Do gol que o fez viajar a 1986 ao hexa no Rio, Tite, do Flamengo, tem grandes jornadas contra o Vasco

Tite fecha os olhos, suspira e afirma: "Você me fez lembrar a época de atleta".

A viagem para 7 de setembro de 1986 é feita através de pergunta do repórter Kiko Menezes, da TV Globo. Minutos após a estreia pelo Flamengo com vitória sobre o Cruzeiro, o gaúcho de 62 anos é convidado a lembrar de gol marcado contra o Vasco, próximo adversário do Rubro-Negro.

Tite fecha os olhos e lembra do gol que fez pelo Guarani contra o Vasco — Foto: Fred Gomes

Antes de entrar na máquina do tempo, o treinador garante que reviver um lance inesquecível a três dias de seu primeiro Clássico dos Milhões de maneira nenhuma representaria desrespeito ao Vasco. Adendo feito, Tite mergulha no duelo em São Januário e cita o quanto esse gol é significativo em sua carreira.

- Cara, eu sofri muito com lesões. E quando fiz o gol contra o Vasco era Acácio o goleiro. O Vasco tinha um timaço, e o Guarani também. Eu confesso que olhava para o céu e falava: "Pô, cara, eu voltei a jogar futebol". O atleta sente uma pressão muito grande no desempenho. Ele tem todos os benefícios, mas tem uma exposição muito grande também. Me fez lembrar a época de atleta (sorri). Olhava para o céu e agradecia porque as lesões me fizeram sofrer muito.

Lesões que machucaram o corpo e o mental de Tite

A cabeçada que venceu Acácio e afundou o Vasco na lanterna do Grupo C do Campeonato Brasileiro de 1986 levaram Tite ao céu. O camisa 5 do Guarani vinha de duas cirurgias delicadíssimas.

Em 8 de julho de 1984, após um duelo com o Santo André, Tite teve lesão gravíssima no joelho esquerdo. Rompeu o ligamento cruzado e ficou parado por quase 14 meses.

Para realizar a recuperação de maneira mais adequada, Tite colocou uma espécie de tala com extensão do pé à coxa que era fixada com parafusos.

Em entrevista à Zero Hora em 2018, Cláudio Frias, fisioterapeuta do Guarani, em 1986, citou um grande outro inconveniente que Tite teve de enfrentar:

- Lembro que após a primeira cirurgia, estávamos voltando de São Paulo e chegamos ao prédio onde ele morava. E o prédio não tinha elevador. E, antigamente, você não podia pisar após passar por essa cirurgia, e a recuperação era de quase um ano. Era difícil. Ali eu percebi a determinação dele. Não tinha elevador, e ele morava no terceiro ou quarto andar. Ele sentou na escadaria e foi subindo degrau por degrau sem pisar. E subiu até o apartamento dele. Ali deu para perceber que a vontade e a determinação dele seriam muito grandes - disse Frias à ZH.

Tite em ação pelo Guarani nos anos 80 — Foto: Divulgação/@guaranifc

Na mesma reportagem à Zero Hora, o ex-ponta Catatau revelou que Tite não se conformava com tamanha gravidade da lesão e reagia com choro e socos contra a parede dos vestiários. À época, o volante, que já havia sofrido com lesões na Portuguesa, cogitava aposentar-se aos 23 anos.

Após quase 14 meses, em novembro de 1985, voltou aos gramados na vitória por 1 a 0 sobre o Botafogo-SP. Em 23 de fevereiro do ano seguinte, porém, pisou num buraco em partida contra o Novorizontino e lesionou o mesmo joelho esquerdo. Tite passaria por nova cirurgia e mais um longo período de inatividade.

O gol e as avaliações dos jornais cariocas

A volta aconteceria no feriado da Independência, em São Januário. Pouco mais de seis meses após a intervenção, teve atuação que mereceu elogios da imprensa carioca no dia seguinte. O poder de marcação e o vigor físico foram destacados.

O "Jornal dos Sports" citou o meio-campo do Guarani como setor crucial para a vitória e a dobradinha que fez com o companheiro Barbieri:

"No meio, sob a proteção vigorosa de Tite - não habilidoso, mas de grande poder físico - residia o cérebro do time. A cada ordem de Barbieri (meia), representada sempre por um toque sutil e preciso na bola, surgia um grande ataque do Guarani ou então a melhor forma de se defender. Foi ele o grande craque do jogo.

