De saúde mental a racismo, Filipe Luís desbrava a vida de treinador: "É mais divertido e mais doloroso"

Filipe Luís está apaixonado. São poucos meses e poucos jogos, mas o ex-jogador hoje saboreia mais as vitórias. E aprendeu rápido que o técnico sofre muito mais - e sozinho - com as derrotas. Este Abre Aspas, gravado na primeira semana de maio, foi dia de remoer e de estudar a derrota do seu Flamengo sub-17 num clássico com o Vasco.

Num papo de pouco mais de uma hora, o catarinense de 38 anos, que entrou para a história do clube para o qual torcia desde criança em Jaraguá do Sul, contou o porquê da decisão de não ir trabalhar com Dorival na Seleção, relatou pela primeira vez o caso de racismo contra seus garotos nos Estados Unidos e disse que entra de cabeça na instável profissão que hoje desperta tantas emoções:

- Cada dia estou mais viciado em trabalhar - contou.

Filipe Luís em entrevista ao ge no Abre Aspas — Foto: Reprodução

ge: E agora, como a gente te chama: professor ou Mister Filipe Luís?

Filipe Luís: — Pode continuar me chamando de Filipe. Não (tenho preferência), mas o objetivo é Mister um dia.

Como está sendo esse início como treinador?

— Posso dizer que é uma chuva de emoções tudo o que eu vivi desde o ano passado até agora. A profissão de treinador é mais divertida, digamos assim. Você se diverte mais quando vê as coisas que faz com o resultado acontecendo, mas também a derrota é muito mais dolorosa, mais solitária. O desafio é muito grande, a responsabilidade é muito grande. Estou completamente apaixonado por essa profissão. E cada dia estou mais viciado em trabalhar, em melhorar e continuar evoluindo.

Como é essa rotina nessa nova função?

— O trabalho do treinador, e eu já falei com vários desde que comecei a carreira, é infinito. Não acaba nunca. Se você quiser, pode continuar e cada vez vai assistir mais jogos, mais coisas novas... Muitas vezes me pego com o laptop na cama 22h, 23h30 para ver só mais uma jogada. Ou acordo 4h da manhã porque lembrei de alguma coisa com uma ideia nova e anotei no celular. Ou para mandar mensagem para algum companheiro para lembrar de um sistema que jogava contra... Isso é principalmente ainda por falta de organização do tempo. Sou novo nisso, estou me adaptando, me organizando e tende a melhorar. Conforme a comissão passar a ter mais clara a ideia para se organizar, em um clube profissional com seis analistas trabalhando, tudo fica mais fácil.

Filipe Luís no Abre Aspas — Foto: Reprodução

Como foi esse processo de virada de chave? Ainda se pega pensando como jogador?

— Por sorte, eu já pensava como treinador muitos e muitos anos atrás. Enquanto ainda jogava. Já pensava em coisas que eu queria, ideias que eu gostava, coisas que queria passar para os meus jogadores e anotava tudo. Quando fui chegando na reta final da minha carreira, tinha essa dúvida sobre começar como auxiliar, começar como treinador da base, começar como treinador no profissional... E eu fui vendo cada vez mais, falando com mais gente, e pensei que se eu começasse como auxiliar ia ser muito difícil. Eu tenho uma ideia tão forte do meu modelo de jogo, que seria difícil me adaptar para outra ideia de outro treinador. O auxiliar tem que se adaptar ao modelo do treinador. Eu pensei em começar a carreira solo e não estava preparado para começar no profissional. Ninguém está. Nunca fui treinador na minha vida. Por mais que a gente ache que sabe, são muitas responsabilidades e decisões que temos que tomar que não estão no nosso controle. Eu pensava em começar em uma categoria mais perto do profissional, mas o Flamengo me deu a oportunidade de começar no sub-17 e não pensei duas vezes. Eles me dão toda estrutura para trabalhar, toda tranquilidade e sigo modelo de jogo de um clube que quer ser protagonista a todo momento. Casou com o que eu pensava de me preparar para montar toda metodologia e botar esse modelo de jogo em prática para ver em campo se flui do jeito que eu quero.

Você perguntou ao Alex (ex-Palmeiras e Cruzeiro), no "Bola da Vez", da ESPN, qual a maior dificuldade que ele teve como treinador. E você, qual sua maior dificuldade?

— No começo, tive dificuldade de me posicionar de uma forma para ver tudo o que eu queria ver no jogo. Como jogador, eu me posicionava na lateral esquerda e ali, jogando, eu via tudo. Via se o zagueiro fechava, se o cara estava se posicionando certo, o ponta direita... E me peguei na primeira semana ao lado do campo e não estava vendo nada. Tive a ajuda da comissão, que foi me guiando, guiando a equipe e fui aprendendo onde me posicionar nos treinos para dar os feedbacks necessários.

