'Estava na hora de eu voltar a ser feliz', diz Romário sobre vinda para o Flamengo em 95

A negociação para o retorno do melhor jogador da Copa do Mundo-1994 ao Brasil foi tão rápida que os dirigentes de Flamengo e Barcelona gastaram mais tempo tomando vinho do que discutindo os termos do contrato. Naquele 9 de janeiro de 1995, em uma ampla sala de um hotel catalão, Kleber Leite, então presidente rubro-negro, e Joan Gaspart, vice-presidente do Barça, selaram o acordo pelo pagamento de US$ 4,5 milhões por Romário.

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Herói do tetra nos Estados Unidos e principal estrela do futebol mundial naquele momento, o Baixinho tinha mercado em qualquer país europeu, mas escolheu o Flamengo por um motivo: voltar a ser feliz.

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— Faria tudo de novo. Foi uma das maiores decisões que tomei na vida. Não me arrependo. Foi uma volta que envolveu minha felicidade. Estava na hora de eu voltar a ser feliz. Foi o que fiz – disse Romário, que semana passada participou da primeira partida da seleção de masters. – Financeiramente, passei a ganhar muito menos. Mas fui feliz. É o que vale.

Ao contrário do cenário atual, as finanças do Flamengo estavam longe de serem saudáveis. No ano anterior, o atraso salarial era corriqueiro. Mas uma estratégia foi usada para financiar a contratação: um pool de empresas bancou tudo.

Em 14 de janeiro, Romário seria recebido no Rio, em clima de carnaval antecipado, com direito a desfile de caminhão seguido por uma legião de torcedores. A estreia foi no dia 27, em empate contra o Uruguai por 1 a 1, no Serra Dourada.

Um dia após a reunião em Barcelona, o dinheiro estava na conta do clube catalão.

— O Gaspart é muito rico, dono de rede de hotéis. Quando disse que pagaria no dia seguinte, o cara ficou louco. Naquele momento, o Flamengo mudou de patamar — conta Kleber Leite.

O passo seguinte foi discutir o contrato. Segundo o ex-dirigente, os catalães tentaram inserir "cascas de banana". Mas não tinha mais volta.

O representante de Romário, o advogado italiano Giovanni Branchini, ajudou no processo e também atuou para convencer o técnico Johan Cruyff e deixar Romário sair.

— Romário percebeu que a ideia do técnico era um jogo mais focado no grupo do que em um, dois craques. Tive várias reuniões com o Cruyff. Meu papel era obter a luz verde. Uma hora ele aceitou. Foi a primeira besteira de um grandíssimo treinador. A segunda foi deixar o Ronaldo sair do Barcelona — contou o italiano ao GLOBO.

Para Branchini, o aval de Cruyff já tinha comprometido a relação com Romário e a visão da torcida em relação ao atacante.

Decifrando o Baixinho

Entender o que Romário desejava para a carreira foi crucial para o timing da negociação. Kleber se valeu da dica de um amigo, o jornalista Gilmar Ferreira, hoje colunista do “Extra”.

— Escrevi a biografia do Romário na Holanda em 1993. Quando voltei ao Brasil, ele me pediu para sugeri-lo ao clube. Falei do São Paulo, que era bicampeão mundial, estava bem financeiramente. Mas ele queria jogar no Rio de Janeiro. Pelo cenário, era Flamengo ou Vasco. Ele não quis o Vasco. Saiu sem ter uma boa relação. Quando o Kleber Leite foi eleito, disse que estava dentro — relata o jornalista.

Como efeito da contratação, veio a expectativa pelo o que aquele Flamengo de Romário poderia alcançar. O programa de sócios teve um salto de adesões de 4 mil para 40 mil. Nos anos seguintes, o clube costurou acordos mais vantajosos, como o de fornecedor de material esportivo.

Nos rivais, a transação também chamou atenção. Um deles era Ricardo Rocha, campeão do mundo com Romário em 1994 e que defendia o Vasco.

— Quando eu falo de atacante, homem de área, para mim, Romário é gênio, maior do mundo. O Rio tinha ele, Túlio, Renato Gaúcho, Edmundo. Foi um ano mágico —contou o ex-defensor.

Dentro de campo, por outro lado, o período do Baixinho no Flamengo teve saldo frustrante. Ele foi campeão carioca de 1996 e ganhou a Mercosul em 1999. Após o Brasileiro daquele ano, já na gestão Edmundo Santos Silva, o Flamengo rescindiu contrato com o jogador após ele ir a uma boate em Caxias do Sul.

— João Saldanha dizia que ídolo é tão importante quanto título. Romário representou uma retomada de marca. Poderíamos ganhar mais. Mas é questão de estrutura. A prioridade nesse período era manter a dignidade— admite Kleber Leite.

Do próprio Romário, 25 anos depois, vem o discurso de que valeu a pena:

— Não tive muito título, mas tenho certeza que tenho um pouco de importância na história.

Fonte: O Globo