Ex-Flamengo, Roger conta que gol pela Polônia garantiu presente que nunca quis: "Cerveja vitalícia"

A união das paixões nacionais cerveja e futebol é parte da cultura brasileira. Imagine fazer um gol por um país que não é o seu, tornar-se herói nacional e ganhar um presente inusitado: "cerveja vitalícia" . Pois foi esse o prêmio que Roger Guerreiro, ex- Flamengo , recebeu em 12 de junho de 2008, quando saiu do pé esquerdo dele o primeiro gol da história da Polônia em edições da Eurocopa.

Se hoje a seleção polonesa é figurinha carimbada na Euro e a disputa pela quinta edição consecutiva, há 16 anos o país debutava na competição. A estreia foi com derrota para a Alemanha, mas no jogo seguinte, contra a Áustria, Roger fez história. E nesta sexta, dia de mais um Polônia x Áustria pela Eurocopa, o brasileiro revive o fato às gargalhadas.

- Foi exatamente isso que aconteceu. Foi surpresa, ninguém sabia. Joguei o segundo tempo do jogo com a Alemanha, na estreia, e perdemos por 2 a 0. No seguinte, eu faço aquele gol, a gente sai na frente, e no fim a Áustria empata. No pós-jogo, o pessoal da federação veio falar comigo que já existia um combinado que os patrocinadores dariam para o autor do primeiro gol da Polônia cerveja vitalícia - contou Roger Guerreiro, que havia se naturalizado polonês dois meses antes do início da Euro 2008.

O prêmio que é sonho de muito jogador não fez qualquer sentido para Roger. Sorte de Saganowski, que não é nome de vodka. Trata-se do camisa 11 da Polônia naquele 12 de junho de 2008. O atacante recebeu na área, cortou para fora e bateu de pé esquerdo. O goleiro desviou, e o brasileiro apareceu para empurrar e tornar-se eterno.

- Eu poderia tomar cerveja pela vida toda, mas não sei exatamente como seria a logística porque, como não bebo, eu nem me interessei pelos detalhes. Já citei logo que não bebo, e foi logo aquele alvoroço: "Poxa, logo para o cara que não bebe". Presenteei o Saganowski, que foi o jogador que participou do gol. Ele cortou dentro da área, chutou, e o goleiro espalmou no meu pé. Ele que está usufruindo desse presente que eu ganhei.

Roger diz que não quis maiores detalhes de como poderia desfrutar de um presente que nunca lhe encheu os olhos, mas a reportagem do ge , com auxílio do tradutor, encontrou reportagem de um site local. Sagnowski ganhou não apenas o direito de "cerveja vitalícia", mas também de usufruir diariamente do benefício (veja na imagem abaixo) .

Roger presenteou Saganowski — Foto: Tradução do site Zycie Warsawy.PL

- Eu o encontrei anos depois lá na Polônia, já aposentado também e trabalhando no Legia Varsóvia. Não sei se ele continua ainda lá (saiu em 2020), mas ele falou que estava usufruindo, que realmente era verdade e não era papo de patrocinador (risos). É um cara super gente boa.

O prêmio desprezado por Roger teria gerado uma disputa intensa dentro do grupo da Polônia? O ex-lateral de 42 anos brinca e afirma que todos seus companheiros estavam de olho na cerveja vitalícia, mas os critérios para escolher Saganowski eram justos. O 11 polonês, que tinha passagem pelo português Vitória de Guimarães, agradeceu com pequenos escorregões no idioma.

"Obrigado pour serveja. Amigo Sagá" (veja na foto abaixo)

Saganowski agradeceu a Roger pela "serveja" — Foto: Arquivo Pessoal

- Eles todos queriam, mas eu tinha uma proximidade com o Saganowski. Ele tinha jogado em Portugal, soltava algumas palavras em português. Teve aquele chororô no grupo de "divide comigo", mas nada de muito alvoroço. Foi bem presenteado, tanto que ele me deu uma camisa autografada com o agradecimento pela cerveja. E escreveu cerveja com s (risos). Ele disse: "Preciso te presentear para agradecer". Guardo até hoje, é uma recordação muito bacana. Tenho a chuteira daquele gol histórico e essa camisa do Saganowski.

