Jean Lucas tem o sorriso aberto de um garoto que vive mesmo um sonho. Revelado pelo Flamengo , o volante hoje atua nos gramados da França, com a camisa do Lyon , já entrou em campo na Champions League e enfrentou Neymar. Soma, aos 21 anos, histórias para contar, como a passagem sob o comando de Jorge Sampaoli no Santos , em 2019. Um encontro que mudou sua carreira.
"Cheguei lá e senti muito a forma de trabalho dele. Ele veio da Europa, totalmente diferente".
O volante está no Rio de Janeiro à espera do retorno para a França. A reapresentação, por enquanto, está marcada para 11 de maio.
Nesta conversa com a ESPN , o volante falou dos treinamentos em dois períodos em casa para manter a forma, como reagiu ao Flamengo campeão de tudo em 2019 e a surpresa ao receber um telefone de Juninho Pernambucano para se transferir ao Lyon.
Veja a entrevista completa abaixo:
Como fica a cabeça do jogador de futebol com tanto tempo parado?
Jean Lucas: Sabemos que estamos passando por um momento muito complicado, né? A gente é jogador, quer sempre estar jogando, sempre em movimento. E treinar em casa não é a mesma coisa que treinar no clube. É totalmente diferente. Então sinto muita falta, sim. Já vai fazer um mês e meio que estou sem contato com bola. Sinto muita falta. É muito difícil para a gente, né? Porque a gente está parado não é por férias é pelo fato de estar acontecendo essas coisas todas. Mas sei que logo, logo vai passar, a gente vai estar trabalhando e voltar a fazer coisas que a gente gosta, que é jogar futebol.
Como tem sido a conversa com os companheiros de Lyon?
Converso com ele sempre que eu posso. A gente está mantendo comunicado porque temos grupo de lá, do time. Temos também o grupo de brasileiros. Estamos sempre conversando, pergunto como estão as coisas. Agora que deu uma baixada lá nas mortes, estavam muito altas até duas semanas atrás. A gente ia voltar no dia 3 agora e adiaram. Ia voltar no dia 15 e adiaram também. Falaram que está muito complicado, mas agora deu uma diminuída. E falaram para avisar para as pessoas aqui no Brasil para ficar o máximo dentro de casa para que não fique como está lá.
Como tem sido a rotina de treinos para voltar bem na sequência da temporada?
Eu trabalho junto com um personal que está lá França, o Felipe. Não teve como ele vir para cá pelo fato dele ter uma filha pequena. Então ele ficou lá. A gente trabalha por vídeo. Trabalho de manhã e de tarde para manter a forma. Como você falou, a gente não está de férias, a qualquer momento a gente pode voltar. Estávamos no meio do Campeonato Francês, brigando ali por uma vaga na Liga dos Campeões. E também a gente estava na Liga dos Campeões, íamos jogar contra a Juventus, não jogamos por causa do coronavírus, na Itália estava complicado. Mas a gente está ansioso para que voltem logo os jogos para fazer o que a gente mais ama, que é jogar futebol para dar alegria aos torcedores e a todo mundo.
Ano passado você fez o gol do título do Flamengo pela Florida Cup, contra o Frankfurt. Acabou abrindo caminho para a uma temporada gloriosa, embora você tenha saído para o Santos. Qual foi a reação ao ver o Flamengo campeão de tudo no fim do ano?
Comecei lá no Flamengo, cheguei com 16 anos. Pude fazer meu primeiro gol como profissional na Florida Cup. Fiquei muito feliz, logo depois fui para o Santos. Vi essa grande trajetória que o Flamengo fez no ano passado, de grandes títulos. Flamengo é um time muito grande, conhecido mundialmente, tem de estar sempre brigando por títulos, ganhando títulos. Fiquei muito feliz.
Você ainda conversa com jogadores do elenco, os mais novos? Pescoço deles está pesando com tantas medalhas, não?
Rapaziada está com bastante medalha (risos). Entro em contato com eles, sim. Com Thuler, com Lincoln, com Lucas (Silva), com Hugo (Moura), com Rafael (Santos). Mais com a rapaziada da base mesmo, que a gente vem junto desde o sub-17. Sempre que posso entro em contato com eles.
