10 anos do tri da Copa do Brasil:
+ O título que pavimentou o caminho da reestruturação do Flamengo
+ veja por onde andam os jogadores campeões do Flamengo em 2013
Em cerca de 50 minutos de entrevista, o ex-zagueiro e auxiliar técnico contou bastidores daquela campanha, como por exemplo: a polêmica saída de Mano Menezes; sua efetivação no cargo; as mudanças no time; a pressão pela fuga do rebaixamento no Campeonato Brasileiro...
Aos 70 anos, Jayme está afastado do futebol desde 2018. Após ter sido demitido em 2014, retornou ao Flamengo na temporada seguinte como auxiliar técnico, função que já havia exercido entre 2010 e 2013. Mas sua vontade mesmo era ter dado continuidade à carreira de treinador, mas assim como Andrade (campeão brasileiro em 2009) não conseguiu. Ele diz que nunca recebeu convites e tenta acreditar que não foi pelo racismo estrutural no Brasil .
Veja a entrevista na íntegra:
ge: você assumiu o time pouco depois daquela classificação emblemática sobre o Cruzeiro nas oitavas de final da Copa do Brasil, mas com a equipe perto do Z-4 no Brasileiro. O que a diretoria te passou quando o efetivou no cargo?
Jayme: - O Mano saiu na quarta, depois que nós perdemos para o Athletico-PR. Fizemos 2 a 0 no Maracanã, o time jogando bem, a torcida em festa, todo mundo cantando, e acabou o Athletico virando para 4 a 2. Aí imagina o tumulto que ficou. E naquele momento o Mano achou por bem pedir demissão do cargo, ninguém esperava. Então o time ficou muito abalado, e a gente tinha esse problema de ter passado na Copa do Brasil e estava na beira do rebaixamento no Brasileiro. Nós tínhamos um jogo contra o Náutico no domingo, e aí o presidente e o Wallim (Vasconcellos, ex-vice-presidente de futebol) me chamaram e disseram: "Você comanda o time? A gente não estava procurando treinador, então você pode nos ajudar?" Eu falei: "Lógico". Já tinha feito outras vezes.
- Fomos para esse esse jogo em Recife, 0 a 0, o time muito abalado ainda, jogando mal, e vim para o Rio achando que ali acabava a minha responsabilidade, né? Aí tem porteiro, amigo, todo mundo comentando que Flamengo não está achando técnico, tentaram o Abel (Braga) e ele não aceitou. E aí, quando eu cheguei lá na terça-feira o presidente me chamou na sala de técnico e me convidou para pegar o time naquele momento difícil. A situação era muito séria do Flamengo no Brasileiro, e eles nem falaram em Copa do Brasil. Só me pediram para não deixar o Flamengo cair. Na quarta-feira tinha o primeiro jogo com o Botafogo nas quartas de final, eles nem falaram disso. Botafogo tinha um time muito bom, tinha o Seedorf, acho que era segundo ou terceiro no Brasileiro. Dei meu jeito, o time jogou muito bem, e foi ali que começou a nossa reabilitação.
- O que é engraçado: esse jogo foi 1 a 1, e na volta demos de quatro no Botafogo. Quando acabou o jogo, nós entramos no vestiário, e o presidente: "Jayme, temos que ser campeões" (risos). Achei muito engraçado como esses caras mudam de repente. Flamengo é fogo, mas ganhou de uma maneira bonita, isso empolga mesmo. Foi o dia mais bacana que eu trabalhei como técnico e nos deu uma força muito grande para enfrentar o que vinha pela frente.
Quando o Mano Menezes pede demissão, ele alega que não conseguiu passar para o grupo aquilo que ele pensa de futebol. Você, que já estava na comissão técnica, acha que ele perdeu o vestiário na época?
