O vazamento de e-mails que provam que o Flamengo sabia das irregularidades no sistema elétrico do alojamento nove meses antes do incêndio que matou 10 adolescentes no Ninho do Urubu trouxe à tona uma questão: os novos fatos podem interferir nos acordos de indenização do clube com as famílias das vítimas? O ge checou!
A possibilidade foi levantada pela coordenadora cível da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, Cintia Guedes. Para ela, as famílias "têm claramente o direito de pedir que esses acordos sejam revistos". Até o momento, o Flamengo fechou sete indenizações: Jorge Eduardo, Samuel Thómas, Áthila Paixão, Gedinho, Rykelmo (lado paterno), Vitor Izaias e Bernardo Pisetta. O clube ainda precisa indenizar as famílias de Arthur Vinícius, Christian Esmério, Pablo Henrique e o lado materno de Rykelmo.
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Familiares de vítimas de incêndio no Ninho do Urubu — Foto: Amanda Kestelman
Advogado especialista em indenizações de responsabilidade cível, David Nigri, por sua vez, acredita que as chances de revisão dos acordos são remotas. No seu entendimento, os valores têm a função de reparar o dano, independentemente do desenrolar das investigações.
- Se esse acordo foi o suficiente para repor o dano, então nada justifica que, agora, queiram rediscutir um acordo com base em provas novas. O objetivo é reparar o dano, fazer com que o dano se torne indene. Indenizar é tornar indene. Se já foi reparado, não justifica que, agora, à altura desses acontecimento, só porque foi confirmada a responsabilidade, peçam para mudar o valor da reparação- explicou o advogado.
- Não vi os acordos, mas normalmente um termo de acordo diz que, uma vez acordado, não há mais possibilidade de revisão. Portanto, acho muito difícil que qualquer juiz queira mudar o acordo de reparação de dano por causa de um fato novo aleatório que foi descoberto. Até porque a responsabilidade do Flamengo já foi assumida, esse relatório só veio a confirmar essa responsabilidade - acrescentou.
Em conversa com a reportagem do ge , Thiago D'Ivanenko, advogado que representa as famílias de Vitor Izaias e Bernardo Pisetta, ambas indenizadas, disse acreditar que as novas provas mudam o cenário criminal das investigações. Mas pouco interferem nas indenizações.
- Eu entendo que, na questão criminal, (o Flamengo) se complica. Em relação aos acordos, pouco a mudar - resumiu.
O Flamengo não fala oficialmente sobre o assunto. Internamente, porém, a percepção é a mesma: os novos documentos interferem na parte criminal, na apuração da culpabilidade sobre os fatos. Para o clube, a parte indenizatória se dá pelo dano e pela responsabilidade sobre os atletas, o que nunca foi negado.
Homenagem às vítimas do incêndio em muro em frente ao Maracanã — Foto: Felipe Siqueira
Advogada: "Muito mais coisa vai aparecer"
Os advogados das famílias que ainda não fecharam acordos aguardam a conclusão do inquérito tanto para dar sequência às tratativas com o Flamengo quanto para avaliar uma outra ação judicial. Para Mariju Maciel, que representa os familiares de Pablo Henrique, "muito mais coisa vai aparecer".
- (Os e-mails) Mexem na culpabilidade de forma absurda, mas tenho certeza absoluta, e, por isso, ainda não ajuizei a ação, que vai aparecer muito mais coisa. Na reunião que tivemos na Alerj, a perita só deu uma passada no inquérito e mostrou muitas coisas. O inquérito vai trazer muitas outras. Discutimos se já não era um fato muito agravante, mas todas as gambiarras que apareceram na perícia agravam a culpabilidade. Fica evidente que foram negligentes - explica a advogada, acrescentando que os fatos "agravam, sim", o valor de uma eventual indenização.
- A possibilidade de acordo para gente inexiste nos termos apresentados. Há uns dois, três meses atrás, chegamos a negociar, mas eles entendem que devem oferecer os mesmos valores dos acordos já feitos. Até fiz contato com outras famílias e é muito triste. Acabaram aceitando por não aguentarem mais chorar. A minha família entende que não. A dor é permanente, mas é preciso esperar - completou a advogada.
A família de Christian Esmério, representada pelo advogado Arley Carvalho, também aguarda os resultados do inquérito para fechar o acordo.
- O Flamengo esse ano teve uma alteração de postura junto às famílias de procurar tentar fazer o acordo, tanto é que fechou com algumas outras famílias. Não sei se por receio de algum tipo de vazamento ou não. A gente adotou nossa postura desde quando aconteceu o fato. E da última vez que nos procuraram, faz muito tempo, não mudamos em nada. A gente já acreditava nisso, na negligência do clube. Não tinha outro fator gerador senão esse. Estamos aguardando a conclusão do inquérito, que já está se arrastando por muito tempo. Devido à gravidade do caso, já deveria ter sido concluído. Infelizmente, ainda não foi, e a gente está nesse impasse aguardando - concluiu.