Entrevista: Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, culpa calendário por resultados aquém da expectativa e defende Marcos Braz

No gabinete presidencial do Flamengo , na Gávea, sala que ocupa há quase seis anos — e que deixará de ser sua em 31 de dezembro, data do fim do mandato — , Rodolfo Landim exibe com carinho uma foto colorida de Zico e um escudo enorme do clube com seu nome dentro. Na parede, os maiores quadros são fotos com elenco, comissão e diretoria de times vencedores. De um lado da sala, o de 2019, campeão brasileiro e da Libertadores. Do outro, o de 2022, que venceu a Copa do Brasil e o torneio continental.

Foi nesse cenário que o presidente do Flamengo recebeu O GLOBO para uma conversa de mais de duas horas, em que fez um balanço da gestão, apresentou justificativas e não se mostrou incomodado por não ter, ao menos por enquanto, um terceiro quadro, com grandes conquistas de 2023 ou 2024. Prestes a ver o clube disputar a terceira final de Copa do Brasil seguida, ele diz querer “ganhar tudo”: “Meu trabalho é preparar o clube sempre para o sonho”.

O que mudou no futebol de uma gestão (2019-2021) para a outra (2022-2024)?

O ambiente competitivo do futebol brasileiro era diferente, era menor. Porque havia menos recursos, porque as SAFs ainda não estavam investindo tanto... Os técnicos que nós tínhamos aqui e a forma de jogar eram um pouco diferentes. Isso começou a mudar quando a gente trouxe o Jorge Jesus. Os outros clubes também começaram a mudar a percepção deles, a buscar mais técnicos estrangeiros, de outras escolas. Isso fez com que a forma de jogar futebol mudasse aqui no Brasil.

Após títulos em 2019 e 2020, já são quatro edições de Brasileirão longe do sonho para o torcedor rubro-negro. Há críticas de que o clube negligencia a competição, poupando para jogar as copas.

O que a gente quer é ganhar tudo. E tenta se preparar para ganhar tudo. A gente tenta qualificar o plantel para ter um grupo de jogadores mais ou menos do mesmo nível. É uma maneira de rodá-los, se houver necessidade. O grande problema é que a gente perde os jogadores para as seleções, então acaba jogando com o que tem. Tem crítica de que o Flamengo abandona o Brasileiro. É o Brasileiro que abandona o Flamengo. Os caras pegam e botam 14 jogos dentro da Copa América ou Data Fifa. São 38 rodadas, um campeonato supercompetitivo, eu qualifico o meu time, e aí sou obrigado a ceder uma porrada de jogadores. São eles que me tiram do Campeonato Brasileiro, não sou eu que saio.

E aí prioriza as copas?

É óbvio que eu olho a probabilidade de evoluir dentro de uma competição ou da outra. Mas, quando a gente é obrigado a jogar vários jogos sem os nossos jogadores principais e se afasta da pontuação do líder, você tem que tomar uma decisão. O técnico é obrigado a tomar esse tipo de decisão. Não é opção do Flamengo, a opção é sempre ter o melhor plantel possível, na expectativa de que vai poder contar com todos os seus jogadores o tempo todo. O problema é que em data da Conmebol não tem convocação de jogador do Flamengo. Então, passa uma percepção de que o Flamengo na Copa do Brasil e Libertadores joga sempre com seu melhor plantel. É fato. Sabe por quê? Porque eu tenho meus jogadores. No Brasileiro, eu não tenho. Eu queria jogar com todos, se me dessem a chance.

As convocações prejudicam a preparação física?

Toda vez que cede um jogador, a gente não controla o que os preparadores físicos fazem com ele. Isso acontece na seleção brasileira, imagina nas estrangeiras. A gente mandou o Pedro e falou: “Ele está voltando de lesão”. E o Pedro estava querendo jogar na seleção. Ele forçou a volta. O Pedro vai dizer que quer jogar e você não vai escalar ele? Pelo plano de treinamento, era para ele correr no máximo, sei lá, 1.500 metros, que era o que a gente faria, recomendar a carga. O cara foi correr 4.800 metros. No dia seguinte, na primeira jogada, se lesionou. A gente não controla, cede jogador e fica na mão da preparação física.

O Flamengo ainda disputa a Copa do Brasil neste ano. Se não ganhar, vai ficar sem títulos grandes nas últimas duas temporadas. Você coloca na conta do calendário e do aumento da competitividade?

Não tenho a menor dúvida de que, se a gente pudesse contar com todo nosso plantel em todas as rodadas, a probabilidade de ganhar o Brasileirão seria grande.

E como resolver o calendário?

