Entrevista: 'Não pode haver perda de performance para construir estádio', diz Luiz Eduardo Baptista, candidato à presidência do Flamengo

Luiz Eduardo Baptista é figura conhecida na política do Flamengo . Um dos membros originais da chapa que assumiu o clube a partir de 2013, já foi vice-presidente de Marketing, na gestão de Eduardo Bandeira de Mello, e de Relações Externas, com o atual presidente, Rodolfo Landim, que o incluiu no Conselhinho de Futebol. Hoje, Bap preside o Conselho de Administração e se apresenta como candidato de oposição. Na série de entrevistas com os presidenciáveis realizada pelo GLOBO, ele destacou a importância de se fazer novas receitas a partir da modernização digital e defendeu a profissionalização do futebol e o fortalecimento do setor de scout.

Como começou sua trajetória no Flamengo?

Comecei a me envolver em 2009. Contribuí com o time de basquete através da Sky, empresa da qual eu era presidente. O time ganhou tudo que podia, inclusive o Mundial. Isso abriu espaço para outras contribuições. Na época, o Flamengo estava mais em outras partes dos jornais que nas manchetes esportivas. Aquilo gerava uma vergonha enorme. Estava muito claro que o Flamengo precisava de um choque de credibilidade. Eu tinha a visão de que precisávamos montar como se fosse um plano de refundação. Havia conhecido Cláudio Pracownik, Rodrigo Tostes, Wallim Vasconcellos e outros na eleição de 2009. E falei: “Olha, vamos montar uma chapa para concorrer em 2012?”. Então, comecei a liderar esse movimento.

Fazia-se a leitura de que você seria o candidato da situação, apoiado pelo Landim...

Eu sou a situação. É só olhar quem está comigo e quem não está. Se você olhar o que prego e faço nesses 12 anos, não teve variação. Continuo acreditando em tudo aquilo. Quando vejo a utilização da máquina política do clube com viés eleitoral, viagem, ingresso... Olha a foto do último título conquistado pelo Flamengo (Copa do Brasil, no dia 10), as pessoas em campo... Faz sentido o clube levar a quantidade de pessoas que levou em avião fretado a Belo Horizonte, pagar hotel e o diabo?

Como pretende se diferenciar de quem está, na prática, na situação? E, se tem com você pessoas que estão no clube há tanto tempo, não passa a ideia de continuidade também do que tem dado errado?

Em uma família, há gente que tem uma visão de um lado e gente que tem uma visão do outro. Os caras que estão comigo não pediram cargo. Quem me pediu, eu disse: “Não vou negociar cargo”. Tem gente que diz que, se eu não fizer acordo, não ganho eleição. Mas não vou vender minha onda para o diabo. Quero ter independência de escolher o que acho correto para o clube. Se eleito, posso cometer outros erros. Esse de apostar no autocontrole em relação à vaidade das pessoas, não.

Como você vai estruturar o departamento de futebol?

Tem que ter um profissional. Falam: “A gente vai contratar um diretor de futebol que não é Flamengo?”. Ainda acredito que ele não precisa ser Flamengo. E estou quase acreditando que é melhor que não seja. Se for, vai tomar decisões profissionais parecidas com as nossas, porque vamos pressioná-lo, e ele vai sentir. Onde fica o profissionalismo?

Você participou do chamado Conselhinho de Futebol. Esse grupo será extinguido?

Não tem que ter. O Conselho do Futebol implementado à época era um arremedo, já que a presidência decidiu que teríamos um VP. Então, era para limitá-lo.

Luiz Eduardo Baptista, conhecido como Bap, candidato à presidência do Flamengo — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo
Luiz Eduardo Baptista, conhecido como Bap, candidato à presidência do Flamengo — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo

Na sua estrutura, quem vai definir o DNA do Flamengo?

Eu e o Conselho que estará comigo, os vice-presidentes. Vamos mudar o papel deles.

Não é contraditório dizer que precisa de um profissional, mas deixar que amadores definam a forma de jogar?

Não é a forma de jogar, é a filosofia. Se o Flamengo fosse campeão brasileiro ganhando 38 partidas por 1 a 0, com 30% de posse de bola, seria a melhor campanha da História. Mas como a torcida iria se sentir? Acha que esse técnico chegaria à rodada 38?

Como blindará o executivo da pressão do Conselho?

Eles não vão se meter. Será combinado antes. Se algum fizer, está fora. Terei um documento do que não poderão fazer. Todos vão assinar.

Planeja fortalecer o departamento de scout?

