Muito além do Santo André: relembre a primeira passagem de Abel pelo Flamengo há 15 anos

Pergunte a qualquer rubro-negro sobre a primeira passagem de Abel pelo Flamengo. Provavelmente você ouvirá queixas sobre a final da Copa do Brasil em 2004. E com razão. A derrota por 2 a 0 para o Santo André no Maracanã foi um dos maiores vexames da história do clube. E de certa forma ofusca o bom trabalho que o treinador realizava até então.

Foram sete meses intensos na Gávea. Abel, que ainda não tinha a grife e os títulos de hoje, aceitou o convite do amigo Júnior, então diretor de futebol rubro-negro. Recusou proposta do Internacional e assumiu um time atolado em dívidas, com salários atrasados, mas que deu liga. Conquistou o Campeonato Carioca, criou sintonia com a torcida e “levantou poeira”.

Aquele time, com Abel no banco e regido por Felipe em campo, de certa forma surpreendeu. Chegou, por exemplo, sem grandes investimentos à decisão da Copa do Brasil. A queda na final, no entanto, foi um nocaute direto. Deixou marcas e quase levou o Flamengo à Série B. Com ajuda do acervo de “O Globo”, relembramos essa história.

Chegada com declaração

Abel Braga foi apresentado em 17 de dezembro de 2003 — Foto: Acervo o Globo

Abel Braga foi apresentado em 17 de dezembro de 2003 — Foto: Acervo o Globo

Esqueça o Flamengo atual com as finanças em dia e poder aquisitivo. O cenário em dezembro de 2003 era outro. O presidente Márcio Braga acabara de vencer a eleição e levou Júnior para comandar o futebol. O ex-jogador foi buscar Abel Braga na Ponte Preta. Em sua apresentação, Abelão teve de explicar seu passado vascaíno. E declarou-se ao Flamengo.

- O Flamengo é assim: ou você está aqui e o ama, ou está do outro lado e quer vencê-lo de qualquer jeito, pois, na verdade, todo mundo sonha um dia estar neste clube. Quem disser o contrário está mentido. Não preciso de camisa para vestir. O manto está vestido. Já corre no sangue.

Primeiro problema

Edilson nem chegou a jogar sob o comando de Abel — Foto: Acervo O Globo

Edilson nem chegou a jogar sob o comando de Abel — Foto: Acervo O Globo

Ainda na pré-temporada, Abel encontrou seu primeiro problema. Então principal nome do time, Edilson demorou 10 dias a se reapresentar, reclamou dos salários atrasados e teve o contrato rescindido por Júnior. Atacante e dirigente bateram boca via imprensa.

- Gostaríamos do Edilson de dois anos atrás. O do ano passado não era o que o Flamengo queria – criticou Junior.

- Não dá para comparar. Até o título que o Júnior tanto perseguiu, eu consegui. O da Copa – disse Edilson, campeão do mundo um ano e meio antes no Japão.

Embalada por Ivete, vitória para dar moral

Em jogo de três viradas, Flamengo venceu o Fluminense por 4 a 3 — Foto: Acervo O Globo

Em jogo de três viradas, Flamengo venceu o Fluminense por 4 a 3 — Foto: Acervo O Globo

A caminhada começou com desconfiança. Com um time modesto, o Flamengo não empolgava. O Fluminense, por exemplo, com suporte da Unimed, tinha se reforçado com um quarteto de peso no ataque: Romário, Edmundo, Roger e Ramon. Era o grande favorito.

E foi justamente contra o Tricolor que o Flamengo começou a desabrochar nas mãos de Abel. Em 1º de fevereiro, o Rubro-Negro venceu por 4 a 3 um clássico eletrizante, repleto de viradas. Felipe teve atuação de gala. O time se encheu de moral. Nas arquibancadas a torcida embalou o hit “Sorte Grande”, de Ivete Sangalo, que acabou marcando a campanha.

- Éramos o timinho. Agora ganhamos respeito – disse Abel após o clássico.

O surgimento de Ibson

E foi neste Fla-Flu que Abel tirou uma carta inesperada da manga. O treinador promoveu Ibson ao time titular. O jovem volante, que acabara de voltar da disputa da Copinha, arrebentou, ganhou espaço e foi a principal revelação rubro-negra durante alguns anos. Em três passagens pelo Flamengo, ele entrou em campo 233 vezes.

