Sacrifício. Desgaste. Viagens e até loucura - foi a expressão que Muricy usou ao lembrar que decidiu a equipe que ia entrar em campo horas antes da partida, pois seria praticamente escalada a partir da avaliação física dos atletas. No
Flamengo de 2016, o vocabulário estava previsível desde a pré-temporada com a falta do Maracanã. A solução improvisada, que seria o estádio do América, em Mesquita, logo foi vetada e acentuou o problema, levando a um campo mais físico do que técnico as entrevistas e comentários dos jogos do time de Muricy. Depois de encerrar série sem vitórias com os 3 a 0 sobre o Boavista, o Flamengo se prepara para encarar o Bangu, em Macaé, no domingo, com fôlego renovado.
A sequência de dois jogos durante a semana por mais de 40 dias entre Volta
Redonda, Brasília e outras cidades - em mais de 20 mil quilômetros rodados pelo país - fez o departamento de futebol e a diretoria reverem o planejamento e até considerarem voltar ao Giulitte Coutinho - em parceria com o Fluminense. Com investimento alto em aparelhagem que mede
níveis de fadiga muscular, física e mental, o departamento de futebol percebeu
que a quilometragem percorrida pelos jogadores em campo diminuiu,
principalmente no segundo tempo das partidas. A conclusão: é preciso aumentar o
elenco para tornar o rodízio mais que opção a regra do Flamengo para toda a temporada de 2016.
O preparador físico Carlito Macedo, que chegou
com o técnico Muricy Ramalho, revela alívio com duas semanas livre para treino.
O sentimento é compartilhado pelo Ninho do Urubu e pelo coordenador científico e
fisiologista Daniel Gonçalves. Em participação no Seleção SporTV na
terça-feira, Muricy Ramalho contou que, para o jogo contra o Botafogo, recebeu a
última avaliação de dados físicos de seus jogadores – que muitas vezes têm determinado
a escalação da equipe - poucas horas antes do clássico disputado em Juiz de
Fora.
No Centro de Excelência em Perfomance do
Flamengo, a missão de Daniel Gonçalves, dos fisiologistas e de outros
profissionais do clube é preparar a recuperação dos atletas o mais rápido
possível. Mas não apenas no aspecto físico, mas também na fadiga emocional. O
coordenador científico do clube compara as condições dos atletas a situações de
fim de temporada.
- O problema é que começamos muito
precocemente a gerar fadiga mental nos atletas, então gerou uma situação
preocupante – explica o fisiologista Daniel Gonçalves, lembrando que o conforto de um ônibus e até de um avião fretado podem amenizar os impactos, mas não evitam os prejuízos na recuperação dos atletas.
- A
logística das viagens é complicada, por mais que você planeje
adequadamente. Por exemplo: você sai de Brasília, logo
depois de um jogo, mas tem o traslado até o
aeroporto e precisa de toda a permissão da ANAC para poder viajar. No
ônibus, não tem pressurização e despressurização da cabine, que é ruim, mas para subir para Volta Redonda tem duas serras. Isso tudo conta.
Com ressalvas e procurando afastar
qualquer desculpa ou justificativa por resultados ruins – após ficar seis jogos
sem vencer, reencontrando a vitória no último fim de semana nos 3 a 0 contra o
Boavista -, Gonçalves diz que a exigência de um mês com dois clássicos (Vasco e
Botafogo), viagem para Brasília e Aracaju (jogo contra o Confiança) e sequência
de maus resultados uniram o desgaste físico ao psicológico.
- Toda essa exigência física
e mental foi analisada e foi visto que já estávamos avançados demais. Para um
início de temporada, que é uma fase de obtenção de ganhos, a gente já estava
numa situação de ter que tirar. Poderia dizer que estávamos numa decadência num
período em que teríamos de estar ascendendo. E culminou com período de
jogos decisivos – afirma o coordenador científico do Flamengo.
O preparador físico Carlito Macedo lembra que este momento de pausa tem
sido fundamental não só para Muricy fazer repetições, acertar o time
taticamente e entrosar os titulares. Sem citar nome de jogadores, lembra que o
objetivo é recuperar “série de atletas” que apresentavam pequenas lesões e
aprimorar a forma física de outros.
- Estamos cuidando para fazer recuperação mais pontuais. Esses dias vão
nos dar fôlego grande para os próximos jogos – aposta Carlito Macedo.
Atletas sem descanso
Entre viagens de 2h30 de ônibus a pouco mais de uma hora
de avião, a maior preocupação é a recuperação dos atletas para as partidas
consecutivas. Daniel Gonçalves lembra que, além do prejuízo técnico da falta de
trabalho em campo, a determinação de aumentar o rodízio se deu de vez em meio à
percepção de que havia atletas que atuaram a maioria dos jogos e quase não
saíram de campo. A fadiga mental era mais forte do que a muscular.
- O cara às vezes está recuperado muscularmente,
em termos de energia, mas mentalmente está fadigado. É como no final da
temporada que ele não quer nem saber de programa esportivo, quer abstrair por
completo. Fizemos as contas e nos deslocamos tanto quanto os times que estavam
disputando a Libertadores ou até mais, até mais que o Palmeiras, por exemplo. E
era importante ter possibilidade de
rodar mais o elenco. Diferentemente dos times da Libertadores, estávamos
rodando pouco o elenco. Tínhamos atletas com 80% participação em jogos na
temporada, o Atlético-MG estava com 50%. É uma fase de ganhos, e o jogador
ainda não atingiu o ápice. Ele ainda está se condicionando – lembra Gonçalves.