferiria?

Escolheria o bi da Libertadores, mas jamais a gente conseguiria isso de maneira não acidental se não fosse com o trabalho de estrutura e solidez financeira, recuperação da credibilidade. Poderia acontecer de ser bi da Libertadores em um voo da galinha, tudo dá certo, chega lá, depois despenca, porque não consegue pagar os jogadores, renovar com o ténico campeão. Com certeza eu jamais arriscaria o voo da galinha para ganhar o bi da Libertadores e ser rebaixado no ano seguinte. Eu, como torcedor, quero ser campeão todo ano, mas para isso você tem que fazer um dever de casa que envolve sacrifícios.

Em algum momento o senhor sentiu que precisava tomar o futebol para si para implementar a filosofia? Os relatos são que nesse segundo mandato o senhor esteve mais isolado, isso foi pensado?

Todos os vice-presidentes têm autonomia relativa. A responsabilidade é sempre minha. Vale em todas as áreas. Teve época em que eu acumulei a vice-presidência de futebol. Cheguei a consultar alguns vices, mas não tinham condições de assumir, achei que era melhor eu ficar ali até eu encontrar um vice-presidente que fosse a minha cara, que pudesse tocar aquilo do jeito que a gente estava acostumado, mas é claro que todo mundo gosta de dar palpite.

O Conselho Diretor está atuante?

Ele opera no campo estratégico, as grandes linhas são dadas, depois cobra. Eu participo disso, poderia até lançar o argumento do regime presidencialista, mas entendo e respeito. Isso não significa que o conselho diretor vai decidir assuntos de dia a dia. Vale pra o futebol.

Seu isolamento foi maior ainda nas mudanças, como nas saídas de Zé Ricardo e do Rodrigo Caetano. Muitos no clube diziam que não deram resultado. Concorda?

O resultado do futebol vai se ver no longo prazo, não é tomar uma medida aqui para ver ali o resultado. Houve um massacre, mas não acuso meu Conselho Diretor. As decisões são tomadas dentro de cada área, no caso do futebol eu, (o vice) Lomba e os profissionais. O massacre vem de parte da imprensa, redes sociais. Enquanto o profissional desempenha bem seu trabalho apesar do massacre, não tem motivo para sair. A partir do momento em que começa a prejudicar o trabalho, tem que tomar uma atitude. Aí você lamenta, saberia que o profissional iria além daquilo, e infelizmente foi o que aconteceu nos dois casos. Mas não acho que o Conselho Diretor massacrou alguém.

A filosofia sempre se manteve apesar das mudanças?

Foi mantido. Tudo que a gente conseguiu em excelência em performance, inteligência em mercado, uma comissão permanente guardiã dos princípios do clube para o futebol. Saiu o Caetano e entrou o Noval, o resto continua desenhado. Se amanhã vem outro treinador, a comissão vai continuar e dar apoio. Se vier um novo coordenador, idem. No próprio Flamengo, no passado, aconteceu de um treinador trazer uma trupe enorme e mudar totalmente o rumo do que estava fazendo. A partir do momento que a gente implantou essa filosofia, do final do primeiro mandato para o segundo, isso tem sido mantido, e esperamos que seja por muito tempo.

Há no horizonte da sucessão alguém que o senhor vai apoiar?

Sim. Vai ser formada uma chapa de situação que eu vou apoiar, que vai seguir nossos valores. Tanto na área de responsabilidade, credibilidade, e também relações externas, para evoluir na melhoria da estrutura arcaica de poder do futebol brasileiro.

Apoiaria o Rodolfo Landim?

Tive uma conversa, mas ele é candidato de oposição ainda.

Não há alinhamento entre os grupos da antiga Chapa Azul (a que elegeu Bandeira em 2012)?

No grupo dele tem pessoas que me hostilizam abertamente. Não posso apoiar uma chapa que tem pessoas que dizem que saíram do Flamengo para não me dar um tapa na cara, que me chamam de traidor.

O senhor esteve na CBF depois da eleição do Rogério Caboclo? Como tem sido?