Existe um grupo na Comissão Nacional de Clubes. A gente fez propostas claras e objetivas para a CBF. Formas de tentar reduzir os Estaduais. Ou envolver datas que foram tiradas, como a da repescagem da Sul-Americana. Acaba com essa porcaria. O problema é que a Conmebol é meio imperial, chega e estabelece. Que se dane, você que se adapte. Aí vem o Mundial de Clubes roubar um mês do calendário. A Fifa está crescendo o futebol feminino, criando uma data Fifa. E vai querer empurrar esse troço. Sendo data Fifa, pode criar regra para não ter jogo, porque vai querer vender direito de TV. E, aqui no Brasil, vai afetar (o calendário), porque vai precisar dos estádios (na Copa do Mundo de 2027). Já falei com o Ednaldo (Rodrigues, presidente da CBF): “Você vai pegar o Maracanã para um jogo da China contra o Egito feminino? Vai dar 2 mil pessoas. Bota no estádio do America, em qualquer estádio do Rio de Janeiro. Bota no estádio do Bangu, pô. Porque não vai dar mais que 2 mil pessoas nesse troço, caramba”.

Aumenta-se as datas, mas não se corta o Estadual...

É um jogo de "rouba montinho". Todo mundo toma data, e o ano não cresceu, continua tendo 52 semanas. Eu não digo que precisa cortar as 16 datas do Estadual. Poderia ter um critério. Se o clube se classificou para uma competição internacional, entra numa fase posterior. Você fica com cobertor curto, acaba invadindo as datas da Conmebol e da Fifa e quem é prejudicado? Os clubes que estão mais qualificados. A gente acompanhou coisas do tipo agora. A CBF resolveu mudar a data da semifinal da Copa do Brasil, contra o Corinthians, porque ia ser ou numa quarta-feira ou numa quinta-feira, tendo todos os jogadores jogado numa terça-feira (pelas seleções). Quem estava a favor disso? Flamengo e Atlético-MG. Porque iam perder jogadores. Vasco e Corinthians não estavam. Por quê? Porque eles não iam ser afetados.

A Comissão também discute fair play financeiro? Sua visão continua a mesma?

A gente não se aprofundou nisso. Não me interprete mal. Sou favorável a investimento no futebol. Por um lado, as SAFs investirem no futebol é bom. Porque melhora a qualidade do produto. Agora, como funciona isso? Uma vez, eu respondi num grupo de WhatsApp (disse que vivemos “tempos de SAF sem fair play financeiro”), John Textor (dono do Botafogo) respondeu já preocupado. Falei: “Cara, não estava falando para você”. Minha preocupação é porque agora tem grupos transnacionais. Você está saindo de um negócio que não é mais só o teu país. E as regras têm que valer para o todo. Aqui não tem fair play financeiro. Na França, você tem. E aí uma forma de aumentar a competitividade desse clube daqui é montando uma barriga de aluguel. Eu não estou dizendo que isso está acontecendo. Estou dizendo que pode acontecer.

Não é um problema com o modelo das SAFs, então?

Volto a dizer que investimento no futebol brasileiro é bom. Mas abre janela para se fazer movimentações esdrúxulas e, às vezes, gerar distorções que são grandes demais. Pode deixar, de repente, (o clube) endividar um pouco e tal. Mas um time que teve R$ 330 milhões de receita no ano passado investir R$ 550 milhões neste é maluquice. No Flamengo, faturo R$ 1,37 bilhão e invisto, sei lá, R$ 300 milhões, que é o que consegui gerar de diferença.

O Flamengo não trocou demais de técnico na sua gestão?

Não. Trocou quando teve que trocar. Quando a gente troca, é porque está vendo passar um período em que o time não tem o desempenho de que precisava. Quando vê que o grupo começa a não acreditar, você precisa fazer a troca. Tite ficou 360 dias, um tempo razoável. Não ficamos nenhuma vez com um por muito tempo, é verdade, mas não significa que nossa expectativa não era ficar.

O que não deu certo com Tite?

Resultado, né? E ele ganhou o Carioca, hein? Eu vi uma manchete do GLOBO: “Flamengo pode só ganhar o Carioca”. O Estadual foi disputado com o último campeão da Libertadores e provavelmente o próximo. E o Flamengo ganhou. Mas não é considerado importante quando se ganha. Quando perde, é um problema. E o Flamengo ainda está disputando o Brasileiro, com probabilidade baixa, e está na final da Copa do Brasil. Fico imaginando uma manchete assim: “Flamengo vai para a terceira final seguida da Copa do Brasil”. A notícia não é a possibilidade de não ser campeão. É o fato de você ter conseguido montar uma equipe com consistência para disputar três finais seguidas de uma competição.

A cobrança é maior que isso...

Quando nossa gestão começou, a Libertadores existia há 58 anos. O Flamengo havia disputado uma final. A gente disputou (desde 2019) seis Libertadores. Fez três finais e ganhou duas. E está ruim. Em 48 anos de Campeonatos Brasileiros (desde 1971), o Flamengo tinha ganhado seis, um a cada oito anos. Passamos seis anos aqui e ganhamos dois. E o Campeonato Carioca... O Flamengo começou a disputá-lo em 1912. São 107 anos. Tínhamos 34 títulos — menos que um a cada três anos. A gente disputou seis e ganhou quatro — dois a cada três anos. E nunca na história do futebol carioca um clube havia chegado a seis finais seguidas no torneio. A turma quer mais? Eu também quero. Mas outros clubes são estruturados. O lado bom dessa história, sinceramente, é que a gente acaba ficando vítima do próprio sucesso. A gente gera uma expectativa muito alta nas pessoas, e aí os caras acabam reclamando.