— No meu modo de ver, todo o modelo do futebol se define durante o treino. Depois, pouco pode se fazer. Tem o vídeo e tudo mais, mas é no campo onde realmente trabalhamos. Até eu me adaptar a esse contato de posicionamento em campo para enxergar o modelo foi o que mais me causou dificuldade. O resto foi questão de adaptação, palestras e outras coisas. Claro que há o que melhorar, mas foi mais simples. Eu já era um cara que falava bastante durante os treinos, até nos vídeos eu fazia muitas perguntas e questionamentos. O resto foi mais simples.

Você falou que sempre teve claro qual era o seu modelo de jogo, mas isso depende de uma mão dupla: você saber ensinar e eles aprenderem. Como se deu essa construção da metodologia?

— A metodologia foi onde eu mais precisava de ajuda, processos pedagógicos e tudo mais. Eu sei como eu quero que meu time jogue, como eu quero vê-lo no campo posicionado, eu sei como eu quero que ele ataque, mas eu não sabia como fazer ele chegar até lá. Foi onde pedi a ajuda do Ivan, que é meu auxiliar, é treinador e trabalhou no Barcelona por muitos e muitos anos. Ele tem um modelo de jogo parecido com o meu e fomos adaptando algumas discrepâncias para chegar a um acordo que torna o processo metodológico muito fácil. Tudo o que é treinado é em cima deste modelo de jogo e eu vi o time treinando uma semana e na outra já jogando da forma que eu queria. Os moleques assimilaram muito rápido, o vídeo tem um poder muito grande nisso. Claro que eu dependo muito da qualidade individual e do talento deles. Eu preciso adaptar o modelo aos valores que eu tenho, não posso pensar só como se fosse um videogame. Penso em cada peça que tenho, adaptei essas questões e cada vez eu os sinto mais confortáveis em campo.

E como é esse modelo de jogo que você tem tanta convicção?

— Não quero abrir muito. Sempre pensei que o treinador tem que falar o menos possível, dar menos pistas possíveis. Mas o meu modelo de jogo é de propor sempre, sair jogando com a bola, posse no campo ofensivo e ataque ao espaço. É um jogo mais vertical neste ponto e baseado muito no último conceito, que é a pressão. A cada adversário que eu jogo, eu quero pressionar sempre para ter a bola, mas isso é muito difícil. Acredito ter a capacidade de fazer isso, por mais que às vezes erre ou acerte. Mas é um modelo baseado principalmente em pressionar e depois um jogo muito agressivo e em direção ao gol.

Há uma questão geracional muito evidente em relação à sua época por causa da tecnologia. Rede social, telefones celulares... Há alguma cartilha com restrições de uso que você siga?

— Quando eu estava no Figueirense em 2003, 2004, estavam chegando aqueles telefones com jogo da cobrinha, mensagens de texto, com redes sociais... Estava começando, mas não como agora que é exagerado. Se você não souber usar, é uma ferramenta poderosa e perigosa. Sou a favor do que o clube faz aqui, que é proibir celulares no refeitório, na fisioterapia, para eles conversarem e terem o ambiente de conexão. São poucas horas que eles têm aqui. Fora a gente não controla. O que tento fazer para eles é o que acontece muitas vezes no profissional quando você entra no Instagram depois de um jogo bom, mas também depois de um jogo ruim. E eles comentam: "Poxa, lá onde eu moro quando o Gabi joga mal querem matar, depois faz um gol e é o melhor". As redes sociais são muito mais intensas e eles têm que ter cuidados. Falo bastante, mas não tenho poder de limitar o uso.

Filipe Luís no Abre Aspas — Foto: Reprodução

Mas como acha que pode atrapalhar na forma de absorver o trabalho, de lidar com as exigências?

— Eu acredito que é algo que tem melhorado. Eu sou de 1985, cheguei ao Figueirense em 2000 e logo depois já estava no profissional. E a gente vem de uma geração onde nossos ídolos eram reis na noite. Festas, bebidas e para jogar bem tinha que sair. Antigamente, se fazia muito isso e eu era criado nesta geração. Eu também pensava que para jogar bem tinha que sair. Então, não era treinar, ir para casa e pensar no treino. Era treinar, fazer um churrasco, festa e tudo mais com os companheiros.

