Jogar contra times com um a menos é difícil? Técnicos e colunistas analisam

"A sensação que a gente sai é ruim. É uma sensação que se o jogo ficasse 11 contra 11, as nossas oportunidades de vencer seriam maiores, porque o Palmeiras teria que sair para o jogo."

A declaração acima é parte de uma resposta do técnico Cuca para explicar a eliminação do Atlético-MG na Libertadores , na última semana, quando o time, mesmo com superioridade numérica, esbarrou na defesa palmeirense e deixou o torneio após derrota nos pênaltis .

Tirada de contexto e sem uma análise aprofundada, a frase de Cuca virou motivo de piadas nas redes sociais. A zoeira entre os rivais aumentou quando Abel Ferreira, técnico do Palmeiras, explicou, também depois do jogo, por que a sua equipe tinha conseguido segurar Hulk e companhia e arrastar a decisão para as penalidades.

No fim de semana de jogos pelo Brasil, o tema seguiu em pauta. O Grêmio viveu situação parecida e perdeu para o CRB , na segunda divisão, mesmo com um jogador a mais. Após a derrota, Roger Machado reconheceu que faltou competência ao Tricolor, no mesmo caminho do que Cuca já havia dito. Mano Menezes, por outro lado, alfinetou o treinador palmeirense, dizendo, sem citar nomes, que alguém tinha dado uma aula na semana passada sobre como enfrentar times fechados.

Diante do debate público sobre o assunto, o UOL Esporte ouviu treinadores e alguns colunistas para explicar a fala de Cuca — que virou meme após a eliminação — e debater, de forma técnica, se é difícil jogar contra times com um jogador a menos.

"Primeiro: eu prefiro jogar com um a mais do que um a menos. Na minha opinião, é muito mais difícil jogar com um a menos. Os jogadores têm que cobrir uma parte maior do campo, você acaba tendo que, em algumas situações, abrir mão de jogadores mais ofensivos, que podem agredir um adversário, que podem criar uma dificuldade ao adversário", afirmou à reportagem Eduardo Baptista, demitido em junho deste ano do Juventude, que disputa o Brasileirão.

O treinador, que em Caxias do Sul teve de ajustar a equipe mais de uma vez por causa de expulsões, acredita que não é simples jogar com superioridade numérica. A favor do time prejudicado ele enxerga um componente emocional.

"O que eu vejo de dificuldade com um jogador a mais é que acontece um fator emocional. Aquela velha história: os 10 que ficaram em campo vão correr um pouquinho a mais para suprir esse um de fora. Esse time [com o jogador a menos], na minha opinião, na maioria das vezes, não tem mais a obrigação de vencer o jogo. Ele passa a jogar por um empate, por qualquer resultado, menos a derrota", acrescentou o comandante, com passagens por Palmeiras, Fluminense, Athletico, entre outros.

O UOL ouviu ainda outros três treinadores. Pintado, que dirigiu o Cuiabá no Brasileirão deste ano, Marcelo Oliveira, bicampeão brasileiro com o Cruzeiro e da Copa do Brasil com o Palmeiras, e Sérgio Vieira, português com passagens por Athletico e América-MG no Brasil.

É unânime entre os profissionais que ter superioridade numérica é vantajoso. Eles explicaram, de forma técnica, que a dificuldade está em enfrentar adversários fechados. Ter um jogador a mais, ou a menos, é a razão para times baixarem as linhas. Por isso, para quem assiste ao jogo, a sensação às vezes é de que fica mais complicado atacar.

"Dá impressão de que dificulta [para o time com um a mais], porque o adversário, que jogaria para defender e atacar, ou ter esse equilíbrio entre a defesa e o ataque, já vai ter a conscientização de superação, de defender mais do que atacar. Esperar apenas uma oportunidade, uma bola parada, um contra-ataque. Fica aquela ideia de correr um pouco mais para superar a ausência de um jogador. Por isso dá a impressão de que todo jogo que tem um a menos fica mais complicado", observou Marcelo Oliveira.

Para o português Sérgio Vieira, o segredo passa também por ter profundidade. "Não considero que seja difícil jogar contra uma equipe que tenha menos um ou dois jogadores e se fecha. Eu penso que é difícil jogar contra qualquer time que se fecha, que defende muito, num bloco baixo, muito próximo do seu gol. Quando uma equipe baixa e defende muito próximo de seu gol, existe pouco espaço, pouca profundidade para atacar", iniciou.

Ele seguiu uma linha similar ao conterrâneo Abel Ferreira, de que nem sempre abrir o jogo nas laterais é o suficiente, e explicou o que, na sua visão, é necessário para furar retrancas. "Muitas vezes é demérito da equipe que ataca. Porque, se uma equipe defende toda fechada, muito junto de seu gol, a outra tem que ter mérito na circulação, na procura da profundidade, no envolvimento de muitos jogadores no processo ofensivo, ações individuais rápidas, bons passes, tomadas de decisão para frente, no sentido do gol. Eu penso que todos esses aspectos acabam a levar à eficácia e ao gol, o objetivo do jogo."

Na visão do ex-jogador e técnico Pintado, a expulsão de um atleta desafia as duas equipes dentro de um jogo. "Saber trabalhar com um jogador a menos também é importante. As duas situações são complicadas, mas destruir é mais fácil do que construir. Por isso, muitas vezes a gente tem dificuldade com um homem a mais para construir. É muito lógico que a qualidade faz diferença, um jogador de drible, de vitória individual, como a gente chama, pode fazer muita diferença. Mas isso tem que ser dentro da característica do jogo", pontuou.

Colunista vê problema na comunicação

Danilo foi expulso após entrada dura em Zaracho durante Palmeiras x Atlético-MG - Marcello Zambrana/AGIF - Marcello Zambrana/AGIF
Imagem: Marcello Zambrana/AGIF

Colunista do UOL , o jornalista e analista de desempenho Rodrigo Coutinho seguiu na linha do que falaram os técnicos. Para ele, problemas de comunicação podem atrapalhar os treinadores na hora de passar as mensagens.

"Eu acho que é um erro de comunicação por parte dos treinadores [dizer que é difícil atacar com vantagem numérica]. Porque é óbvio que não é mais difícil [jogar com superioridade]. O que se busca o tempo inteiro no gramado é ter superioridade numérica, no setor da bola. Então, quando você fica com um a mais é mais difícil? Não é. Acontece que, muitas vezes, os times que ficam com um a menos mudam até a forma de marcar. Passam a marcar por zona, proteger espaço, fica mais atrás", disse.

"É um pouco mais complicado achar espaço, mas isso diz mais sobre uma dificuldade dos times que têm a bola do que estar, ou não, com um a mais. Para mim, não é uma justificativa plausível isso. Você ter um jogador a mais é mais fácil para encontrar espaço, desde que você se organize para isso", ressaltou Coutinho.

"Não é a superioridade numérica que torna mais fácil ou mais difícil. Na verdade, o que torna mais difícil é o comportamento do adversário. Isso é desculpa de quem não consegue vencer um ferrolho, não consegue vencer um sistema defensivo bem montado", opinou o também colunista Rafael Reis .

Imagem: Alexandre Schneider/Getty Images

Fonte: Uol