Com apenas quatro dias no Rio de Janeiro, Naydjel Callebe ainda nem havia colocado o pé na bola, mas já sentia o que era ser um jogador do Flamengo . Aos 14 anos, o jovem vindo de Marechal Cândido Rondon, no Paraná, viu suas redes sociais ficarem agitadas com a novidade. Além de responder as mensagens dos amigos no Instagram , se divertia ao lado dos novos colegas do Ninho do Urubu.

Como não iria treinar no dia seguinte, ficou jogando videogame e conversando até tarde. Foi dormir às três horas da manhã com a sensação de estar realizando um sonho. Já era 8 de fevereiro de 2019.

Apenas duas horas depois de deitar, ele ouviu o barulho de uma explosão. No entanto, achou que fosse alguma brincadeira dos colegas e voltou a dormir. Logo em seguida, foi acordado por Wendel Alves, que sofria com asma e estava com falta de ar.

O garoto gritava que o quarto estava pegando fogo.

"Eu levantei e passei pela porta. Tudo ficou meio cinza por causa da fumaça, e eu só conseguia ver uma luz na minha frente, que era uma moça com uma lanterna", disse o jovem ao ESPN.com.br .

Naydjel deixou os alojamentos provisórios apenas com a roupa do corpo e viu parte dos contêineres desabarem após serem consumidos pelo fogo.

"Como tenho o sono pesado, eu pensei que todo mundo tinha saído. Demorou para a minha ficha cair que tinha ficado gente lá dentro", detalhou.

Os garotos ficaram desesperados e tentaram alguma forma de apagar o fogo com os extintores, que não foram suficientes. Os seguranças do clube foram acionados para que os bombeiros e policiais viessem ao local.

Eles chegaram algum tempo depois, mas dez jogadores da base do Flamengo não conseguiram escapar e morreram.

Não demorou para que as notícias começassem a aparecer na imprensa e nas redes sociais. Naydjel ligava desesperadamente para os familiares para avisar que estava bem, mas ninguém atendia.

Por volta das nove da manhã, o jovem pegou o celular emprestado de um supervisor e conseguiu falar com os pais.

"Eles atenderam desesperados, pois eu estava ligando de um número desconhecido. Eu falei que estava bem e parecia que tinha uma festa. Todo mundo já sabia o que tinha acontecido", contou.

No entanto, os familiares choraram ao ouvir que Gedinho, amigo de longa data do filho, era um dos mortos na tragédia. O jovem precisou rapidamente desligar o telefone porque outros colegas queriam ligar para casa.

"Começou a vir um monte de helicópteros, e o Ninho ficou fechado porque era muita gente. A gente precisava ir até a delegacia, tivemos que dar uma 'fuga' nos repórteres porque não podíamos dar entrevista."

O grupo voltou ao CT após prestar depoimento. Aquele 8 de fevereiro, há cinco anos, ainda estava longe de acabar.

Dispensa por telefone

Naydjel foi passar alguns meses na casa dos pais pouco tempo depois do incêndio.

"Cara, a minha ficha demorou muito para cair. Lembro que estava dormindo e sonhei que tinha voltado para o Ninho do Urubu. Os meninos tinham chegado lá dando risada da minha cara e falaram: 'A gente só saiu correndo, passou mal e fomos para o hospital, e a imprensa deixou a gente escondido até hoje'".

No retorno ao Flamengo, Naydjel viu que toda a área afetada pelo incêndio já não existia mais. Foi neste momento que ele começou a entender realmente o que tinha acontecido.

O jovem recebeu acompanhamento psicológico do clube nos primeiros dias. Até mesmo os jogadores do time profissional deram uma atenção especial aos sobreviventes.

"A gente dormia no alojamento, mas era complicado. Em dia de chuva não conseguia dormir muito bem, ficávamos pensando bastante no que tinha acontecido."

Os colegas de escola e de moradia evitavam tocar no assunto, mas ele sentiu que nada seria como antes.

"Estava sempre cheio de repórteres querendo falar com a gente. Era uma coisa que a gente não conseguia virar a chave para poder voltar a jogar de verdade", relatou.

O desânimo afetou o desempenho dentro de campo. O jovem tinha dificuldades para retomar a carreira.

"No começo, estava muito mal. Não tinha muita vontade de jogar futebol, mas meus pais me falaram para ser feliz e consegui por um tempo. Mas quando voltei das férias, não estava tão bem."

