O fim da segunda passagem do técnico Abel Braga pelo Flamengo foi desenhado no espaço de um mês, entre dois churrascos. Um em Porto Alegre, na casa do ex-presidente do Internacional Fernando Carvalho, no último dia de abril. O desenlace em um outro encontro regado a carnes realizado na última terça-feira, no Ninho do Urubu. A deterioração da relação com a diretoria, o desempenho abaixo do esperado da equipe e a pressão da torcida culminaram no pedido de demissão do técnico. Na saída, Abel disparou sem endereço certo, mas para dentro dos muros da Gávea e do Ninho do Urubu. Em nota oficial, garantiu que não estava "preparado para covardias e articulações", ressaltando ainda não suportar traição. As palavras foram mal recebidas pela diretoria.
Contratado no fim de 2018 como esperança de mudar o vestiário do Flamengo, o técnico pareceu nunca se preocupar em conquistar o setor mais fundamental do clube: a torcida. Com grande rejeição já no início do trabalho, Abel acirrou ainda mais o panorama ao levar o dia a dia à sua maneira, sem considerar sugestões para apaziguar o ambiente. Pouco utilizou Arrascaeta e bancou Willian Arão nos microfones sem cerimônia. Na véspera do confronto com o Internacional, em Porto Alegre, pela segunda rodada do Campeonato Brasileiro , o técnico se encontrou com Fernando Carvalho, presidente colorado durante o período mais glorioso da sua carreira, nos títulos da Libertadores e Mundial de 2006, enquanto a delegação estava concentrada num hotel da capital gaúcha.
O encontro entre uma e outra carne nobre foi registrado pelo próprio ex-dirigente em uma rede social. Mas o detalhe: a foto foi postada apenas após a derrota de 2 a 1 para o Internacional, com a irônica legenda de "deu sorte" e Abel com uma camisa do Flamengo em mãos. Com a temperatura já elevada por conta das declarações na coletiva pós-jogo, elogiando o Beira-Rio em detrimento ao Maracanã e garantir "ser normal" perder para o Internacional, Abel elevou ainda mais o descontentamento dos dirigentes rubro-negros. À noite, após o jogo, novamente saiu para jantar na capital gaúcha, ainda que o clima da delegação no hotel não fosse dos melhores, diante da derrota. Ali, começou a balançar.

Foi o vice de relações externas, Luiz Eduardo Baptista, o Bap, o responsável por segurá-lo no cargo. O comportamento de Abel e o desempenho do time levantaram internamente a ideia de que demiti-lo seria o choque necessário no ambiente às vésperas da partida decisiva contra o Peñarol, no Uruguai. Bap não concordou e, influente, conseguiu evitar a saída. Mas não viajou ao Uruguai para respaldá-lo publicamente. Abel seguiu e o Flamengo alcançou a vaga com uma boa atuação, apesar do empate sem gols. Foram breves dias de relativa calmaria com as vitórias sobre Chapecoense e Corinthians , esta fora de casa pela Copa do Brasil . Depois de ser derrotado por 2 a 1 pelo Atlético-MG mesmo com um jogador a mais por um tempo inteiro, Abel novamente voltou a ser duramente questionado internamente. O clima no vestiário foi pesado, com cobranças mútuas, por conta da péssima atuação.
O desconforto era grande e a ideia de promover uma troca durante a parada para a Copa América, alternativa já pensada durante a crise após o jogo com o Internacional, amadureceu consideravelmente. Para piorar, outra coletiva quase fatal. Novamente, a utilização da frase "é normal perder" irritou dirigentes e torcedores. Aos poucos, Bap permaneceu solitário em defesa do trabalho de Abel. Experiente, o treinador detectou o distanciamento e se incomodou com a ausência de respaldo público. A semana cheia de treinamentos antes da partida contra o Athletico Paranaense era uma das útimas cartadas. Com o desempenho abaixo da crítica e quase 50 mil torcedores hostilizando o técnico, o clima ficou insustentável com a suada vitória por 3 a 2. Mesmo a força de Bap já não resistia à constatação de que a passagem de Abel tinha os dias contados.
Ao mesmo passo, o técnico foi informado por amigos que trabalham no mercado português de que Jorge Jesus teria sido contatado para substituí-lo. O técnico lusitano chegou a assistir, do camarote do BMG, no Independência, a partida entre Atlético-MG e Flamengo, dias antes. Irritado, Abel entendeu que a relação com a diretoria chegara ao ponto máximo de desgaste. Amadureceu a ideia que ficou mais clara após o que sofrera no Maracanã. O apoio público chegou por meio dos jogadores em campo, mas sem nenhuma movimentação da diretoria. Na terça-feira, o técnico apareceu no Ninho do Urubu na reapresentação do elenco.
À beira do gramado, sem uniforme de treinamento, com traje social, se despediu do atacante Uribe, rumo ao Santos , e observou o jogo-treino da equipe reserva contra o Duque de Caxias. Em seguida, compareceu a outro churrasco. Desta vez não com o Fernando Carvalho, mas com todo elenco e funcionários do futebol no próprio Ninho do Urubu. A confraternização foi bancada pelo clube, em razão da conquista do Campeonato Carioca . Entre carnes e conversa, Abel não externou sentimento algum de que pediria demissão. Ali, soube da reprovação interna de sua decisão, anunciada no domingo, de escalar reservas contra o Fortaleza . Considerou o processo de fritura irreversível. Com a decisão já tomada, horas mais tarde entrou em contato com o presidente Rodolfo Landim e pediu demissão. No dia seguinte, reforçou a ideia em conversas com Landim e Bap. Foi até o Ninho do Urubu se despedir. Entre um churrasco e outro, pôs fim à segunda passagem como técnico do Flamengo ao fim de cinco breves meses.
Clube estuda opções na Europa e América do Sul
Como Abel Braga é passado, o Flamengo pensa no futuro. Nos quatro jogos até a paralisação para a Copa América, o time será comandado por Marcelo Salles, conhecido como Fera, terceiro auxiliar da agora ex-comissão de Abel. Ele foi auxiliar de Andrade na conquista do Campeonato Brasileiro de 2009. O nome para o substituto definitivo ainda passa por conversas internas. Jorge Jesus é um dos nomes cotados, assim como o argentino Sebastián Beccacece, ex-auxiliar de Jorge Sampaoli e que decidiu deixar o Defensa y Justicia, de seu país natal, de acordo com a imprensa portenha.
Marcelo Gallardo, do River Plate, é um sonho acalentado por algumas vozes do clube, mas é visto como quase impossível. Além de ter renovado contrato com o clube portenho no ano passado até 2021, ele também recebe um salário cerca de quatro vezes superior ao que era destinado a Abel Braga. O vice de futebol do clube, Marcos Braz, retorna da Europa nesta quinta-feira depois de 20 dias em busca de reforços. Com isso, a tendência é que a fumaça branca indicando o novo comandante surja em breve na Gávea.