Uma grande inquietação tomou conta dos alheios (a maior torcida do Brasil) quando soube-se que Tite treinaria o Flamengo. Afinal de contas, com um técnico competente, vencedor e qualificado como é o homem nascido em Caxias do Sul, seria apenas questão de tempo para que o galáctico elenco rubro-negro, agora com um sistema de jogo sólido, voltasse a colher todos os frutos, louros e resultados possíveis.
De certa forma, assim vem acontecendo. Exceto por um que outro resultado, o Flamengo cumpre todos os objetivos que a temporada lhe apresenta. No entanto, no meio do caminho entre a Gávea e a felicidade elevou-se uma circunstância subestimada quando da contratação do técnico: o pragmatismo de Tite está para o frenesi flamenguista assim como uma empada de frango está para um domingo de feijoada.
Exatamente como analisaria Caetano Veloso: onde queres romântico, burguês. E onde queres delírio, e-qui-lí-bri-o. A premissa prática e conservadora de Tite, não apenas em aspectos táticos mas também na própria forma de conceber o mundo (ou ao menos na forma como se comunica com o mundo), é diametralmente oposta ao ponto de vista flamenguista sobre o futebol (e a realidade e a vida e mesmo as coisas do além).
Essa angústia por encantar e ao mesmo tempo ser encantado, que de certa forma sempre fez parte da índole flamenguista, recebeu uma dose de adrenalina à moda Pulp Fiction depois do evento Jorge Jesus, que elevou a quintessência rubro-negra a patamares técnicos, anímicos e espirituais certamente já imaginados, mas jamais praticados. De certa forma, Tite é apenas mais uma vítima do legado que já começa a se transformar em karma.
O desgaste na relação não é motivado apenas pelo desempenho em campo, às vezes tão emocionante quanto reconhecer firma no cartório. Na verdade, talvez esse seja o menor ruído de comunicação. Porque a forma como Tite fala com a torcida, e isso é uma marca sua desde sempre, é totalmente agoniante. Aquele dialeto individual que é um misto de palestra de coaching com monólogo em latim. Onde queres Jorge Ben, sou Voz do Brasil.
Ainda que traumatize (ou faça adormecer) os flamenguistas, nenhuma dessas características é novidade na trajetória de Tite, mesmo nos momentos mais triunfantes de sua carreira. Mas a rotação anímica dos rubro-negros opera em um ritmo próprio, onde todo tédio deve ser castigado, mesmo que leve à vitória. Aos alheios, a maior torcida do país, essa impaciência é digna de comemoração. Porque Tite e Flamengo não nasceram um para o outro, mas juntos têm tudo para fazer história. Mesmo dormindo em camas separadas.