Éverton Silva e o "F...-se o pênalti" de Pet num Flamengo x São Paulo: "Achei que ia mandar me despedir"

O Flamengo perde por 1 a 0 e precisa da virada para ter chance de voltar a ser campeão nacional. O cenário atual é semelhante contra o São Paulo na Copa do Brasil, mas ainda há mais de 90 minutos em jogo numa decisão de duas partidas. Em 2009, quando o clube amargava jejum de 17 anos no Brasileiro, competição em que fora hegemônico de 1983 a 2008, a necessidade de reviravolta contra o Tricolor Paulista era imediata para seguir vivo no sonho do hexa. E a desvantagem tinha que ser resolvida em pouco mais de 30 minutos.

Para isso, o Rubro-Negro precisava de bola, mas também de muita força mental. Num elenco extremamente heterogêneo, o Flamengo tinha jogadores cascudos aos montes. Adriano Imperador, o pentacampeão do mundo Kleberson, os "laterais-atacantes" Léo Moura e Juan, Álvaro, Maldonado e um ídolo com idade avançada chamado Petkovic. Não faltava experiência e nem psicólogo - o Fla tinha à frente do departamento o renomado Paulo Ribeiro.

Everton Silva, o coach de 21 anos

Éverton Silva Flamengo — Foto: Agência Vipcomm

Coube a um garoto de 21 anos, recém-chegado do Friburguense por empréstimo, viver seu dia de coach. Petkovic, o homem das bolas paradas e herói de 2001, liderava, ao lado do Imperador, a arrancada do então sexto colocado do Campeonato Brasileiro. O time, que chegou a lutar contra o rebaixamento, ainda parecia longe do sonhado hexa. Mas o momento era positivo, e o time vinha de sete jogos de invencibilidade.

O então atual tricampeão São Paulo abriu o placar com Hernanes no primeiro tempo, e a reviravolta só começou a se desenhar aos 16 minutos da etapa final, quando Jorge Wagner cometeu pênalti em Toró.

Sem Adriano, que estava com a seleção brasileira, a penalidade cabia a Petkovic. Especialista, o sérvio bateu, e Rogério Ceni se esticou para espalmar. Anticlímax no Maracanã, mas a bandeira subiu, e o pé direito de Ceni à frente da linha do gol foi flagrado.

O Maracanã gritava: "Pet, Pet, Pet" após o erro preliminar. Apoio maciço, mas um conselho ao pé da orelha e uma dica baseada em um palavrão de seis letrinhas separados por um hífen é que faria toda diferença. Foi a isso que o gringo relacionou o gol em entrevista após o jogo.

Everton Silva, que substituía o suspenso e importantíssimo Léo Moura, no alto de seus 21 anos, chamou o garoto de 37 para conversar e disse: "F...-se o pênalti" . Pet converteu e deu a assistência para Zé Roberto em uma das vitórias mais importantes do Flamengo naquele Brasileiro. Catorze anos depois, Everton, hoje jogador do CSA, diverte-se com a ousadia.

- Cara eu confesso que pensei depois que ele ia mandar alguém me despedir 😂😂😂😂 - afirmou, via Whatsapp, antes de a conversa por áudio ser iniciada.

Éverton Silva lembra que, a 10 rodadas do fim e com o Flamengo a 12 pontos do líder Palmeiras, somente a vitória contra o favorito São Paulo interessava. E o Rubro-Negro não tinha Adriano, com a seleção brasileira, e os suspensos Léo Moura e Airton. A ausência de Léo, aliás, fez Everton jogar - e muito bem, tanto que levou nota 7 de "O Globo" do dia seguinte.

- Lembrar daquele jogo chega até a arrepiar porque foi um jogo muito decisivo. Lembro que o Flamengo precisa vencer aquele jogo para ser campeão (continuar com chances). Sobre aquele momento, lembrei das palavras dele no vestiário. Ele falou que, independentemente de idade, todos nós deveríamos ajudar uns aos outros dentro de campo. Quando ele perdeu aquele pênalti, me veio na cabeça de falar com ele porque ele era um cara muito importante.

- A torcida sempre idolatrou muito o Pet e também o Adriano. Só que ele era um cara que era de arrepiar. Ele tinha um carisma e uma coisa que chega a ser inexplicável. Naquele momento, eu cheguei e falei com ele as seguintes palavras: "Pai, você é o nosso pai. Você é o pai da nação. Não vai ser um pênalti que vai te abalar". Desculpe a expressão, mas eu falei: "F...-se o pênalti, eu sei que você vai bater o segundo e você vai fazer o gol" Graças a Deus, deu tudo certo, ele fez o gol, e o Maracanã explodiu.

