Nesta quarta-feira, o juiz Luiz Claudio Marinho, da 31ª Vara Cível da Comarca da Capital, concedeu uma liminar que revoga a exigência da carteirinha de sócio na votação na eleição presidencial do Flamengo , marcada para a próxima segunda-feira. Durante a semana, o atual presidente rubro-negro, Rodolfo Landim, moveu um processo contra a decisão da Assembleia Geral do clube, que havia determinado que os eleitores apresentem a carteirinha na validade para votar, o que não aconteceu nos pleitos anteriores.
No dia 24 de setembro, a Assembleia Geral emitiu um comunicado exigindo que os eleitores terão que apresentar, além de um documento de identificação, a carteirinha de sócio. Nos anos anteriores, bastava um documento para votar.
Landim, candidato a CEO na chapa da situação, de Rodrigo Dunshee, alega que pediu para a Assembleia Geral rever essa exigência porque muitos sócios não sabem onde está a carteirinha, enquanto outros as têm fora da validade porque o acesso ao clube é feito por biometria digital ou facial.
"A Assembleia Geral do Clube de Regatas do Flamengo , representada por seu Presidente Carlos Henrique Fernandes dos Santos, se pronunciou no index 160041716, sustentando subsistir conflito de interesse entre o autor, Presidente do Conselho Diretor, e o órgão representante do Clube de Regatas do Flamengo , na figura de seu Vice-Presidência Jurídico, candidato Rodrigo Villaça Dunshee de Abranches, publicamente apoiado pelo demandante.
Asseverou, ainda, a regularidade da atuação da Assembleia Geral, salientando que a exigência constou em todos os editais de convocação para as eleições, afigurando-se medida necessária à organização das eleições, diante das inconsistência encontradas na base dos sócios, subsistindo risco de dano reverso e falsa urgência, considerando que as exigências foram divulgadas desde setembro".
Em sua decisão, Luiz Claudio Marinho citou o artigo 153 do estatuto do clube e o histórico das eleições rubro-negras para embasar a liminar concedida:
- Entendo, ao fim e ao cabo, que a imposição de condição para exercício do sufrágio estabelece regramento não previsto na norma estatutária e tampouco pode ser considerada medida razoável para a finalidade pretendida (comprovação da capacidade eleitoral ativa), com evidente risco à tranquilidade e serenidade que devem ser asseguradas no dia das eleições.
- Pelo exposto, considerando os fundamentos acima consignados, notadamente pela ausência de expressa previsão regulamentar e diante da necessidade de assegurar e facilitar o direito do associado eleitor ao voto, sem restrições, embaraços ou pejo, acolho o pedido liminar, para determinar que o réu, por seus órgãos competentes, notadamente a Assembleia Geral, responsável pela organização do pleito eleitoral, se abstenha de exigir a apresentação da carteira social, dentro do prazo de validade, mantida a exigência de apresentação de documento oficial, com fotografia e número de inscrição no CPF, para que os associados possam exercer o direito de voto nas eleições do dia 9 de dezembro de 2024.
A eleição presidencial do Flamengo será na próxima segunda-feira, das 8h às 21h, e será feita pela primeira vez por urnas eletrônicas, com o acompanhamento do Ministério Público do Rio de Janeiro. Três candidatos vão concorrer ao pleito: Luiz Eduardo Baptista, o Bap (Chapa 1), Maurício Gomes de Mattos (Chapa 2) e o candidato da situação Rodrigo Dunshee (Chapa 3).
A reportagem procurou os demais interessados para saber se pretendem recorrer ou se posicionar a respeito da decisão. A Assembleia Geral do Flamengo preferiu não se manifestar. Luiz Eduardo Baptista, o Bap, não respondeu até o momento. Maurício Gomes de Mattos emitiu o seguinte pronunciamento:
- A judicialização do processo eleitoral é uma mancha para a imagem da instituição. Está sendo comparado na imprensa ao Vasco do Eurico Miranda. Como pode o presidente processar o próprio clube? Como pode um presidente de poder não se licenciar do cargo e escolher quem comanda o processo eleitoral do qual ele faz parte? A minha chapa trabalha para uma eleição limpa e democrática, com a escolha do associado sendo respeitada.