Assim que acabou a temporada 2019, o adolescente voltou para casa de férias e ficou na expectativa se iria permanecer na Gávea.

"Eles falaram que uma semana depois ligariam porque alguns atletas não se apresentariam. Como não me ligaram, já estava me preparando para voltar ao Rio de Janeiro em fevereiro."

No entanto, no dia em que completou 15 anos, em 8 de janeiro de 2020, Naydjel foi dispensado pelo Flamengo junto com outros quatro sobreviventes. Exatos 11 meses depois do incêndio...

"Eles ligaram para a minha mãe e eu não estava em casa no momento. Minha mãe me avisou: 'Filho, eu tenho uma notícia muito triste para te dar, mas não quero falar com você por celular, quero falar pessoalmente'. Assim que cheguei, ela falou: 'Você foi mandado embora do Flamengo'. Naquele momento eu desabei. Fiquei muito triste, muito mal", contou.

"Todo mundo ficou meio que surpreso porque a gente era deixado bastante de lado no decorrer do ano. A gente não imaginava isso."

Uma das maiores frustrações do jovem foi não conseguir realizar o sonho dos colegas que morreram de chegar ao time profissional do clube carioca. “Depois da dispensa, o Flamengo não entrou mais em contato para nada", disse.

Após o baque, ele acreditava que teria outras chances. No entanto, a pandemia de COVID-19, que suspendeu todas as atividades do futebol por um longo período, atrapalhou os planos do jovem.

Sem poder treinar em um clube, Naydjel trabalhava por conta e fez testes em Atlético-MG , Coritiba e Grêmio , mas não foi aprovado. Por isso, começou a fazer faculdade de educação física e voltou a jogar futsal pelo time sub-20 do Copagril-PR.

"Ainda não sou profissional, pois tenho 19 anos. Estou dando um valor a mais para o futsal, mas caso surja a oportunidade de algum time grande no campo, eu vou. Se nada der certo, continuarei estudando", afirmou o jovem, já imaginando algo em relação ao futuro.

No conforto de casa, ele valoriza ainda mais a convivência com a família, que foi o grande suporte para passar por tantas dificuldades.

"Minha mãe sempre me incentiva e não quer que eu desista. Já o meu pai é um cara mais rígido e me cobra muito, mas está sempre ao meu lado, não perde um jogo meu."

O jogador carrega tudo que viveu como uma motivação para não desistir.

"Posso até realizar meu sonho de voltar a jogar futebol de campo um dia, nunca se sabe. Em um dia você pode estar superfeliz realizando seu sonho no Ninho, e no outro, pode estar vivendo uma tragédia gigantesca a nível mundial."

Naydjel sabe que é impossível esquecer os colegas que se foram.

"Fico vendo Tik Tok e lembro das coisas, fico vendo vídeos e tudo do incêndio. Cara, é complicado. Lembro direto, principalmente quando chega perto da data. Eu ainda quero, quando for mais velho, visitar o túmulo deles como uma forma de homenagem", confidenciou o sobrevivente.

Posicionamento oficial do Flamengo sobre os cinco anos do incêndio no Ninho do Urubu:

Amanhã fará cinco anos da maior tragédia da história do Flamengo. Perdemos dez jovens atletas e não podemos - nem queremos - esquecer disso. Temos que rememorar nossos jovens eternamente, a cada dez minutos de cada jogo e sempre.

Será um dia muito difícil para as famílias daqueles dez jovens atletas e isso consterna a todos nós e nossa grande torcida. É dia de lamentar e de pedir a Deus por eles. Dia de nos solidarizarmos com as famílias e dar condolências.

O clube recebeu várias consultas de muitos veículos de comunicação. Sinteticamente, o clube tem a dizer o seguinte:

Desde o trágico dia, o clube prestou toda assistência às famílias, tanto psicológica, como financeira.

Após algum tempo e independentemente de processo judicial, o clube firmou acordo com nove das dez famílias que tiveram vítimas fatais e com todos os sobreviventes. Essas famílias consideraram justos os valores da indenização e os aceitaram.

A única família que não aceitou o acordo recebe, mensalmente, uma pensão do clube, independentemente de processo judicial, e o Flamengo continua aberto para alcançar uma composição com eles, a quem muito preza.

O Flamengo tem o maior respeito e carinho pelas famílias, de modo que externamos aqui, mais uma vez, nossos mais sinceros sentimentos a todos.

SRN