Chope do Eurico? Abel vai de whisky

Abel Braga Flamengo  — Foto: Acervo O Globo

Abel Braga Flamengo — Foto: Acervo O Globo

Após conquistar a Taça Guanabara sobre o Fluminense em um sábado de Carnaval, o Flamengo sagrou-se campeão carioca ao bater o Vasco na decisão do estadual. Jean marcou três gols e entrou para a história do clássico.

O título ficou marcado por provocações ao rival. Eurico Miranda, por exemplo, tinha encomendado litros e mais litros de chope para embalar uma eventual conquista do Vasco. No Maracanã, os rubro-negros não perdoaram: “Arererê, o chope do Eurico eu vou beber”. Abel também brincou após a conquista.

- Chope fica para o Eurico e para o Geninho. Eu vou tomar um whiskyzinho para relaxar e depois um vinho na refeição. Esse chope do Vasco ficou indigesto – brincou o treinador.
Flamengo campeão carioca 2004 — Foto: Acervo O Globo

Flamengo campeão carioca 2004 — Foto: Acervo O Globo

Fla despacha Grêmio e Vitória

Com gol de Zinho, Flamengo venceu o Grêmio no Olímpico. Trajetória na Copa do Brasil era impecável, mas... — Foto: Acervo O Globo

Com gol de Zinho, Flamengo venceu o Grêmio no Olímpico. Trajetória na Copa do Brasil era impecável, mas... — Foto: Acervo O Globo

O início no Brasileiro não foi bom, mas Flamengo e Abel ainda tinham crédito da boa campanha no título Carioca. Pela Copa do Brasil, em 12 de maio, o Rubro-Negro foi a Porto Alegre e venceu o Grêmio por 1 a 0, gol de Zinho. Há anos o time não conseguia uma vitória dentro do Estádio Olímpico.

No Maracanã, o empate sem gol garantiu o Flamengo na semifinal. Em seguida veio o Vitória. Triunfos no Rio de Janeiro e em Salvador asseguraram a vaga na final contra o então inexpressivo Santo André. O segundo título da temporada, ainda no primeiro semestre do ano, parecia encaminhado. Mas só parecia...

Mancha na história

Flamengo x Santo André 2004 — Foto: Acervo O Globo

Flamengo x Santo André 2004 — Foto: Acervo O Globo

A derrota para o Santo André por 2 a 0 no Maracanã, é um dos capítulos mais tristes da história do Flamengo e marcou a passagem de Abel. Após empate por 2 a 2 em São Paulo, 0 a 0 ou 1 a 1 garantiriam o troféu na Gávea.

Abel até hoje é contestado pela escalação. Zinho estava machucado, e o treinador optou por quatro volantes: Da Silva, Douglas Silva, Robson e Ibson. O vexame caiu em sua conta.

Lanterna, clima insustentável e queda

Organizada foi à Gávea pedir cabeça de Abel — Foto: Acervo O Globo

Organizada foi à Gávea pedir cabeça de Abel — Foto: Acervo O Globo

Derrota para o Juventude decretou o fim da passagem de Abel — Foto: Acervo O Globo

Derrota para o Juventude decretou o fim da passagem de Abel — Foto: Acervo O Globo

Andrade e assumiu interinamente. Além dele, Flamengo ainda teve PC Gusmão e Ricardo Gomes em 2004. Quase caiu para Série B — Foto: Acervo O Globo

Andrade e assumiu interinamente. Além dele, Flamengo ainda teve PC Gusmão e Ricardo Gomes em 2004. Quase caiu para Série B — Foto: Acervo O Globo

O vice-campeonato da Copa do Brasil estremeceu a relação com a torcida, e o clima ficou insustentável para Abel Braga. Marcio Braga viajou para Disney e deixou o destino do treinador nas mãos de Júnior. Dois dias antes da demissão, a torcida foi à Gávea protestar e cobrou a saída do treinador. A queda aconteceu logo após derrota por 1 a 0 para o Juventude, em Volta Redonda, com o Flamengo na lanterna do Brasileirão. Hoje, Abel retorna quase 15 anos depois para iniciar uma nova história.

banner flamengo — Foto: Divulgação

Fonte: Globo Esporte