- Em nenhum momento. O trabalho como auxiliar também é tentar apaziguar quando tem problema, conversar com os atletas. E, assim, eu estava no Flamengo desde 2010, isso foi em 2013. Então eu conhecia muito os jogadores, e eles já me conheciam, sabiam que podiam confiar, que eu era um cara sério, correto, que trata todo mundo igual. E não vi em nenhum momento insatisfação dos jogadores com o trabalho do Mano. Tanto é que nós passamos pelo Cruzeiro, que era o melhor time do Brasil. Um jogo lindo, ganhou no Maracanã no finalzinho. Pegou todo mundo de surpresa porque acabou o jogo (4 a 2 para o Athletico-PR) e nós fomos para o vestiário, todo mundo abalado. Quando foi na hora da reza, o técnico sempre fala alguma coisa quando vai rezar. Sabe? Em relação ao jogo, agradecer ou falar para não abaixar a cabeça pela derrota, essas coisas.
- Mas ele pediu a palavra e falou essa frase aí: "Eu não consigo passar minhas ideias para vocês, vocês não entendem, e vou pedir demissão". E começou a rezar. Ficou todo mundo assim (expressão de assustado). Quando acabou a reza eu ainda falei com o Chicão, o Elias e o Felipe, que tinham trabalhado com ele no Corinthians, para ir lá falar com ele. Porque era uma loucura. Mas quando foram lá, ele fez assim (gesto levantando o braço) e disse: "Já falei que não quero mais conversa". E saiu. Então, assim, em nenhum momento tinha alguma dúvida em relação ao trabalho dele, foi muito inesperado. Ninguém podia pensar, ninguém falava, não tinha aquelas fofoquinhas, sabe como é que funciona quando o time está perdendo? Mas não tinha nada disso, então foi um momento que abalou muito a todos nós.
- Aí começaram a dizer que jogador do Flamengo era burro, que não entendia, sabe como que é torcida (risos). Botaram piadinha, é fogo. Foi um ambiente muito ruim na saída dele. E ele era um cara da seleção brasileira, treinador de peso. Independentemente de ter dado certo ou não, era um técnico de alto nível, como é até hoje. Ele sempre foi muito correto comigo, sempre ouvindo minhas opiniões, era prazeroso trabalhar com ele e aprender.
Curiosidade: Mano Menezes pediu demissão após uma derrota para o Athletico-PR, que foi o mesmo time que Jayme de Almeida venceu na final da Copa do Brasil.
Assim que você assumiu, fez algumas mudanças na escalação, colocou o Paulinho, o Amaral, e logo o time encaixou...
- O Mano viajava com o Sidnei (Lobo, auxiliar), e eu ficava com os reservas que não jogavam. Eu via o Amaral muito bem, treinando, treinando, treinando... Tinha comentado com o Mano que o nosso meio de campo ficava muito frágil no segundo tempo. O Elias cansava, era um baita jogador, mas veio da Europa e não estava bem fisicamente porque não teve férias. Aí falei para o Mano: "O Amaral está bem para caramba, leva ele na reserva, vai ajudar a gente". E ele: "Não posso contar com ele porque tem o Cáceres, paraguaio". Aí quando eu assumi, a primeira coisa que eu fiz foi botar o Amaral. Ele era um jogador com muita força, muita marcação, e eu confiei.
- E o Paulinho foi no jogo da volta do Botafogo. Quando o André Santos veio da Europa estava jogando de meia-esquerda. Jogava o Jorge Luiz na lateral (nota da redação: na verdade, era João Paulo). Aí ele machucou e não tinha outro. Eu falei com o André: "Tu vai ter que jogar na lateral". E ele: "Pô, professor, não jogo há muito tempo". E o lado direito do Botafogo era forte, o lateral apoiava para caramba, tem força. Aí eu pensei no Paulinho. Era um jogador que no treino arrebentava, tinha uma condição física muito boa, facilidade de correr distâncias longas, sabe? Levinho, rápido, driblador. Aí na terça-feira eu chamei ele: "Vem cá, estou pensando em te colocar amanhã no lado esquerdo para ajudar o André". E ele na mesma hora: "Professor, onde você me botar eu jogo. Pode botar que vou fazer o que o senhor quiser" (risos).
- Foi legal para caramba o papo com ele. Mas falei: "Tem um detalhe, não quero que você fique correndo atrás do lateral, ele é que tem que correr atrás de você. Faz o que você faz aqui nos treinos, quando dá uma canseira no Léo Moura, em todo mundo". Ele no time reserva era terrível, metiam a porrada no Paulinho. Ele era folgado (risos). E assim botamos ele no lado esquerdo, e o time jogou muito naqueles 4 a 0. Sabe quando você sente que o time encaixou? E a confiança que nós não tínhamos voltou naquele jogo.