"A pretensão do autor se fundamenta na norma do artigo 300 do Código de Processo Civil, segundo a qual, presentes os requisitos legais, poderá o Juiz conceder, total ou parcialmente, os efeitos da tutela de urgência antecipada, desde que exista probabilidade do direito alegado e perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
Consigno, inicialmente, que o réu (Clube de Regatas do Flamengo ) deve ser representado por sua Vice-Presidência de Procuradoria Geral (“VicePresidência Jurídica”), de acordo com o indicado no inciso III do artigo 131 de seu Estatuto Social e no artigo 75, VIII, do Código de Processo Civil, não se identificando, concretamente, conflito de interesses, na medida em que a pretensão atinge, indistintamente, todo o colégio eleitoral, sem importar favorecimento a qualquer candidato.
Não se cuida, com efeito, de hipótese de flexibilização da norma de representação, mas sim de admissão, como terceiro interessado, da Assembleia Geral do Clube de Regatas do Flamengo , órgão dotado de competência específica para a convocação das eleições, reconhecendo-lhe, inobstante despersonalizado, excepcional capacidade processual para a demanda na qual se objetiva a modificação de regramento específico, devendo ser admitida sua atuação em defesa do ato impugnado.
O autor pretende, como afirmado, a concessão da tutela de urgência, em caráter antecipado, para que o Clube de Regatas do Flamengo se abstenha de exigir de seus associados a apresentação cumulativa de documento oficial de identificação com CPF e carteira social no prazo de validade, para que possam exercer o direito de voto nas eleições marcadas para o dia 9 de dezembro de 2024.
O comunicado do Presidente da Assembleia Geral, emitido em 22.11.2024, informa aos associados o dia das eleições (9.12.2024), horário (8h às 21h) e local (Ginásio Hélio Maurício), a votação por urnas eletrônicas e mediante apresentação de documentos (documento oficial que contenha o CPF, carteira social do CRF dentro do prazo de validade), ressaltando que a Secretaria e a Tesouraria funcionarão no mesmo horário da votação (index 159549438).
O autor, Presidente do Conselho Diretor do Clube de Regatas do Flamengo , se insurge, deste modo, contra decisão proferida pela Assembleia Geral, no sentido de obrigar os associados a apresentar carteiras sociais dentro do prazo de validade para que possam votar nas eleições do dia 9.12.2024.
Não identifico na presente demanda, segundo aduzido pela interveniente, tentativa de esvaziamento de competência de poderes do clube, uma vez que o objeto não possui caráter subjetivo, mas sim de permitir, de acordo com sua perspectiva, que todos os sócios possam exercer o sufrágio sem se submeter à exigência de apresentação da dupla identificação.
A assistente se insurge, outrossim, contra a alegada “urgência”, ao argumento de que a exigência foi divulgada em setembro de 2024, devendo, no entanto, ser observado que autor se insurgiu formal e administrativamente em 13.11.2024 (index 159549441) e que o ulterior comunicado da Assembleia Geral foi divulgado em 22.11.2024.
O autor discorre, em síntese, que a apresentação da carteira social dentro do prazo de validade apresenta “risco do cerceamento do direito de voto do associado, sem a devida revisão estatutária”, considerando a inexistência da restrição nos regramentos internos do Clube de Regatas do Flamengo .