— Acredito que isso tem melhorado muito. Acredito que durante os últimos anos o que estamos perdendo é o futebol de rua, o futebol do drible. Em uma categoria sub-7, 8, 9 já queremos ser campeões em vez de formar, de ensinar e colher os frutos mais para frente. Estamos perdendo um pouco essa essência, tanto que na base a maior carência são os dribladores. Que são os que fazem a diferença, os goleadores e dribladores. Neste ponto, acho que há muita diferença. Mas o eletrônico vem para piorar? Acho que precisa saber ser utilizado. Lembro que eu também ia para casa jogar videogame também, agora são outras ferramentas. Se você sabe utilizar bem, é algo que vai ajudar. O problema está nos excessos.

Em uma categoria como o sub-17, você ainda consegue moldar personalidades e também a parte técnica em campo ou eles já chegam formados e isso precisa ser lapidado mais cedo?

— Tecnicamente eu acredito. Cuido muito da parte tática, me dedico muito a isso, e a parte técnica não temos tanto tempo para treinar, mas tento sempre implementar. É uma idade mais difícil, mas sempre se aprende e dá para melhorar. Sobre a parte comportamental, acredito sim que podemos ter uma influência muito grande. Eu vivi isso na prática quando um treinador mudou minha mentalidade com 25 anos. Se ele conseguiu isso com 25, com certeza eu tenho influência grande na educação desses meninos. Por isso, sempre coloco os valores da equipe em primeiro lugar. Nunca negocio que o escudo do Flamengo está por cima de todo mundo. Todas as minhas decisões e valores são em cima disso. Eles representam um clube, a maioria deles vive disso, e tendo isso claro tudo fica mais fácil. Já vejo uma mudança grande dentro dos jogos. E isso talvez seja o que mais agrade na função de treinador: ver a evolução deles para o que você quer.

Voltando para o processo de transição, você não se deu tempo para descansar. Como que a família lida com isso? E você, não fica estafado emocional e fisicamente justamente por não ter parado?

— Eu tirei a licença B em 2020 e no ano passado tirei a licença A, e as práticas eram durante o Brasileirão. Então, eu me aposentei e no dia seguinte estava às 10h na sala de aula estudando. Isso foi um impacto, mas eu amo tanto isso, amo tanto futebol, sou tão apaixonado, que vou com prazer. O difícil para mim é estar longe do futebol, é sair de férias.

Filipe Luís em estreia como treinador no sub-17 do Flamengo — Foto: Fred Huber / Globo

— Eu tenho o apoio da minha esposa e da minha família, tenho a hora certa. (Quando parei) saímos de férias, descansamos o tempo que eu pude. Não todo o tempo que a família gostaria, mas como eles me apoiam tudo fica mais fácil.

Neste período, você recebeu o convite da CBF para ser coordenador técnico. Como foi esse chamado e qual o motivo de não ter aceitado?

— O presidente Ednaldo me ligou, conversou comigo sobre a possibilidade. Primeiramente, a seleção brasileira ligar e você dizer não é difícil. Mas eu tenho tão claro que quero ser treinador, que seria desviar do meu caminho, fazer uma curva. Primeiro, por ser totalmente inexperiente para o cargo, há muito melhores do que eu para essa função e que vão ajudar mais. E segundo porque eu egoistamente quero começar essa carreira como treinador.

— Deixei a porta aberta caso ele quisesse algum cargo no campo, mas para esta função eu preferi não aceitar. Por mais que financeiramente, status, e tudo mais, seria melhor ir para lá, meu coração quer estar no campo. Não me arrependo.

Você falou há pouco o quanto a pressão por resultados prejudica a formação de jovens jogadores. Você também é um técnico em formação. Até que ponto consegue descolar da necessidade de vencer para evoluir nesta formação ou é algo que você mesmo, pela competitividade, não permite?

— Primeiro: eu quero ganhar. Sempre fui um cara supercompetitivo, continuo sendo, mas existem coisas que a gente não controla. O resultado a gente não consegue controlar, a maneira sim. A maneira que a gente ganha e a maneira que a gente perde. Se for para perder, que seja da minha maneira e não de qualquer jeito. Que seja agredindo o gol adversário, tentando jogar, botando a bola no chão... A partir dessa ideia e modelo de jogo, os resultados eu acredito que estão mais próximos, mas do outro lado também há treinadores e jogadores muito bons. Na base, está me surpreendendo muito o nível tático dos jogos. O que me desanima um pouco é o horário, que é sempre 11h com calor e gramados muito ruins. É uma situação complicada para desenvolver essa ideia e modelo de jogo de posse e progressão. Quero ganhar, mas quero ganhar da minha maneira e jogando de uma forma que me leve mais perto da vitória. O clube me dá total liberdade para tomar qualquer decisão, mas você está com o escudo do Flamengo no peito e precisa ganhar todos os jogos.

