'Efeito estufa' em contêiner do Ninho do Urubu complica perícia em dois corpos; famílias são chamadas ao IML

As condições do incêndio no contêiner do Ninho do Urubu e até alguns recursos em falta no poder público ameaçaram amplificar ainda mais o sofrimento de quem perdeu um filho, um parente, um amigo. Mas, com uma equipe dedicada ao caso incessantemente, em menos de 48 horas desde a tragédia, resta a Polícia Civil identificar dois corpos dos 10 meninos mortos: Samuel Thomas Rosa e Jorge Eduardo, que dividiam quarto com Christian Esmério, reconhecido neste sábado através da arcada dentária.

Neste sábado, familiares de Samuel Thomas e Jorge Eduardo estiveram no IML, no Centro. Não foram comunicados sobre a possibilidade de reconhecimento por DNA. Neste domingo, as famílias dos adolescentes mortos foram convocadas novamente ao IML para, segundo eles, levarem exames e outros materiais dos meninos.

A perícia tenta reconhecer os corpos através do processo chamado "Antropologia Forense". O antropólogo forense tem a capacidade conseguir respostas em situações em que os cadáveres se encontram em condições extremas e o seu conhecimento da biologia do esqueleto permite-lhe obter posições onde outros profissionais não as encontram. A polícia tenta esgotar todas as possibilidades antes do exame de DNA, pois o resultado desse é mais demorado.

O trabalho não é simples.

Diante da falta de alguns recursos do Instituto Médico Legal (IML), chegou a ser debatida internamente no Flamengo a possibilidade de o clube arcar com o pagamento de produtos usados no reconhecimento dos corpos. Mas a ideia não foi adiante e a identificação seguiu seu curso normal, com rapidez e precisão.

O processo de reconhecimento, que já é normalmente complexo, ganhou mais complicadores devido ao ambiente do incêndio. É provável que os dois corpos restantes sejam reconhecidos somente após exame de DNA, já que o estado de carbonização foi extremo.

Alojamento do Ninho do Urubu ficou destruído — Foto: GloboEsporte.com

Alojamento do Ninho do Urubu ficou destruído — Foto: GloboEsporte.com

O contêiner, feito de metal, potencializou o calor das chamas e transformou o dormitório dos garotos em uma verdadeira estufa. O espaço quase todo fechado e com gases acumulados alterou até mesmo a forma de carbonização dos corpos, que chegou a um alto grau de deterioração. Isso, aliado à degradação natural, dificulta o trabalho dos profissionais no caso dos dois corpos restantes.

- O corpo está tão queimado, mas tão queimado que não conseguem reconhecer. Ficamos à deriva, lamentavelmente — desabafou Sebastião Rodrigues, tio de Thomas, neste sábado.

Quem teve acesso ao local do incêndio relata cenas fortíssimas, como dois corpos que foram carbonizados abraçados.

O procedimento de reconhecimento de corpos, em condições normais, leva muito tempo, mas no caso do Flamengo foi agilizado devido à força-tarefa dedicada ao caso. Até mesmo autoridades de outros estados dão suporte, essencialmente com informações.

Principais métodos de reconhecimento:

Arcada dentária
Impressão digital
Exame de DNA

O Flamengo chegou a entregar neste sábado imagens das arcadas dentárias dos jovens mortos para agilizar a liberação dos corpos do IML. Quatro vítimas foram identificadas dessa forma.

O reconhecimento por DNA normalmente é o último a ser acionado justamente pela demora, o que prolonga ainda mais o sofrimento de família e amigos. O teste só pode ser feito em comparação com os dados da mãe ou, em segunda hipótese, de um irmão ou meio-irmão materno. Os familiares dos jovens mortos estão hospedados em um hotel na zona oeste do Rio e podem ser requisitados para auxílio.

Se o esforço dos profissionais deve adiantar o reconhecimento para menos de um mês, alguns recursos escassos podem atrapalhar.

Sobrevivente detalha divisão de quartos

Em depoimento à polícia, um dos sobreviventes detalhou a divisão de quartos no dormitório do Ninho do Urubu que foi tomado pelas chamas. O jovem também afirmou que o fogo começou no ar-condicionado do quarto 6 (veja o vídeo).

Quarto 1: Arthur Vinicius, Bernardo Pisetta, Gedson Santos, Pablo Henrique e Victor Isaías
Quarto 2: Christian Esmério, Jorge Eduardo, Samuel Thomas Rosa
Quarto 3: Athila Paixão, Cauan Emanuel, Francisco Dyogo e Jhonatha Ventura
Quarto 4: Caike Duarte, Joao Vitor Gasparini, Kayque Soares, Naydjel Callebe, Rayan Lucas e Wendel Alves
Quarto 5: Samuel Barbosa
Quarto 6: Felipe Cardoso, Felipe Chrysman, Jean Sales.

Por ser menor de idade, o depoente não será identificado. Os jovens não souberam precisar onde dormiu Ryquelmo, uma das vítimas fatais, e Pablo Ruan, que também sobreviveu.

O quarto 3 conta com uma história especialmente tocante. Foi nele que os três sobreviventes que estão internados em hospitais passaram a noite. O trio conseguiu fugir pela janela com a ajuda de um segurança.

Um último jovem, porém, não teve a mesma sorte. Athila Paixão escorregou quando tentava passar pela janela e não conseguiu sair do contêiner.

Fla se precipita, e polícia explica estratégia de perícia

No início da tarde deste sábado, o Flamengo informou erroneamente que cinco das 10 vítimas fatais só poderiam ser identificadas por exames de DNA, o que gerou um desencontro de informações. Outros três reconhecimentos foram feitos nas horas seguintes por arcada dentária, e a Polícia Civil explicou os próximos passos da equipe de perícia que cuida do caso.

- O DNA não é algo a ser descartado, mas o IML está trabalhando de todas as formas os nomes restantes pela arcada (dentária), e pedimos para que as famílias tragam exames. O DNA não está descartado, mas trabalhamos para que todos sejam identificados por arcada - explicou a assessoria da polícia.

Info tragedia no flamengo 2 — Foto: Infoesporte

Info tragedia no flamengo 2 — Foto: Infoesporte

Fonte: Globo Esporte