Tite, camisa 5 do Guarani, disputa com Roberto Dinamite — Foto: Reprodução/Jornal dos Sports

Já "O Globo" deu nota 8 a Tite: "Violento em alguns lances, teve o mérito de marcar o gol, aproveitando a falha da defesa adversária".

"O Globo" deu nota 8 para Tite contra o Vasco — Foto: Acervo O Globo

Hexa em São Januário pelo Corinthians conecta Tite ao gol pelo Bugre

Se a carreira de jogador foi abreviada pelas muitas lesões e terminou em 1989, quando tinha apenas 28 anos, a de treinador é sólida e repleta de títulos. É um dos principais técnicos de todos os tempos do Brasil, e uma das conquistas que o alçaram ao topo aconteceu também em São Januário.

O hexacampeonato brasileiro do Corinthians foi confirmado em 19 de novembro de 2015, com três rodadas de antecedência. O gol do título também aconteceu à esquerda da social do Vasco e novamente com uma cabeçada. Aos 36 minutos do segundo tempo, Vagner Love - diferentemente de Tite, que subiu no primeiro pau - testou da pequena área para empatar o jogo em 1 a 1.

Após o término do Brasileirão, em entrevista à Band, Tite revelou que antes de a bola rolar para o duelo entre Vasco e Corinthians, um filme passou em sua cabeça e o levou novamente ao gol pelo Guarani marcado 29 anos antes. Aproximou-se do local onde subiu mais que toda a defesa vascaína e ficou admirando.

- Cheguei no fundo antes do jogo até para me ambientar, mas fico pensando ainda como atleta, eu sonho estar dentro do campo. Eu não imaginava que pudesse voltar a jogar futebol. Fomos jogar contra o Vasco (em 1986), teve um cruzamento da esquerda e fiz o gol da entrada.

- Quando cheguei no estádio, vou discretamente no fundo e lembro do cruzamento. Fiquei olhando para o local onde a bola tinha entrado. Para onde eu tinha saltado para o cabeceio e para onde eu tinha corrido para comemorar. Não imaginava poder voltar a jogar futebol. Acho que de 27 anos de carreira, passei três anos ou mais me recuperando de cirurgia. Entre artroscopia e cirurgia aberta de joelho. Eu digo: "Não vou voltar a jogar futebol". Daqui a pouco me vejo jogando de novo e fazendo gol. Olhei para o céu e digo: "Obrigado". Anos depois voltei ao local onde poderia ser campeão brasileiro, algo que acabou se confirmando.

Penta e as quartas de final da Libertadores

Se o hexacampeonato de 2015 liga Tite ao gol pelo Bugre em 86, o treinador também viveu outros grandes momentos contra o adversário deste domingo à frente do Corinthians que não têm conexão tão direta. Em 2011, conquistou o penta do Brasileirão com 71 pontos somados, dois a mais do que o Vasco, que terminou como vice-líder.

Naquela edição, enfrentaram-se duas vezes. No Pacaembu, Juninho Pernambucano abriu o placar de falta em partida que marcava sua volta ao Vasco, aos dois minutos. Mas Ralf e Paulinho, ainda no primeiro tempo, garantiram a virada. No Rio, os times ficaram no empate por 2 a 2.

No ano seguinte, em maio, os clubes se reencontraram nas quartas de final da Libertadores. Após empate por 0 a 0 no Rio, Paulinho garantiu a histórica classificação com um gol de cabeça na vitória por 1 a 0, aos 42 minutos da etapa final. O jogo ficaria marcado também por antológica defesa de Cássio em lance no qual Diego Souza partiu com muita liberdade do círculo central até a área corintiana. O duelo estava empatado 0 a 0, e o gol fora de casa ainda era critério de classificação.

Em seu primeiro Flamengo x Vasco, Tite tenta manter a boa impressão da estreia pelo Rubro-Negro e também o excelente retrospecto contra o rival de São Januário. A bola rola para o Clássico dos MIlhões às 16h, no Maracanã, pela 28ª rodada do Campeonato Brasileiro.

Assista: tudo sobre o Flamengo no ge, na Globo e no sportv

Fonte: Globo Esporte