Filipe Luís aplaude seus jogadores na comemoração de um dos gols do Flamengo — Foto: Paula Reis / CRF

Filipe Luís beija taça da Libertadores em Guayaquil — Foto: Divulgação / Flamengo

Esses são problemas que você viveu também no profissional e muitas vezes fica a impressão de que o futebol brasileiro se sabota. De que maneira você enxerga esse processo? Vê viés de mudança?

— A mudança vem devagar, mas vem. No meu caso, vou fazer de tudo o que estiver ao meu alcance para mudar esses problemas. Por exemplo, temos um jogo 11h da manhã, 38 graus, grama muito alta... Não é a melhor forma sair jogando. O certo para ganhar jogo é chutão, brigar pela segunda bola e parar perto do gol adversário. Mas não é o melhor para os meninos. Pela minha parte, eu vou fazer o que é melhor para eles e não ganhar a qualquer custo. E tenho encontrado treinadores que gostam e fazem a mesma coisa. A gente está fazendo a nossa parte. Claro que há treinadores que vão mandar dar porrada, perder tempo, enganar... É claro que isso existe no futebol, mas não de mim.

— Eles vão colher os frutos no profissional. Eles não jogaram por jogar, estão aprendendo o jogo que é muito complexo. Esses jogadores dos times que ganham a qualquer custo vão chegar ao profissional com mais carências e os meus jogadores talvez não colham tantos frutos agora, mas vão chegar mais preparados quando, por exemplo, o Tite precisar deles no profissional. Esse é o meu trabalho.

— Eu cobro muito o clube por uma melhoria nos gramados, tento falar com a Federação para diminuir o tempo dos jogos... A maioria tem 15, 16 anos e é muito quente jogar às 11h, 13h da tarde. Mas isso não está no meu controle. Eu falo, tento fazer com que eles olhem para dar melhorias para a condição de jogo. Se ele tem condição ruim para desempenhar, como que ele vai driblar? Ele vai tentar driblar, a bola fica presa, pisa, cai e o que o treinador vai fazer? Vai tirar, vai dar chutão e tentar ganhar o jogo a qualquer custo. É um tipo de coisa complicada que também acontece no futebol, mas tem gente nova vindo para colocar um grão de areia. Tem muitas pessoas entrando no futebol e vejo essa melhoria. Devagar, mas está acontecendo.

Pegando o tripé arbitragem, calendário e gramados, desde 2019, quando você chegou ao Flamengo , é possível enxergar uma evolução no futebol brasileiro?

— Eu, particularmente, gosto da arbitragem brasileira. É a arbitragem mais pressionada do mundo. Os programas de televisão analisam mais a fundo o desempenho do árbitro do que taticamente uma equipe. Isso me chama muito a atenção. Existem árbitros aqui de altíssimo nível. Não todos, obviamente, mas gosto muito da evolução que eles têm tido durante os jogos, têm deixado correr mais.

— O gramado é um ponto que me desafia e me surpreende. Dizem que faz muito calor para ter um gramado bom, mas você vai na Arábia e tem os melhores com 50 graus. Nos EUA, na Flórida, estava 40 graus e também (encontramos) o melhor gramado. Aqui no Brasil não dá, é a resposta que é dada. Não consigo entender esse ponto. Sobre calendário, realmente os Estaduais ocupam muito tempo. São importantes, não deveriam acabar, mas deveriam ser feitos de outra forma para que se possa jogar Brasileiro, Copa do Brasil e Libertadores de uma forma mais pacífica, com viagens mais tranquilas, tempo para descansar. Não tem outro campeonato no mundo onde cada viagem são três, quatro horas, porque não é só a viagem até o local. É deslocamento para aeroporto, espera, conexão, ida para o hotel... São coisas que temos sempre que pensar para ter melhor desempenho, o horário dos jogos. Espero que escutem mais os jogadores, que são os grandes protagonistas.

Neste processo de formação, a figura dos pais costuma ser muito presente e não é fácil administrar. Seu filho de 10 anos também joga. De que maneira que você lida com isso como pai e como treinador? É uma relação que muitas vezes vai além do apoio e gera uma pressão no garoto...