O artigo 153 do Estatuto Social do Clube de Regatas do Flamengo estabelece condições gerais para o exercício do direito de voto dos associados nas eleições da Assembleia Geral (index 159549434):
Artigo 153 – São condições gerais para o exercício do direito de voto do associado nas eleições da Assembleia Geral, todas atendidas até o dia 31 de agosto do ano eleitoral:
I – ter mais de dezoito anos;
II – encontrar-se em pleno gozo dos direitos estatutários;
III – estar em dia com suas mensalidades e as de seus dependentes no FLAMENGO ;
IV – ter mais de dois anos de vida associativa ininterrupta, se Proprietário, e três anos, se Patrimonial, Contribuinte ou Contribuinte Off-Rio, contados da data da admissão
V – não ter sido punido pelo FLAMENGO nos três últimos anos anteriores à eleição;
VI – constar da Relação de Eleitores.
A capacidade eleitoral ativa demanda, como observado, o preenchimento dos requisitos previstos no artigo 153 do Estatuto Social do Clube de Regatas do Flamengo e qualquer medida que possa reduzir ou ampliar as hipóteses viola a lógica da legalidade estrita, na qual se compreende ser vedada qualquer interpretação ampliativa/extensiva.
Qualquer exigência ao eleitor, mormente quando não prevista expressamente nas normas regulamentares, deve estar fundada no pressuposto lógico de que se destina a alcançar determinada finalidade, como a comprovação do preenchimento dos requisitos.
A carteira associativa, no entanto, mesmo dentro do prazo de validade, não enfeixa documento idôneo a comprovar o pleno gozo dos direitos estatutários (inciso II), o adimplemento de mensalidades (inciso III) ou até mesmo a ausência de punição nos três últimos anos anteriores à eleição (inciso IV).
E, sob tal perspectiva, não se identifica a adequação ou relação de pertinência lógica entre a exigência e a finalidade (comprovação da capacidade eleitoral ativa).
Vale dizer, a carteira social não é documento oficial de identificação, não comprova os requisitos de capacidade e se mostra prescindível até mesmo para ingresso no clube, mercê da utilização atual de biometria.
Assim, exigi-la como documento indispensável para exercício do voto implicaria em criar inegável embaraço.
Neste sentido, a exigência de apresentação de documento oficial com fotografia e número de inscrição no CPF e cotejo na listagem de eleitores confere lisura ao processo eleitoral, sobretudo após a expressiva redução do número de inconsistências na lista de eleitores.
Neste sentido, segundo informado pela interveniente, havia 500 sócios sem identificação e outros 50 sócios com registro inválido de CPF, sendo certo que, após conferências e providências, foi formada a lista de sócios aptos a votar, no dia 31 de agosto de 2024, na qual restaram identificados 140 sócios sem registro cadastral de CPF, documento essencial para habilitação do voto na urna eletrônica fornecida pelo TRE/RJ.
Os documentos que instruíram a manifestação da assistente demonstram, inclusive, que a listagem continua se submetendo continuamente à depuração, em benefício, como afirmado, da lisura do processo eleitoral.
Não se está evidentemente a sustentar flexibilização na verificação dos requisitos, mas sim de reconhecer que a relação de eleitores (inciso VI) se afigura necessária e indispensável para identificação dos eleitores aptos a votar, bastando, a partir de então, a mera identificação pessoal por documento oficial.
O argumento da assistente, no sentido da inconsistência da listagem, não mais se sustenta, mercê de depurada pela atuação de empresa por ela própria contratada (DATASÍNTESE), “especializada em validação e tratamento de dados”.
Neste cenário, a exigência de apresentação do documento não se afigura razoável, mercê de não guardar pertinência ou fundamento com o objetivo almejado (comprovação da capacidade eleitoral).
A listagem dos eleitores aptos, após a depuração dos requisitos, como afirmado, se afigura suficiente para conferência da identificação e da capacidade, sendo certo que eventuais inconsistências que demandem retificação, inclusão, exclusão ou impugnação se resolvem por ajustes pontuais, episódicos, que podem ser realizados de imediato na secretaria do clube, que, segundo divulgado, funcionará com ampliação de atendimento e durante todo o horário de votação.