Confira reportagem do dia do jogo entre Flamengo e São Paulo — Foto: Acervo O Globo

O Flamengo virou contra o São Paulo. Petkovic empatou e deu o passe para Zé Roberto virar. Das nove rodadas faltantes, o Rubro-Negro fez 22 de 27 pontos possíveis e conquistou o hexacampeonato.

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Quando a reportagem te procurou e perguntou sobre sua frase, você disse que temeu que o Pet pedisse sua demissão. Por quê?

- Chega a ser engraçado (risos). Só de lembrar vem um filme na cabeça. É porque eu era muito novo, tinha acabado de iniciar minha trajetória no futebol. Como que eu ia acalmar um cara que já era consagrado e que já tinha jogado até no Real Madrid? Um cara que era até temido pelos outros times. Um moleque de 20 anos de idade acalmar um cara consagrado no futebol... Então não sei se foi uma atitude muito corajosa ou se foi até estupidez da minha parte, mas ainda bem que ele era um cara por quem eu tinha um carinho especial. Eu tratava como pai, e ele soube entender o que eu quis falar para ele.

O que representa aquele jogo para você? Você foi um baita psicólogo que até fez o Pet fazer um golaço de pênalti, algo incomum.

- Aquele jogo foi muito especial porque simboliza muita coisa na minha carreira, vou guardar aquele jogo no meu coração para sempre. Quem é flamenguista de verdade se arrepiar de lembrar. Foi uma vitória com a cara do Flamengo , com a cara do torcedor. O torcedor raiz jamais vai esquecer. É de arrepiar só de lembrar.

- Flamengo e São Paulo sempre fazem jogos disputados e pegados. São Paulo saiu na frente, fizeram um gol com Hernanes, só que o Maracanã e a força da torcida nos ajudaram bastante. E eu fui o cara que foi usado por Deus para ser um psicólogo. Conforme eu falei, não sei se foi muita coragem da minha parte ou estupidez de falar o que falei para um cara que é o pai da nossa nação. Pet é um grande ídolo, para mim um grande pai. Eu, como flamenguista doente, roxo, tenho fé que o Flamengo vai chegar lá no Morumbi e se sagrar campeão.

Petkovic comemora gol contra o São Paulo — Foto: Acervo O Globo

Palpite

- Palpite para esse jogo é 2 a 1 Flamengo . Acredito que o Flamengo vai ser aquele Flamengo que a torcida está acostumada a ver. Aquela decisão com a cara do Flamengo . Tem que ser suado, no limite e no esforço. E nos pênaltis o Flamengo vai se consagrar campeão. Essa é a minha fé, isso é o que eu acredito como mais um rubro-negro apaixonado.

Por que acreditar no Flamengo ?

Everton Silva, Petkovic e Juan comemoram o hexa do Flamengo — Foto: Reprodução

- Ser Flamengo é ser tudo. Ser Flamengo é ser diferente. Ser Flamengo é ser aquele cara que é inexplicável. Ser Flamengo é ser doente por uma coisa que é inexplicável porque ninguém consegue entender. Ninguém consegue entender o que é ser Flamengo . Parece que as coisas mudam quando acham que o Flamengo está derrotado.

- Costumo brincar com um amigo meu: "Cara, não é possível, Deus é flamenguista". Ele fica com raiva, mas eu brinco por causa das coisas que acontecem com o Flamengo . Parece que somente Deus deixa as coisas acontecerem, como aquela final da Libertadores com o gol do Gabriel Barbosa. Chorei demais, mas eu chorei demais. Todo mundo achou que o Flamengo estava derrotado, do nada sobrou aquela bola. Meu irmão, é coisa de se arrepiar.

Lateral-direito do CSA hoje, aos 35 anos

- Falar do CSA, eu tenho o máximo respeito e um carinho gigante não só pelo clube, mas também pelo torcedor. Até hoje tenho uma identidade muito grande com o torcedor, eu sou um pouco frustrado porque não consegui conquistar títulos aqui. Mas, graças a Deus, com apresentações boas, o torcedor reconheceu meu esforço dentro de campo e ficou marcado. Só que futebol é muito dinâmico, não sei o que pode acontecer. Hoje deixo nas mãos do meu empresário, que foi um cara que jogou comigo no Flamengo , o Rômulo Noronha. Ele está vendo essa parte para mim sobre uma possível renovação ou se vou seguir o meu caminho. Como o clube está em mudança de diretoria, tenho de esperar o tempo de Deus e o que pode vir acontecer na frente.

Everton Silva, lateral do CSA — Foto: Morgana Oliveira/CSA

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Fonte: Globo Esporte