— O meu filho, particularmente, prefere que eu não vá porque ele diz que fica nervoso. Eu não falo nada, deixo ele jogar, e seria hipócrita de minha parte falar com um treinador lá no banco dando instruções. Existem pais que cobram, pais que apoiam, pais mais positivos... O meu pai, por exemplo, sempre me elogiava, até quando eu jogava mal. Ele via coisas boas que eu fiz no jogo para dar um feedback positivo. Tem pais que cobram mais e isso vai de cada um. Eu procuro saber dos meus garotos como são os pais, porque realmente um pai que cobra atrapalha muito. É muito forte para um filho escutar de um pai que critica e que cobra. Eu não escuto muito por estar focado no que acontece em campo. Não escuto o que os pais falam e também não sei que são os pais, para mim são torcedores.

— Mas com certeza um pai que dá instrução está errado. Porque ali ele já não controla mais. Daqui a pouco, o filho está no profissional, jogando para 70 mil, e ele não vai ouvir o pai gritando do lado. Ele precisa saber fazer as coisas sozinho.

Todo esse ambiente de pressão e formação da personalidade do atleta nos remete muito aos problemas cada vez mais recorrentes de saúde mental. Como trabalhar isso no dia a dia?

— Eu vou fugir um pouco disso. Acho que a parte da saúde mental do atleta não deve ser pensada só no atleta, mas no ser humano em geral. E a saúde mental de um cara que trabalha em uma empresa 12 horas por dia e chega com limitações no final do mês? Ou de uma mãe com três filhos? Esses também têm uma saúde mental comprometida. Pensamos muito no atleta por estar em evidência, mas isso é com todas as pessoas. A crítica, a cobrança, não é fácil de lidar e as pessoas caem. E os atletas também. Não é porque ganham mais dinheiro e são famosos que são invencíveis. Todo mundo tem problemas, todo mundo tem altos e baixos, todo mundo joga bem e joga mal, todo mundo rende bem e depois para de render no trabalho. Isso acontece, todo mundo oscila. As pessoas têm que entender que cuidar da saúde mental de uma maneira geral é importante. Procurar um psicólogo, um psiquiatra, o que for para você entender o que está acontecendo com você mesmo. Por isso que eu falo que saio um pouco, não é só o atleta. Está acontecendo com atletas que estão no limite, mas acontece em todo o mundo. No começo, era algo mal visto falar com um psicólogo, se tratar, procurar ajuda e não é. Eu mesmo trabalhei com psicólogo vários anos no começo da carreira e foi uma coisa que me ajudou muito, é algo excelente a se fazer até mesmo para se conhecer melhor nos tipos de sentimento que tem despertado.

O Flamengo há pouco tempo estava nos Estados Unidos para um torneio e soltou uma nota denunciando um caso de racismo contra o time sub-17 . O que você pode relatar deste episódio?

— É uma situação complexa e difícil de falar. Foi depois de uma derrota, depois de um jogo onde tudo se deu de uma forma muito negativa. Arbitragem, ambiente, eles queriam mesmo para entrar na mente dos nossos jogadores e foi bem feito. Troquei informações e análises com o Philadelphia (Union, equipe americana que venceu por 2 a 0) depois do jogo até para aprender e ali estava no plano de jogo deles que era entrar na nossa mente. Eles irritaram muito e conseguiram tirar nossos jogadores do jogo, venceram de forma justa. A arbitragem era americana e os favoreceu um pouco, mas não é desculpa para a derrota.

— No fim, a saída não era organizada. Os jogadores saíram a pé pelo campo e acabaram discutindo já depois do fim do jogo. O brasileiro em si tem uma coisa de não saber perder e tem que saber perder. Não é a mesma coisa você perder brigando do que tentando fazer tudo de melhor e depois ir lá dar a mão. Falei que o que podia ser feito estava feito, que a nossa parte são os 90 minutos de bola rolando ali, que depois não há mais o que fazer.

— Acabaram saindo, se encontrando e começaram a se xingar, até que um jogador do outro time, com o pai, fez o gesto imitando um macaco para um jogador nosso. Se armou uma confusão muito grande, a polícia estava lá, e a polícia na Flórida é complicada. Já estavam com a mão na arma, com aquela pistola de dar choque. Foi um momento muito tenso, muito nervoso, mas a MLS tomou todas as providências. Baniram aquele pai e o jogador do torneio, nos trataram superbem, fomos atendidos em todas as nossas questões e reclamações. Eles cumpriram tudo o que prometeram.

— Foi caso isolado de duas pessoas que foram racistas. Foram banidos e punidos. E, na minha visão, caso encerrado. É um assunto muito delicado. Se você não apoia a causa, parece que você foi racista, mas tem que entender o contexto que foi criado porque houve xingamento dos dois lados, e claro que tem um xingamento que é o pior, que é o racismo. Foi onde mais despertou o rebuliço e despertou a polêmica. Foi um aprendizado por ser uma coisa totalmente nova para mim, para todo o estafe e, por sorte, tinha representantes capacitados da MLS que cuidaram e geriram da melhor forma possível.