No Flamengo você não trabalhou com o Jorge Jesus, mas no Santos esteve com Jorge Sampaoli. Os jogadores que trabalham com ele parecem gratos pela maneira como evoluem. O que mais chamou atenção?
Foi a transferência que fui para o Santos, né. Cheguei lá e senti muito a forma de trabalho dele. Ele veio da Europa, totalmente diferente. No início dos treinos senti um pouco. Falava até para os jogadores: 'caraca, a forma de trabalho dele é totalmente diferente, nunca treinei assim, nessa alta intensidade'. Porque ele falava para a gente que tinha de treinar como a gente joga, na mesma intensidade. Então cheguei lá com uma certa dificuldade de posicionamento. Pecava muito no posicionamento e ele falava que ia melhorar meu posicionamento, que eu ia ser um excelente volante e que ia me ajudar. Então pedi ajuda a ele. Falei que fui para lá, tinha um ano para ficar. Falei: ´Professor, tenho um ano para ficar aqui, não vim a passeio, para conhecer a cidade. Vim para jogar. Quero que você me ajude a melhorar. Quero estar na seleção brasileira principal, quero que você me ajude'. Então a gente vai trabalhar, ele falou. Trabalhamos, ele sempre me incentivando nos jogos e ele foi muito importante nesse início de carreira.
Você sentiu que chegou mais preparado para o futebol europeu?
Sim, claro. Cheguei já no início da temporada, estava jogando, bem fisicamente. Na pré-temporada nos jogos que a gente fez até as pessoas do clube falavam comigo que nunca viram alguém chegar assim tão adaptado. Tinha brasileiro lá também, isso me ajudou muito. A forma de jogar daqui do Brasil é totalmente diferente de jogar de lá. Lá é muito mais rápido. Por isso no treinamento do Sampaoli eu aprendi bastante. Treinamento dele é com um toque, dois toques, lá é tudo assim. Nos jogos também. Como sou meio-de-campo tenho de pensar rápido. Um toque, dois toques. Então me ajudou muito.
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Você chegou na França e trabalhou com o Sylvinho, que ficou por pouco tempo. O que você acha que aconteceu e qual a importância de ter brasileiros, como ele e o Juninho (Pernambucano, diretor esportivo)?
Quando eu estava no Santos eu vim para o Rio naquelas férias do meio do ano. Eu estava indo cortar o cabelo. Aí ele foi lá e me ligou. Eu atendi e falei "quem é?". "É o Juninho". Falei "Juninho?". "Juninho Pernambucano". Eu falei: "Que isso! Juninho Pernambucano me ligando, cara! Tá doido!" Aí ele foi lá e explicou a situação, "a gente está te esperando aqui, quer que você venha para cá". Falei claro, sempre tive sonho de conhecer a França desde pequeno, falava com meus amigos. Então não pensei duas vezes, um time da grandeza do Lyon. Sylvinho também estava indo para lá. Treinador brasileiro e eu chegando na França foi muito importante para mim. Se eu chego lá com treinador francês não ia entender nada (risos). Nada mesmo. Então o Sylvinho me ajudou muito também, como o Caçapa, que está trabalhando para ser treinador. Eles me ajudaram muito.
O que você aprendeu na França, em relação ao jogo?
Intensidade de lá (Europa) é muito mais alta do que aqui (no Brasil). Aqui você tem muito tempo mais espaço para pensar, para girar. Lá o futebol também é muito mais força. Isso eu senti um pouco, jogadores muito fortes. Você tem de pensar mais rápido, no início eu cheguei prendendo um pouco a bola, queria travar no meio-de-campo. Sylvinho falou comigo 'não é assim, no jogo se você ficar travando assim os caras vão roubar a bola fácil'. Então aqui você tem de jogar mais rápido porque não é igual ao Brasil que você tem esse tempo todo para pensar. Aqui os caras já chegam já e você tem de jogar em um dois toques. Isso que eu senti bastante quando cheguei lá.
Você chegou a jogar na Champions? Como foi?
Cheguei a jogar um jogo contra o Leipzig. Foi o primeiro lá. Quando escutei aquele hinozinho passou um filme na minha cabeça. Porque desde pequeno eu e meu pai acompanhamos os jogos da Champions League. Hoje eu posso estar jogando a Champions League. Hoje agradeço primeiramente a Deus por tudo que vem acontecendo na minha vida, sem ele não seria nada.