O comunicado da Vice-presidência de Secretaria do clube, no index 159549447, emitido no dia 29.11.2024, ou seja, há 4 dias, informa que, dos 6.137 eleitores, 1.229 possuem carteira social vencida.
Isso significa que cerca de 20% dos eleitores poderão ser, de início, impedidos de exercer o sufrágio, o que os obrigará a solicitar, no momento da votação, a renovação da carteira social na secretaria do clube para que possam exercer o voto, sem contar os portadores de carteiras que não mais a utilizam para ingresso no clube.
A exigência de apresentação da carteira social no prazo de validade poderia, deste modo, importar em quantidade expressiva de retificações e atuações a serem realizadas pela secretaria do clube que, conquanto esteja relacionada com o funcionamento durante todo o horário de votação, pode não suportar a demanda.
O exemplo de simplicidade nas eleições para cargos públicos se revela eloquente como ilustração, a despeito de evidentemente distintos os requisitos, mas sem prejuízo de referenciá-lo quando se deseja facilitar o amplo acesso do associado ao voto e conferir legitimidade no processo de escolha.
A criação de mecanismos que possam dificultar ou restringir o direito de voto dos associados vai de encontro ao dever de assegurar tranquilidade durante o processo de escolha e no direito de ampla participação eletiva no processo democrático de clube que conta com expectativa de mais de quarenta milhões de torcedores, conquanto reduzido o corpo eleitoral a seus cerca de seis mil associados.
Conquanto possam ser empreendidas medidas emergenciais para atendimento excepcional da demanda, afigura-se evidente que tal exigência ensejará instabilidade e possibilidade objetiva de desordem, seja por dificuldades operacionais com a confecção de centenas de carteiras no mesmo dia da eleição, possibilidade de queda de sistema operacional etc, em dia emocionalmente comprometido com a acirrada disputa aos cargos eletivos.
O aspecto fundamental, neste cenário, é reconhecer que a carteira social, no prazo de validade, não comprova a aptidão para votar, cuidando-se, a rigor, como destacado, de documento desnecessário até mesmo para acesso às dependências do clube, considerando a utilização de biometria (facial ou digital).
A par de fundamentos de matriz teleológica e pragmática, deve ser observado, objetivamente, que a norma de regência tampouco estabelece a exigência de apresentação da carteira social dentro do prazo de validade para que o associado possa exercer o direito de voto.
Assim, entendo, ao fim e ao cabo, que a imposição de condição para exercício do sufrágio estabelece regramento não previsto na norma estatutária e tampouco pode ser considerada medida razoável para a finalidade pretendida (comprovação da capacidade eleitoral ativa), com evidente risco à tranquilidade e serenidade que devem ser asseguradas no dia das eleições.
A listagem dos eleitores aptos e a identificação por documento oficial, com fotografia e CPF, como reiteradamente afirmado, se afiguram manifestamente suficientes para exercício do sufrágio, ressalvada a possibilidade de impugnação e conferência de casos excepcionais.
O perigo na demora da prestação da tutela jurisdicional se identifica pela proximidade das eleições e na necessidade de afastar a exigência imposta pela Assembleia Geral ao exercício do voto pelos eleitores.
Pelo exposto, considerando os fundamentos acima consignados, notadamente pela ausência de expressa previsão regulamentar e diante da necessidade de assegurar e facilitar o direito do associado eleitor ao voto, sem restrições, embaraços ou pejo, acolho o pedido liminar, para determinar que o réu, por seus órgãos competentes, notadamente a Assembleia Geral, responsável pela organização do pleito eleitoral, se abstenha de exigir a apresentação da carteira social, dentro do prazo de validade, mantida a exigência de apresentação de documento oficial, com fotografia e número de inscrição no CPF, para que os associados possam exercer o direito de voto nas eleições do dia 9 de dezembro de 2024.
Cumpra-se pelo OJA de Plantão, considerando a urgência da presente medida".
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