Neste assunto, você jogou na Europa por anos... Era algo naturalizado esse tipo de xingamento racista? Era essa sua percepção?

— Eu não lembro de ter vivido e vivenciado muitos temas racistas, como vi agora nos Estados Unidos. Brincando, eu até vi, porque eles mesmos, entre eles, brincam dessa forma. Mas de uma forma para agredir uma pessoa não vivi muito. Vi pela televisão episódios do Balotelli, do Daniel Alves até comendo uma banana... Existem essas pessoas? Existem muitos. Nos Estados Unidos, eles falaram para gente que são muitos. E cada um tem que ser punido individualmente. Aqui no Brasil, isso é crime, lá não é, mas eles têm que pagar. Quem comete esse tipo de ato precisa ser punido e ponto.

Recentemente, depois de episódios de racismo, condenações de ex-jogadores, violência contra a mulher e tantos outros, o Danilo falou como capitão da Seleção que é preciso cuidar da educação na formação de jogadores. Você, agora como treinador, encara e conduz tudo isso de que maneira?

— Por sorte, o mundo está mudando. As mulheres estão ganhando cada vez mais força, cada vez estamos brigando por uma igualdade, os casos dos racistas estão sendo punidos e o mundo está se tornando um lugar melhor para se viver. Antigamente, isso acontecia e ninguém falava nada, o que é errado. Um caso de um machista em casa, de violência, não se falava nada por se achar normal homem bater em mulher. Temos que fazer a nossa parte, explicar para eles. No Flamengo temos psicólogas, assistentes sociais, pessoas que cuidam dessa parte com palestras e explicações.

— Depois desse caso do Philadelphia, contei um caso para eles. O que pode ser mais doloroso do que perder uma final de Libertadores, cumprimentar aos jogadores do Palmeiras, que ganharam da forma que foi, passar por um corredor com aplausos, o que é até irônico, pegar a medalha de prata, não tirar do pescoço, e vê-los ergue do troféu na sua frente? O que há de mais doloroso do que isso? Mas todos nós fizemos esse gesto. Alguns torcedores podem até dizer que é falta de vergonha na cara, mas é o justo a se fazer, o certo. O Palmeiras ganhou, mereceu e levou o troféu para casa deles. Mas o que aconteceu? No outro ano, estávamos lá de novo com uma nova oportunidade. Então, tem que saber perder e se comportar, tem que ser educado, e isso que eu falo que nós treinadores, educadores, temos a missão de tentar mudar o mundo. Sei que de uma certa forma, se eu fizer a diferença em um desses jogadores já sou vencedor.

Seria algo como ensinar o espírito esportivo e que, naturalmente, isso impactaria em outros temas?

— Não. Acho que não. Delicadamente falar sobre machismo, desigualdade entre homem e mulher, homofobia, racismo, isso tem que ser explicado, tem que ser mais profundo. O mundo tem que arrancar, tem que acordar e está acordando. Isso tem que ser ensinado desde cedo para esses meninos que ser racista não é normal, ser machista não é normal, ser homofóbico não é normal. E o mundo tem melhorado neste aspecto.

Você falou há pouco do quanto que o tema da saúde mental é global, mas a cobrança de todos os lados sobre o atleta costuma ser maior por toda paixão que envolve. Não acha que é um ambiente muito cruel para o atleta e isso acaba gerando uma bola de neve?

— Não concordo 100% com isso, não acho que seja assim. Primeiro, porque para chegar ao profissional ele já passou por muita coisa. Há um caminho e todo mundo sabe a pressão para chegar lá. Todo mundo quer ser jogador, mas existe um preço a se pagar, existe o preço da fama. Eu sempre sonhei quando era pequeno em ser famoso, mas quando você é famoso não é legal. É legal conseguir um ingresso para o Rock in Rio, que ninguém tem, lá no VIP, mas não pode ir à praia com sua família é um preço alto a se pagar, mas a gente escolhe fazer isso. Durante esse processo de base, ele vai afunilando e eliminando os fracos mentalmente. É uma seleção natural. Nem todos os que chegam são imbatíveis e fortes mentalmente, só que você já vai passando por muitas situações que vão te fortalecendo. As redes sociais neste ponto estão potencializando esses problemas de saúde mental porque a expectativa gerada nesses meninos com muitos seguidores contando um sonho e uma mentira não é real. Em vez de fazer e demonstrar que são bons no campo, também têm que mostrar fora. Mostrar que são bons nas redes sociais, que têm carros bons, que vivem bem, que vão para a praia e têm um monte de pessoas boas ao lado. Então, é uma pressão que eles mesmos colocam muitas vezes. A cobrança dos clubes sempre teve, e a maioria dos jogadores soube lidar bem com isso, porque já passaram por muitas situações onde foram vaiados, foram cobrados, saíram de um clube, se adaptaram a isso se tornaram mais fortes.