A situação de Gabigol depende do que para se definir?

A situação é a mesma há meses. Ele tem uma proposta. O presidente do clube sou eu, os caras estavam negociando, mas não foi nada fechado. Eu não estou deixando ele ir embora. Tem a proposta. Então, se ele for, é porque encontrou alguma coisa melhor. Acho que o Gabigol também quer ficar no Flamengo. Agora, as coisas precisam se juntar. O Flamengo precisa ter a perspectiva de que ele vai ter um desempenho bom durante vários anos. Porque uma coisa é fazer uma aposta por mais um ano. Outra é fechar contrato por cinco anos com o salário elevado.

A situação do Bruno Henrique influenciou nessa proposta mais tímida para o Gabigol?

A gente fez uma proposta para ele de dois anos de contrato. Virou três anos no fim da negociação. A gente sentiu que ele queria ficar no Flamengo, e ele deixou dinheiro na mesa para continuar. Ele tinha uma proposta para jogar no exterior melhor, economicamente falando. E ele resolveu ficar no Flamengo. E a gente não tinha por que duvidar de que ele ia estar jogando bem. A gente estendeu essa negociação porque ele estava voltando de uma lesão grave.

Já se pode cravar a capacidade do novo estádio, a ser erguido no Gasômetro?

Ainda há coisas para amarrar com os Bombeiros em relação ao projeto. Dependendo do que a gente negociar, vai poder aumentar ou diminuir o número de pessoas do estádio. Mas os números são entre 75 mil e 79 mil lugares no total.

Como está a negociação para a venda de naming rights?

A gente já está fazendo alguns contatos. Tem gente até vindo do exterior para assistir ao jogo no domingo.

A liga de cubes ainda tem jeito?

Minha finada avó falava que, às vezes, as coisas se resolvem na vida por amor ou pela dor. Acho que não foi no amor, mas espero que na dor a gente resolva. Porque a gente precisa criar a liga. Eu acho que o grupo que a gente fez (Libra) traz mais valor para a mesa. E que o outro grupo (Liga Forte União) vai ter dificuldades. Não só por terem menos dinheiro na mesa, como também pelo fato de que acabaram, talvez por necessidade imediata, comprometendo uma parcela da receita futura.

Qual é sua avaliação do trabalho de Marcos Braz como chefe do departamento de futebol ao longo desses anos?

Um sujeito que fica como vice-presidente de futebol durante seis anos num clube do tamanho do Flamengo sofre um desgaste monumental. Braz chega, e ele mesmo já declarou isso publicamente, ao fim de seis anos com todos os desgastes naturais de uma exposição num cargo como esse. Apesar de saber que tem esse desgaste todo, obviamente a avaliação que eu faço dele é muito boa. Porque, se não fosse, ele não estaria como vice-presidente de futebol. Eu teria demitido.

Rodrigo Dunshee, candidato da situação para sucedê-lo na eleição do mês que vem, disse em uma entrevista recente que não vale a pena profissionalizar tanto o departamento de futebol. Você concorda com ele?

Eu vi e sabia que isso geraria polêmica. Talvez ele se refira a concentrar tanto poder na mão de uma pessoa só. Ele quer profissionalizar, ele quer botar um cara para tocar. O que ele chama de profissionalizar é centralizar a profissionalização na mão de uma pessoa. E aí eu acho que ele tem razão.

E qual é o projeto para Filipe Luís? Caso ganhem a eleição, ele continua no cargo mesmo se perder a Copa do Brasil?

Filipe é um cara que, desde o último ano como jogador, vinha conversando conosco sobre essa vontade que tinha de se tornar técnico. A gente resolveu fazer um projeto para ele. E começava na base, porque, por mais que ele tivesse os conceitos de treinamento na cabeça dele, a função de técnico é completamente diferente da do jogador. Foi fruto até de um planejamento, de um plano de carreira que ele desenhou junto com a gente. E acho que ele tem esse DNA rubro-negro. Claro que a gente continua com ele em 2025.

Caminhando para o fim da sua gestão, passados seis anos, que palavras você usaria para descrever pessoalmente a experiência de ser presidente do Flamengo?

Foi legal, foi estressante, foi tudo. Está sendo legal. Você dedica seis anos da sua vida para uma coisa que é sua paixão. Não existe unanimidade, tem críticas... Mas, na média, o reconhecimento nas ruas, as pessoas indo te agradecer... É um negócio legal. E o fato de ter visto, durante esse período, por diversas vezes as pessoas orgulhosas na rua, vestindo a camisa do Flamengo... E saber que você, de alguma forma, ajudou a melhorar a autoestima dessas pessoas, é um negócio legal.

Fonte: O Globo