O Flamengo não tem scout. Ele foi desmontado com o tempo. Tem uma dita área de scout, com um profissional que ganha o salário. Mas não são os caras que estavam lá em 2019 e 2020. Nessa época, quem dizia quais jogadores a gente iria contratar era o Conselho de Futebol, baseado no scout. Em um livro sobre beisebol que virou filme, “Moneyball”, um dos personagens principais faz escolhas de contratações em cima de números. Isso é o scouting. O esporte americano é totalmente em cima disso. Você começa a diminuir os gaps de escolha. Esse é um desafio.

Como vê o caso Gabigol?

O maior ídolo que tenho no Flamengo depois do Zico é o Gabigol. A maior emoção que tive na vida foi a final da Libertadores de 2019. Mas é muito difícil, estando fora, avaliar. Seria injusto como candidato fazer uma avaliação do que não estou vivendo. Além disso, eu quero um diretor técnico que decida o que é melhor para o futuro.

Também vale para Filipe Luís?

Conceitualmente, sim. Sou enviesado em relação ao Filipe Luís. Eu gosto do cara. Respeito. Ele está indo superbem. Estou mais feliz como torcedor hoje que há um mês. Isso me desqualifica a tomar essa decisão. Vou fazer perguntas ao diretor técnico, e ele terá que me convencer. Agora, qualquer diretor que chegar ao Flamengo hoje vai considerar o que o Filipe está fazendo. Ele resgatou a alegria do torcedor ao ver o time jogar.

Luiz Eduardo Baptista, conhecido como Bap, candidato à presidência do Flamengo — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo
Luiz Eduardo Baptista, conhecido como Bap, candidato à presidência do Flamengo — Foto: Leo Martins / Agencia O Globo

Já tem esse diretor técnico?

Tenho. E as pessoas vão saber se eu for eleito no dia 9.

O Flamengo precisará reduzir o patamar de investimento?

O Flamengo tem que abraçar a transformação digital e aceitar que a experiência do passado não é suficientemente boa para garantir resultado no futuro. O Flamengo evoluiu muito, mas precisa evoluir muito mais.

Como pretende levar essas mudanças para o dia a dia?

Nós vamos abraçar o capeta. Vai resistir à tecnologia? Nós queremos digitalizar o clube e as mentalidades. O Flamengo tem 37 milhões de seguidores únicos em redes sociais. Quanto fatura com isso? Zero. Outro conceito mortal: faz sentido ter a FlaTV? Não devia ser FlaPlay? Só uma provocação...

De que forma equilibrar as finanças do Flamengo e iniciar as obras do estádio?

Não poder haver perda de performance, porque mais da metade da receita vem do sucesso esportivo. O Flamengo tem que mudar de patamar. Com R$ 1,3 bilhão de receita, e ganhando R$ 350 milhões por ano, não vai construir o estádio sem se endividar ou virar SAF. Tem que aumentar o faturamento para algo como R$ 2 bilhões e, em vez de ter 22% de rentabilidade, ter 30%. Se fizer essa matemática, em cinco anos traz mais R$ 1,6 bilhão de receita para o clube, além do que tem hoje. Vai manter os investimentos atuais em futebol e vai precisar de mais R$ 500 milhões ou R$ 600 milhões de dívida, que você empurra muito para frente. Tem que fazer mais dinheiro. “Ah, vou construir o estádio com o Cepac”. Já existe o Cepac? Não. “Ah, mas vou vender cadeiras”. Que não existem. “Ah, vou vender maming rights”. Você está tirando dinheiro que não existe para te ajudar a construir o estádio. O nome disso é dívida. E um dia você vai ter que entregar isso para alguém.

Como buscar esse dinheiro?

O Flamengo tem que aprender a monetizar os recursos digitais. Anos atrás, grandes marcas de esporte disseram a clubes como Fortaleza e Paysandu que não fariam mais camisa para eles. Eles criaram suas marcas, que são muito boas e mais rentáveis que o modelo do Flamengo. O clube ganha dinheiro? Ganha. Mas, se fizesse a camisa, ganharia R$ 200 milhões anuais. Na minha visão, o Flamengo deveria vender 3 milhões de camisas por ano. Quanto tem de dinheiro nisso? R$ 250 milhões? R$ 300 milhões? “Ah, dá trabalho, vai gastar R$ 5 milhões com estrutura”. Tudo bem. O Flamengo ganha R$ 65 milhões da Adidas. Nesse modelo, teria três ou quatro vezes isso.

E a SAF?

Não é uma opção. Não acredito nisso. Agora, se o clube se endividar, pode chegar alguém em um ou dois anos e dizer: “Que pena, não tem como pagar o estádio se não for por meio de uma SAF”. O sócio vai fazer uma escolha muito clara agora de quem é contra a SAF e tem um plano e experiência de vida para fazer de forma diferente.

Fonte: O Globo