— Falam: "Podem me vaiar, mas me dá a bola que eu vou jogar igual". Há outros que sentem mais. Mas onde se cresce muito (a pressão) é muitas vezes algo interno, uma pressão que eles mesmo colocam. É uma linha fina e muitas vezes exagerada. Por exemplo, o Andreas errou, o Flamengo perdeu uma final de Libertadores, mas ele jogou muito. Ele errou um gol, mas o time perdeu aquela final, não foi ele. A cobrança foi toda nele. Eu quase não sinto cobrança em mim, e eu saí daquele jogo machucado sem fazer quase nada. Tive cobrança? Tive, mas não como o Andreas. E ele foi muito forte mentalmente para superar, mas não deve ter sido fácil. Aí está o perigo, quando é algo exagerado, injusto, com memes e tudo mais. Mas por seleção natural normalmente o jogador já passou por tantas coisas que chega com uma cicatriz grande para ser jogador.

Ao mesmo tempo, há exemplos de jogadores que param cedo. Seu ex-companheiro Hazard passou por isso, há questionamentos sobre até quando o Neymar depois de passar por tantas cobranças... Você entende que isso vem muito da saúde mental ou outros fatores?

— O caso do Hazard foi diferente porque ele machucou e não conseguiu performar. Então, quando você tem lesões constantes, ele teve dez em um ano, e ele não consegue, você fala: "Eu não preciso mais disso porque o meu corpo não me responde mais". Uma coisa é você desistir porque o corpo não deixa, e outra é você não aguentar a pressão do jogo. É diferente quando a água bate na cabeça do chuveiro e você pensa que precisa melhorar e o corpo não deixa mais. Aí, vem os problemas psicológicos. Eu passei por isso e é muito difícil.

— O caso do Hazard, o caso do Neymar agora que está com lesões todos os anos, e isso cansa. Ter lesões, não poder jogar e a pessoa fala: "volta em seis meses". Mas nesses seis meses em todos os dias ele trabalha, ele tem que fazer força, treino, bicicleta, natação, várias coisas para voltar a ser jogador. As pessoas não sabem e esse processo é muito chato, muito difícil, tem que ser muito forte mentalmente, e o Neymar teve várias. E cansa! Chega uma hora que você fala: "não quero mais isso aqui". Por saúde mental, com certeza há casos em que a pessoa acha que não precisa mais ser cobrada por aquilo e vai parar, mas normalmente é mais por lesão.

Passando um pouco pela sua carreira, você falou que um treinador mudou sua mentalidade. Imagino que seja o Simeone... Como foi essa relação que mudou sua carreira?

— Foi no dia a dia. Eu era um jogador que gostava de ter a bola, me esforçava muito no campo, marcava, mas não era um cara que treinava sempre ao máximo. Não é que eu escolhia treino, mas não treinava do jeito que tem que treinar. Principalmente aquecimento, bobinhos... Eu lembro que o Simeone chegou, tinha uma escadinha e eu falava: "Isso aqui é muito chato". E ele lá de fora gritando, falando que seria bom para mim, cobrando e cobrando. Ele conseguiu me falar que se eu vivesse tudo o que eu fizesse ao máximo, eu iria jogar ao máximo. Então, não era só o joguinho do final do treino. Era o pré-treino, a academia, o bobinho, o trabalho de passe... Tudo o que era feito durante o treino deveria ser ao máximo para chegar ao final com a carga ideal. E só assim eu seria competitivo, muito melhor como jogador, sendo cobrado dia a dia. Quando eu vi, se eu não vivesse ao máximo, eu ficava estranho. Foi o que mais aprendi com ele e tento passar para os meninos todos os dias.

Filipe Luís e Diego Simeone: treinador do Atlético de Madrid é modelo de profissional para ex-jogador do Flamengo — Foto: AP

Você já falou muitas vezes que o Simeone e o Jorge Jesus são suas referências. Hoje, como técnico, como você se enxerga dentro dessas referências?