Foi um título em que o Flamengo entrou como o patinho feio e desbancou vários favoritos. Qual foi o segredo?
- A realidade é que ninguém apostava que passaríamos pelo Cruzeiro, era um timeça, o melhor do Brasil. Mata-mata é diferente, você joga a vida em dois jogos, é outro clima. A classificação em cima do Cruzeiro perdeu o valor com a saída do Mano, o ambiente ficou muito ruim. O que a gente fez foi tentar reabilitar os jogadores para voltarem a concentrar nos jogos, acreditar neles, trabalhar forte. Eu comentei uma coisa porque fui criado no Flamengo , onde joguei desde garoto. "A gente tem um aliado que pouca gente tem: a torcida. É o maior patrimônio do Flamengo . Mas é preciso tê-la ao lado. Como faz isso? Correndo, lutando, se ajudando. Se fizermos isso com certeza ela vai ver e vai nos ajudar". Foi o discurso que eu fiz para o primeiro jogo com o Botafogo no 1 a 1.
- Não teve nem tempo de treinar porque jogamos em Recife domingo, voltamos para o Rio, segunda-feira jogador não fez nada e na terça fizemos uma coisa pequenininha para jogar na quarta. Quando me passaram que eu seria o treinador, o meu discurso foi esse. E eles começaram a reagir nesse jogo. Jogaram com amor, se dedicaram, e começamos a caminhar no Brasileirão também. Quando começa a ganhar, e a torcida te acompanha com carinho, a coisa funciona bem melhor. Com toda dificuldade que tínhamos, os jogadores fecharam um grupo bacana, percebia neles a vontade de fazer a coisa da melhor maneira possível, não decepcionar eles mesmos de cair, e tinha uma esperança boa na Copa do Brasil que era mata-mata. Eu tentei jogar com os eles nesses dois sentidos. Acabou dando certo.
Geralmente os times priorizam os torneios mata-mata, à medida que vão avançando, e perdem força no Brasileiro. Mas em 2013 vocês não podiam se dar a esse luxo por causa do rebaixamento. Como foi lidar com isso até a final?
- Todo mundo comigo joga, eu falei isso para eles. Disse que ia precisar de todos eles. Falei que o Flamengo não jogaria desfalcado. Para mim, botou 11 em campo não tem desfalque. Desfalque é quando joga com 10. Se tiver 11 é igual para igual. O Flamengo não tinha um grupo com grandes jogadores, tinha um time base nível bom e a qualidade dos meninos da base. O Flamengo segurava as despesas para sanar as dívidas que eram muito grandes.
- Por exemplo, o Flamengo tem uma rivalidade muito grande com o Atlético-MG. Jogar em Minas com eles é guerra. Eu botei o time reserva para viajar. E os caras do Flamengo ficaram doidos. Coloquei para descansar porque tinha o jogo do Goiás. O Pelaipe (diretor de futebol) não falou nada, me deu toda autonomia. O jogo foi 1 a 0 para o Atlético-MG, mas foi uma das melhores partidas dos que são chamados de reservas. Quando acabou o jogo, eu agradeci e falei que eles estavam de parabéns pela partida. Mesmo com a derrota, os meninos estavam felizes. Aquele jogo nos ajudou a ter um coletivo muito mais forte. Eles passaram a acreditar no que eu falava: que colocaria qualquer um para jogar. Foi isso que nos ajudou a chegar no Brasileiro sem cair e na conquista da Copa do Brasil.
Vocês conseguiram comemorar direito aquele título ou a situação delicada no Brasileiro atrapalhou?
- Eu sai do Maracanã com a minha família e fomos comer em um restaurante na Barra, o único que estava aberto. Tinha uma multidão da torcida do Flamengo bebendo lá. Eles falaram: "Pode ficar lá dentro que a gente não vai perturbar". Essa foi a minha comemoração (risos). De fato não lembro de ter uma festa de campeão da Copa do Brasil. Mas tivemos uma festa de campeão carioca no ano seguinte. Olha como são as coisas. Podia dar tudo muito bom ou tudo muito errado na reta final, mas a vitória com gol do Paulinho em cima do Corinthians no Maracanã deu uma sustentada para não corremos o risco de cair no Brasileiro.