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E nessa parada, com a preocupação de valores, salarial. Como vocês, jogadores, estão se preparando para algo que vai ter impacto em toda a sociedade?
Pandemia está acabando com tudo, né. Muitas pessoas estão perdendo o emprego, muitas famílias perdendo quase tudo, não estão tendo quase o que comer. Mas em relação a isso ainda não chegou nada para a gente ainda, não. Acho que eles vão conversar porque não está entrando dinheiro. O que dá dinheiro são os jogos, a televisão para pagar a gente. Até agora não chegou em mim nada, não.
No momento você não tem data para voltar ainda?
Dia 11 eles falaram para apresentar lá. Está marcado para o dia 11. Se vai mudar, não sei. Eles falaram que vai voltar tudo. Presidente da França falou que vai abrir as coisas, só não vai poder aglomerar muitas pessoas.
Chegou a enfrentar o Neymar em campo, contra o PSG? Quão importante é um jogador do quilate dele estar no futebol francês para vocês que chegam agora?
Neymar é um cara excepcional. Assisto ele desde a época do Santos. Joguei contra ele, em casa. Quando vi a primeira vez eu falei 'caraca, estou jogando contra o Neymar'. Jogava com ele no videogame, estou podendo jogar contra o Neymar. A importância dele no Campeonato Francês é muito grande. Porque o campeonato fica muito visado. É bom para mim e para todos os jogadores. A gente fica muito visado, aparece muito mais.
E a dupla com o Bruno Guimarães no Lyon?
Bruno Guimarães é um cara excepcional também. Joga muito. A gente criou uma amizade muito grande pelo fato de eu e ele sermos da mesma idade. Ele é só um ano mais velho do que eu. Então espero que um dia a gente possa dar muita alegria para a nossa seleção brasileira. Eu e ele jogando lado a lado seria uma coisa muito boa. São dois jogadores que gostam bastante da bola, gostam bastante de jogar, de fazer o jogo andar. Seria uma dupla muito boa.
Algum caso divertido na França que você lembre agora e valha dar risada?
Vou contar uma aqui. Fomos eu, meu pai e minha mãe num restaurante. Aí a gente não sabia falar nada, né? No início. O cara veio, botei no tradutor. Pô, quero uma carne. Meu pai queria uma carne também. E minha mãe também. Aí chega uma carne muito gordurosa, muito gordurosa. Meu pai falou que não queria gordura, só a carne. Aí o cara está cortando, cortando, pegou a gordura toda e jogou no prato do meu pai. (risos). E ficou meu pai: 'no no, gordura no' (risos).
Já está mais familiarizado com o francês? Tem tido aulas, como tem sido a preparação para se integrar à cultura francesa?
Estou fazendo aula. Eu e meu pai. Eu consigo entender bastante a língua francesa. Falar eu falo um pouco, o simples. Dá para sair na rua, comprar as coisas, ir num shopping. Consigo ir. Mas conversar, conversar não consigo, não. Estou fazendo aula para aperfeiçoar cada vez mais.
Tem alguma história curiosa com o Sampaoli na época de Santos?
Comigo assim não tenho, não. (risos). Que eu lembre, não. O homem é brabo, não é muito de brincadeira, não. (risos).
Pensa em voltar ao Brasil na reta final de carreira? Como Rafinha e Filipe Luís, que chegaram ainda com lenha para queimar e foram campeões brasileiros, da Libertadores...
Tenho esse pensamento, sim. Mas meu pensamento agora é na Europa, jogar na Europa, realizar meu sonho, seleção brasileira. Penso, sim, em voltar ao Brasil, mas quando tiver em fim de carreira. Penso em voltar. Ficar perto da minha família, até lá já vou ter constituído uma família também. Mas vou estar perto da minha família no Brasil. Tenho esse pensamento, sim. De retornar, ganhar vários títulos, Libertadores, Brasileiro, que tenho sonho de conquistar.
Algum dia imagina que vão sonhar em jogar com o Jean Lucas no videogame?
Ah, claro, né? (risos). Já tenho aspirações já. Sempre trabalho para servir de inspiração para as crianças. Porque eu fico muito satisfeito, muito feliz quando vou na rua e alguma criança me reconhece, fica feliz e pede para tirar foto. Isso é muito gratificante para mim.