Flamengo, a máquina de moer gente

Num país que ama colocar treinadores no centro de todos os debates, nada mais cômodo para a diretoria rubro-negra do que seguir o coro da arquibancada e fazer de Tite o vilão deste 2024. É fácil vender a ideia do elenco estelar que foi dirigido por um técnico incapaz de fazê-lo render o que o mundo do futebol fantasiava.

Não que Tite e sua comissão não tenham responsabilidade num rendimento desapontador em boa parte da temporada. O trabalho foi claramente inferior ao que se esperava. Mas isolar o treinador como centro de todas as análises é a forma mais brasileira de entender a demissão. É ignorar as perdas que o time teve na Copa América, a quantidade sem paralelo de lesões, a necessidade de montar e remontar a equipe três ou quatro vezes no ano. E é, também, ignorar o principal: a falta de direção esportiva de um Flamengo que planejou mal a forma de priorizar torneios, lidou com a escassez no elenco sem atacá-la no mercado, até ir às compras no último dia da janela. O Flamengo que enfrentou Peñarol e Athletico-PR era um time enxertado de jogadores recém-chegados em regime de urgência, um grande fevereiro acontecendo em setembro.

A queda de Tite é o capítulo final de uma questão crônica que o Flamengo jamais soube resolver. O futebol rubro-negro é dirigido por dois homens: Marcos Braz é o tradicional dirigente voluntário, enquanto Bruno Spindel é um executivo com ótima formação, mas não um perfil técnico em futebol. Seria injusto tirar méritos deles num ciclo que teve muitas conquistas. Mas sempre ficou claro que faltava, junto a eles, um diretor esportivo.

Voltemos ao fim de 2021, quando o Flamengo escolheu Paulo Sousa, dono de ideias de futebol e um sistema pré-concebido que não encaixavam no elenco. De novo, como já ocorrera na injusta demissão de Rogério Ceni, o Flamengo lidaria com uma troca no meio da temporada. E o nome viável era Dorival Júnior, que já tivera o trabalho interrompido duas vezes pelo próprio Flamengo, inclusive por alguns integrantes deste mesmo grupo político.

Mesmo campeão, Dorival nunca foi uma convicção do clube. Deu lugar a Vítor Pereira, nome que chegava também com ideias contrastantes com o antecessor num ano cheio de decisões nos primeiros meses da temporada. O clube perdeu todas e o português foi inviabilizado. A nova escolha foi Sampaoli, profundo conhecedor do futebol, mas dono de um estilo autoral e impositivo, arriscadíssimo até sob o aspecto das relações humanas, numa temporada em pleno andamento.

Por que todo treinador parece menos competente no Flamengo? A resposta para perguntas difíceis certamente é complexa. Mas uma hipótese é que, em todos os processos de contratação, Braz e Spindel eram os responsáveis por entrevistar treinadores, ouvir deles ideias de jogo. Só que, nestas conversas, apenas um dos lados da mesa estava preparado para a discussão.

Com Tite poderia ter sido diferente. O mais preparado treinador brasileiro a serviço do melhor elenco do país. Mas o 2024 reservava desafios enormes de planejamento, principalmente pela armadilha da Copa América. Claro que Tite poderia ter trabalhado melhor, mas é injusto avaliar seu trabalho ignorando o contexto: o futebol rubro-negro jamais soube responder às necessidades de um ano peculiar e de um calendário surreal.

O time chegou ao final da temporada como uma equipe em formação, e a arquibancada demitiu Tite. A dois dias da semifinal da Copa do Brasil, a seis da eleição municipal e a dois meses do pleito no Flamengo, a direção achou por bem atender. Quem ganhar nas urnas rubro-negras em dezembro tem como primeiro desafio preencher, antes da lacuna do cargo de treinador, o posto de diretor esportivo.

Emergência tricolor

Um pensamento apenas matemático já permite perceber o tamanho do desastre que foi a derrota do Fluminense em Goiânia para o Atlético-GO: três pontos deixados no caminho contra o lanterna do Brasileiro. Mas o alarmante foi a atuação, especialmente no 1º tempo. O jogo deixou claro que o principal acerto de Mano Menezes tinha sido devolver vigor ao time. É algo que não pode ser perdido. Sem Serna e Kauã Elias, o tricolor competiu menos.

Cano mais uma vez não foi bem — Foto: Fluminense
Cano mais uma vez não foi bem — Foto: Fluminense

Caos no calendário

Tem razão o Vasco ao afirmar que a mudança de data da Copa do Brasil beneficia seu adversário. Tem razão o Corinthians ao fazer a mesma queixa, tem razão o Fluminense e até o Flamengo, um dos que pediu a mudança, após ser tantas vezes prejudicado por convocações. Só quem não tem razão na discussão é a CBF, autora de um calendário indefensável. Ao alterar datas, a entidade desvaloriza seu maior produto, o Brasileirão.

Dois tempos distintos

Enquanto conseguiu reter a bola, fazer parte do jogo acontecer no campo rival, o Vasco teve boa atuação no Mineirão. Neste período, foram bem os volantes, especialmente Hugo Moura, um dos grandes acertos do bom trabalho de Rafael Paiva. Mas mesmo antes da expulsão de Matheus Carvalho o time já sofria mais no segundo tempo. O ponto trazido de Belo Horizonte não ajuda na briga por vaga na Libertadores, tampouco encerra o sonho.

Vasco segurou empate com o Cruzeiro, no Mineirão — Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro
Vasco segurou empate com o Cruzeiro, no Mineirão — Foto: Gustavo Aleixo/Cruzeiro
Fonte: O Globo