Você depois de sair do Flamengo tentou seguir a carreira de treinador, mas não comandou outros clubes. O que aconteceu?
- Os convites não apareceram. Não vou ficar enganando. Logo assim que eu saí, o único a perguntar os valores do meu contrato foi o Vitória. Eu não tive convite de nenhum clube nem da Primeira e nem da Segunda Divisão. Tem muito a ver com empresário. E não estou dizendo que isso está errado, mas tem empresários que têm o poder de botar os técnicos em alguns lugares. A gente fica triste, né? Eu joguei futebol, me formei em educação física para trabalhar com esse lado com sabedoria.
E esse Flamengo atual, tem acompanhado? O que achou da chegada do Tite e qual seu palpite para levar o título do Brasileirão?
- O Flamengo passou por técnicos estrangeiros e teve dificuldade esse ano todo. O único que tinha no mercado com nível para o Flamengo era o Tite. O Flamengo é um baita de um clube, e o Tite tem muita experiência, foi técnico da Seleção por duas Copas, ele era a bola da vez. No início é sempre complicado, você começa a conhecer os jogadores, agora o Flamengo subiu de produção. E o Flamengo é muito forte quando chega assim. Eu lembro que isso aconteceu comigo quando a gente ganhou do Botafogo na Copa do Brasil. Naquele jogo eu pensei: "Vai ser difícil não disputarmos o título até o final". Eu estou sentindo isso agora. O time está entendendo o treinador novo, está numa caminhada boa, está firme e seguro.
- Eu vejo o Flamengo com esse fim de ano muito forte. Se quem estiver na frente bobear, o Flamengo vai bater campeão. Lógico que estou torcendo para o Flamengo , mas acho que se o Botafogo levasse a taça eu também ficaria satisfeito. O Botafogo andou muito por baixo em relação aos times do Rio, a ganhar campeonato, disputar coisas grandes. E é um baita clube, de tradição, leva jogador para a seleção brasileira toda hora. Uma história linda que estava ficando para trás, a torcida vai minguando. Sabe como funciona, né? Você não via a molecada na rua com camisa do Botafogo. Sempre foi um adversário muito difícil, na minha época de torcedor ia ao Maracanã e tomava porrada do Botafogo do Jairzinho, Rogério, Paulo Cézar Caju, Gerson... Meu Deus do céu, era um timaço.
- Não é porque eu sou Flamengo que vou torcer para o Botafogo, o Vasco, ficarem na Segunda Divisão. Eu torço para que fiquem na Primeira Divisão, façam times fortes e disputem juntinho ali com o Flamengo . Jogar um clássico carioca é a melhor coisa do mundo, mas jogar com um adversário bom, que vai te dar trabalho, que vai obrigar você a ser muito bom para ganhar, é a melhor coisa que tem. Essa é a rivalidade que eu acho bacana.
E para você, que foi durante muitos anos auxiliar técnico permanente do Flamengo , como enxerga o fim desse cargo no clube desde 2019?
- É muito bom ter alguém para assumir nesses momentos que podem ajudar os treinadores que chegam. Acho fundamental ter um profissional para esses momentos, que conheça o clube, conheça os jogadores, e que possa passar para um novo treinador as coisas que são importantes. Um exemplo: quando o (Reinaldo) Rueda (técnico colombiano) veio (em 2017), ele não conhecia ninguém no Flamengo . E acreditou em mim. Eu falei do Paquetá e ele colocou para jogar...
- São esses detalhes que às vezes ninguém comenta. Quando você conhece os jogadores, conhece o clube, dá uma certa segurança até chegar um outro treinador. É muito melhor ter alguém fixo do que acontecer o que aconteceu com o Sampaoli. Ele estava demitido, todo mundo sabia, mas ele não saia porque não tinha ninguém para assumir o Flamengo . Faz falta ter um profissional desse.
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