O Flamengo não votou nele por razões de coerência com o que a gente entendia que deveria ser um processo de eleição da CBF. Eu acompanhei o processo de implantação do Profut e tenho certeza de que, quando se colocou lá que os clubes teriam peso maior, isso incluía os clubes participarem das Assembléias Administrativas, e, por consequência, jamais seria permitido aquilo dos pesos diferenciados. Que é o que faz hoje com que 20 federações com pouca dinâmica no futebol elejam o presidente da CBF. Eu fui contra porque sei que o espírito legislador não foi esse. Em assembléia com os clubes paulistas, todos entenderam que os clubes teriam que participar das assembléias administrativas. Eu não participei da eleição agora por coerência. Mas não tenho nada contra o Rogério Cabolco. Acho ele um bom executivo. Isso que falam que ele é um cara austero, segura grana, para mim é virtude. Reconhjeço que houve avanços em transparência, governança, até pela exigência de patrocinadores. Fazem um trabalho bom na área de sustentabilidade.

Hoje um movimento como a Primeira Liga não seria mais necessário?

Foi um movimento que visou encontrar alternativa para os estaduais, mas não era um movimento de protesto contra a CBF.

Para alguns clubes era...

Mas aí cada um tem seu objetivo. O do Flamengo era encontrar alternativa para o Estadual. Estávamos rompidos com a Federação naquela época. Ainda somos extremamente críticos, só a questão pessoal foi resolvida. Mas o fato de eu reconhecer que existem avanços na administração da CBF não significa dizer que está tudo bem. Porque ela é um sistema que envolve 27 federações, das quais a maioria está no século retrasado, longe de conseguir qualquer tipo de avanço. Tem umas três ou quatro que têm padrões de governança melhores, mas não se pode dizer que a CBF vai muito bem. Porque a CBF é a CBF mais 27 federações. Outros países têm uma federação nacional. No Brasil, a estrutura de poder está na mão das federações estaduais. Tentamos mudar no Profut. Ainda está preso àquela limitação que começou lá atrás no governo militar. Instituíram o voto único, que foi cristalizado na Lei Pelé, que se coloca que a relação do clube com mais voto para o que tem menos voto tem que ser no máximo um para seis. Se juntar clube do Piscinão de Ramos, Colônia Juliano Moreira, Lagartixa Azul, mais três, dá o Flamengo.

Assim o Rubens Lopes foi novamente reeleito...

E será assim para sempre. Se você por absurdo juntasse Flamengo, Fluminense, Botafogo e Vasco, que têm 100% da torcida do Rio, não têm 10% da Assembleia da Federação. Apenas 24 votos de 264. Quem manda no futebol carioca é a liga amadora de Itaocara, a Liga de Varre e Sai. A gente quis mudar isso com o Profut.

E o que o Flamengo fez na última eleição da FFERJ?

Mandamos um representante se abster, como fizemos na CBF. Vamos fazer o quê? Me lançar candidato? Quem vai votar em mim?

Voltando à CBF...

Voltei lá e expliquei porque não votei. Se tivesse no lugar deles, respeitaria quem não votou por coerência do que o que votou para ser ajudado nas arbitragens. A partir do momento em que eles juntaram os votos da federação, a eleição estava decidida.

Como foi a construção do novo contrato com o Maracanã? Qual a participação da empresa "Esportecom"?

Hoje, nós não temos contrato com o Maracanã, apenas a cada jogo, um "spot". Teremos um de quatro anos, com várias saídas possíveis, através de uma licitação, por exemplo. A solução que nos foi apresentada pelo consórcio já envolve a Esportecom, que assume um risco. No caso, o Flamengo paga R$ 120 mil por jogo de aluguel mais o variável. O consórcio ganha R$ 200 mil. Os R$ 80 mil são pagos pela Esportecom. Se por acaso ela falhar, o risco é do consórcio. Ela se entendeu com o consórcio. Podia ser ela ou outra empresa. Foi analisado pelo jurídico, e entendeu-se que não havia risco.

Não há um risco se a Esportecom falhar e o Maracanã não manter o acordo?