Roger Guerreiro ganhou a camisa de Saganowski, que agradeceu pela "Serveja" — Foto: Arquivo Pessoal

Roger realmente não poderia aceitar o presente de um dos patrocinadores da federação polonesa de futebol. Quatro anos antes de fazer história no país europeu, passou por teste de fogo no Flamengo . Após uma vitória do Rubro-Negro, ele e companheiros foram para Bangu, na Zona Oeste do Rio de Janeiro, comemorar o aniversário de Douglas Silva, volante da equipe que se sagraria campeã estadual.

Quem é do Rio sabe que o calor de Bangu é um convite aos apreciadores de cerveja. Como Roger não faz parte do clube, nem mesmo toda a pressão dos companheiros o fez entrar para o "time do danone".

- Depois de um jogo, fomos para um aniversário do Douglas Silva na casa dele. Ele morava em Bangu. Fomos eu, Jean, Júnior Baiano. E os caras, em sua grande maioria, bebem nos dias de folga. A galera gosta da sua cervejinha, o famoso danone. E os caras me forçando lá a beber. "Hoje você vai beber". Me seguraram, jogaram cerveja na minha cara, mas eu não gostei. Tentaram me fazer beber. Júnior Baiano, Diogo, Douglas Silva... Tinha uma galera que gosta legal de um "danone", eles iam aproveitar bem esse presente (risos).

- Cheguei a dar um golinho para acabar com a palhaçada, mas não gostei. Depois disso nunca mais provei, no máximo tomo um golinho de champanhe no Ano Novo, mas mesmo assim o champanhe de criança, sem álcool.

Roger Guerreiro voou alto no histórico Fla-Flu de 1º de fevereiro de 2004 — Foto: Acervo O Globo

Convidado a escolher um ex-companheiro do Flamengo para presentear caso pudesse dar o prêmio a algum deles, Roger não teve dúvidas.

- Eu daria o presente para o Douglas, é um cara super gente boa. A gente tem contato até hoje. Com certeza ele iria usufruir do prêmio. Com cerveja vitalícia, ia ser aniversário dele todo dia (risos).

Cerveja vitalícia à parte, fato é que Roger gravou seu nome na história da Polônia com aquele gol sobre a Áustria. E, para vencer em um país onde sofria a desconfiança dos nativos e especialmente de torcedores rivais do time que defendia - o Légia Varsóvia -, o brasileiro, então aos 26 anos, teve de fazer jus ao sobrenome Guerreiro.

- Esse gol representa muita coisa. Enfrentei muitas dificuldades na Polônia, principalmente no início. Questão de adaptação, língua, o clima. Quando surgiu a possibilidade de naturalização, houve resistência por parte da torcida, principalmente pelos rivais do Legia Varsóvia. Através daquele gol, eu consegui conquistar o coração dos poloneses.

- Depois daquela Euro, os mesmos poloneses que falavam que eu nunca seria polonês estavam lá querendo tirar foto comigo e me agradecendo pela Eurocopa que eu fiz. Apesar de o resultado coletivo não ter sido bom, eu fiz três bons jogos pela seleção. Foi uma coisa muito positiva. Até hoje recebo mensagens. Quando tem Eurocopa, o pessoal brinca e fala: "Que pena que não tem você aqui para dar os passes para o Lewandowski". Isso me deixa muito feliz por saber que tive uma passagem muito positiva pela seleção polonesa - encerrou Roger, que aposta entre 2 a 1 e 3 a 1 Polônia para o jogo desta sexta-feira contra a Áustria, pela segunda rodada da Euro.

O gol histórico foi com a camisa da Polônia, mas Roger é brasileiro e não desiste nunca. Por isso venceu as barreiras que lhe foram impostas no Velho Continente. Um brinde ao Guerreiro que até hoje é respeitado em terras polonesas e que não é esquecido pelos rubro-negros pelos feitos nos inesquecíveis Fla-Flus da campanha do título carioca de 2004.

Roger Guerreiro, Polônia — Foto: AFP

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Fonte: Globo Esporte