Anunciado pelo Flamengo na última segunda-feira (9) , Tite tem a adaptabilidade em seu grande catálogo de qualidades. Aos 62 anos, o técnico natural de Caxias do Sul (RS) soma, agora com o Rubro-Negro, 16 clubes e uma seleção na carreira. São seus dois últimos trabalhos, porém, que mostram como o comandante pensa o futebol.

Tite encontra um Flamengo perdido deixado por Jorge Sampaoli. Demitido em setembro , o argentino, para além dos números (20 vitórias em 39 jogos e 60,7% de aproveitamento), não foi capaz de incutir suas ideias em um elenco acostumado com uma gestão de elenco paternal e que, em campo, prefere a liberdade e a intuição.

2015 a 2016: Corinthians teve a assinatura de Tite

Após passagem extremamente vitoriosa pelo Corinthians entre 2010 e 2013, Tite resolveu promover um ano sabático. Além do período no Arsenal , da Inglaterra, teve as portas do Real Madrid abertas pelo italiano Carlo Ancelotti – que é seu principal mentor e o treinador em quem mais se inspira. Como resultado, voltou ao Parque São Jorge com ainda mais conhecimento.

Quando se fala de nível técnico, de encantamento, apenas o Flamengo de 2019, comandado por Jorge Jesus, se sobressaiu após o Corinthians de 2015. Ao voltar da Europa, Tite privilegiou aspectos ofensivos, acrescentou movimentos coordenados sem bola. Fluída, atacando a favor da bola e não do espaço, sua equipe, ao entrosar, passou a jogar de modo natural, com liberdade especial a Renato Augusto e, principalmente, Jadson. Marcou época.

Além da fortaleza defensiva, marco nos trabalhos de Tite, o Corinthians teve os auxílios de Ángel Romero (sempre ativo e agregador defensivamente), Malcom (somando em dribles e duelos individuais, destruindo blocos compactos) e Vágner Love (saindo da referência para apoiar, se associar e abrir espaço) como base para o bom desempenho.

2016 a 2017: time semelhante ao que havia encantado o país

É verdade que Tite comandou a seleção por longos e regulares seis anos. Bons números, uma conquista de Copa América , duas Copas do Mundo disputadas. No entanto, seu trabalho representando o país precisa ser separado em dois: o período em que implantou ideias vistas em seu último Corinthians e o momento em que, por motivo desconhecido e jamais questionado, decidiu praticar o jogo de posição.

Até 10 de novembro de 2017, no Stade Pierre-Mauroy, quando o Brasil venceu o amistoso contra o Japão por 3 a 1, a equipe vinha atuando do modo que levou Tite até o cargo mais alto do futebol nacional. Ainda que as posições fossem respeitadas, o time não apresentava problemas para se aglomerar em determinado corredor (o esquerdo, majoritariamente, onde Marcelo e Neymar faziam conexões) para concluir do lado oposto (com Paulinho e Willian). Atuar assim era praticamente uma regra, um padrão visto no Corinthians e repetido com a Canarinho.

2017 a 2023: nítido distanciamento entre time e torcida

Tudo mudou no amistoso seguinte, no empate em 0 a 0 contra a Inglaterra . Tite e sua comissão técnica decidiram estabelecer uma nova forma de praticar futebol. Se o status e o carisma do treinador estavam no auge, foi a partir do jogo visto em Wembley que o distanciamento se iniciou. As vitórias e os bons números seguiram praticamente intactos, mas deixaram de encantar o povo.

Para falar do jogo de posição como um todo, é necessário horas de conversa e um caderno de anotações. Trata-se de um conceito teórico, amplo, com muitos pormenores. Dos treinadores mais exitosos ao falarmos sobre o assunto, estão Pep Guardiola, do Manchester City , Thomas Tüchel, do Bayern München , e Roberto De Zerbi, do Brighton . Jorge Sampaoli, também adepto à metodologia, não conseguiu institui-la no Flamengo.

A equipe, que antes se aglomerava em corredores e via seus jogadores se aproximarem com frequência, passou a respeitar mais o espaço e executar movimentos pré-estabelecidos e menos intuitivos.

A saída de bola, que antes era sustentada e executada por seis jogadores, foi alterada, bem como toda a disposição da equipe em campo: volante entre os zagueiros, laterais por dentro, meio-campistas na última linha de ataque e pontas colados à linha lateral. O Brasil passou a ser mais paciente e racional com bola, aguardando os já citados movimentos pré-estabelecidos para, então, concluir o ataque. Tudo isso afastou o público de um time que, na visão geral, deixou de encantar para praticar um futebol nascido na Europa, ao invés de manter um estilo mais sul-americano.

Na Gávea, técnicos posicionais não vêm tendo sucesso

O Flamengo mais vitorioso e encantador nasceu das mãos de Jorge Jesus, dono de uma gestão de grupo peculiar e um estilo de jogo que oferecia liberdade aos mais técnicos. Após a sua saída, em 2020, o presidente Rodolfo Landim e demais dirigentes investiram na contratação de sete treinadores, a maioria praticante de ataques posicionais e estrangeiros. Apenas o brasileiro Dorival Júnior, que emulou mecanismos do time de 2019, deixou saudades.

Dada a experiência e o senso de adaptabilidade de Tite ao longo de sua carreira, é injusto cataloga-lo em um único conceito ou modelo de jogo. Seus dois últimos trabalhos, inclusive, mostram que o treinador deve conhecer o material humano que tem em mãos para, então, praticar o jogo que entende ser o melhor.

Tite tem pouco mais de 2 meses para estudar seu plantel, renová-lo e indicar novos nomes. Futebol nem sempre é ciência e a teoria não necessariamente te aproxima da glória. É possível garantir, no entanto, que o melhor treinador brasileiro dos últimos 10 anos está à disposição do Flamengo.

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