Aí ela tem uma cláusula de saída que pode exercer, mas tem que pagar. Isso tudo foi avaliado. Segurança jurírida é total.

Também houve reclamações de conselheiros e adiamento da votação...

Deve ser dia 29. O Conselho Deliberativo é uma fogueira de vaidades, quem fala são as mesmas pessoas, querem ir lá aparecer. Dizem agora que a empresa tem um capital pequeno. É a chance que eles têm de ir lá. Se quiserem reprovar, a gente paga mais caro. E hoje ainda joga por a liminar, que, se for cassada, o preço é ainda mais alto.

A pergunta sobre a premiação reflete uma sensação de torcedores de que os jogadores não se empenharam tanto quanto podiam, que falta compromisso, não há cobrança, como o senhor vê esse discurso?

Isso é extremamente distorcido.

Mas o senhor pediu ao time mais cooperação recentemente, depois da eliminação no Estadual?

Mais empenho, não. Depois das mudanças todas, a gente estava sofrendo um massacre, e pedi a eles para todos nos unirmos para reverter. E falei que eu estava terminando meu mandato, sei que estão todos comprometidos, isso nunca faltou, e agora é fundamental que a gente consiga sair disso, e vamos precisar de unição. Uma conversa de motivação. Como tudo que eu falo pode ser distorcido, como foi o dos protegidos, dos falsos rubro-negros, qualquer um entende, mas, se quiserem ridicularizar, é fácil também.

Como andam as renovações dos jogadores nesse último ano de mandato?

É até uma obrigação, é patrimônio do clube. Tem qeu cuidar para o próximo presidente não precisar chegar em condições desfavoráveis. Alguns jogadores são unanimidade, seria bom ficarem mais tempo, nem que seja para aumentar o valor de troca em eventual necessidade, e isso a gente tem que fazer. Não é porque termina meu mandato que eu vou deixar um elenco zerado. Depois, ele poderá fazer as mudanças dele.

Ederson termina antes do fim do mandato...

O futebol vai trazer recomendação. A gente deu todo apoio para a recuperação do jogador, e a carreira dele, no Flamengo ou fora, vai seguir normalmente.

Como o senhor recebe as críticas de que o Flamengo é gerido de fora pra dentro? Contratação do Rueda e Diego Alves, demissões Zé Ricardo e Caetano...

Eu não acompanho a Fla-Twitter. Nem sabia que o Rueda tinha sido recomendado por eles. Com a demissão do Zé Ricardo, Rueda foi uma opção que se mostrou possível no momento, independentemente de se haver campanha de torcida ou não. O Diego Alves estava saindo do Valencia, e o Rodrigo Caetano já tinha tudo mapeado. O pessoal de torcida tem essa preocução de mapear, se manifesta, às vezes acontece a coincidência.

Há preocupação em buscar um centroavante?

Nosso pessoal está trabalhando nesse sentido em busca de alguma oportunidade.

O elenco do Flamengo tem a qualidade esperada realmente ou haverá mais qualificação? Pelo custo, é um elenco que dá o retorno esperado?

O elenco está cada vez melhor. O ideal seria ter ele pronto para jogar o ano inteiro, mas as grandes oportunidades acontecem no meio do ano, e o fluxo de caixa nesse período é melhor. O Flamengo não está nadando em dinheiro. O elenco pode melhorar, tem jogadores que vieram de centros onde a exigência de treinamento era melhor, e eles custam a atingir o ápice do desempenho, mas isso acontece em todos os clubes.

O coordenador técnico vem quando? Está demorando...

É verdade. Mas a gente tem que trabalhar com determinação, mas buscando alguma coisa que seja efetivamente uma solução. Acredito que pode sair brevemente. O Leo Inacio agora trabalha na transição da base para o profissional.

Vai vir um experiente?

Pode ser que aconteça em breve.

Filiado ao partido Rede, o senhor vai se desligar para se candidatar fora do clube?

Vou cumprir o mandato até o final. Não vou colocar vice para comandar o Flamengo.

Fonte: O Globo