— Hoje, vejo que faço praticamente tudo que esses treinadores me ensinaram. A mentalidade que o Simeone tem. Não é fácil, porque você não chega sempre bem humorado, não chega sempre descansado, mas tem que estar ao máximo. E eu me exijo ao máximo por ser o grande líder. A energia que transmito para eles, é a que eles vão usar no treino. E se eu não estiver bem, eles não vão estar bem. Sei disso, sei da força e responsabilidade de um treinador, e tento passar. Depois, vou botando coisas do Jorge, do Tite, do Simeone, o Dorival, conforme fui me moldando passando por esses treinadores.

E você tem uma liderança mais tranquila ou mais enérgica como o Simeone?

— Eu sou bem enérgico. Durante o treino, gosto de falar muito, corrigir tudo e até demais. Mas acho que a única maneira de melhorar é intervenção imediata, feedback imediato e estou sempre ativo durante os treinos. No jogo, às vezes estou mais calmo porque pouco podemos fazer, só algum ajuste ou outro, mas de modo geral sou bem ativo.

É bravo igual o Jesus e o Simeone?

— Ah, às vezes não tem como (não ser)... Não porque eles são assim, mas acontecem coisas que não dá só para falar, tem que gritar. Não tem jeito.

Para o torcedor é muito natural que te coloquem numa linha sucessória do Flamengo . De que maneira você vê essa possibilidade? O que você projetou para a sua carreira neste sentido?

— Eu tenho um planejamento de carreira muito claro das coisas que eu quero. O primeiro passo é me preparar, me sentir preparado para ir para o profissional, e a partir daí entrar no mercado de trabalho. Muitas vezes temos um plano, mas não escolhemos. A vida escolhe para gente. Eu tinha um planejamento de jogar no Barcelona ou no Real Madrid e ganhar três Champions, e joguei no Atlético de Madri e não ganhei Champions, ganhei Europa League. Perdi finais. A gente planeja as coisas, mas não como elas acontecem. Então, o meu primeiro passo é me preparar. Por isso que eu comecei aqui sem nenhuma vergonha de dizer que eu não estava preparado para ser treinador do profissional.

— E nas duas primeiras semanas dei graças a Deus por começar na base, onde eu posso tomar minhas decisões, posso errar e fazer tudo o que o clube me respaldar. Esse é o primeiro passo. A partir daí, o que surgir só Deus sabe. Eu vou estar nesse caminho de preparação para um dia estar no profissional seja do Flamengo , do Inter, do Cruzeiro, sei lá... Onde for poder desempenhar o meu principal objetivo, que é ser campeão.

O mercado de treinador é instável. Isso é uma coisa que te assusta?

— O mercado brasileiro tem mais oportunidades que o europeu. O europeu é mais fechado e difícil de entrar, principalmente para o treinador brasileiro. Porque aqui você não consegue ver os conceitos de jogo, você não consegue preparar. Você prepara uma pressão sobre o adversário, mas vai jogar no Maracanã com 38 graus e não tem como pressionar porque os jogadores não têm pernas. Então, os europeus observam e não tem como comparar com a Europa porque o jogo não é o mesmo. Mas essa dança de treinadores é uma coisa natural aqui no Brasil.

— O Alex (Cabeção) está aí há algum tempo e vão vir outros. Tenho certeza que o Arão vai ser treinador, o Thiago Silva, o Fernandinho... Vai vir uma nova safra aí e é importante que a gente venha preparado e entre preparado para mostrar que, se não vier o resultado, o trabalho é bem feito e é questão de tempo. Nós, novos treinadores, somos os capazes de fazer com que essa mudança diminua um pouco e seja mais estável. Como está acontecendo com os portugueses.

Como vê esse momento da Seleção com o Dorival?

— O que eu mais gosto do Dorival é a capacidade de fazer conexões dentro de campo, os jogadores se sentem muito bem um com o outro... E ele tem um olho para esses talentos se juntarem e jogarem bem que é único. Seleção é um lugar muito complicado de trabalhar. É pouco tempo de trabalho e muita pressão, porque no final você tem uma semana para preparar um jogo, mas acredito que estamos nas mãos do cara ideal para isso no momento, para essa transição pós-Tite. Que a Seleção possa recuperar o brilho que perdeu e a comunhão com a torcida. E isso só vem de uma forma: que a torcida se sinta identificada com os jogadores que estão ali. Não é nem necessariamente o resultado. Porque ganhar de 2 x 0 da Colômbia, por mais que a Colômbia esteja em um momento excelente, para o torcedor é natural. Mas fazer com que a torcida se sinta identificada, e o Dorival é o cara ideal para fazer isso. Torço muito por ele e toda comissão. Vamos ver se recuperamos o brilho.

Filipe Luís no seu início de carreira no Figueirense, com Cleber, ex-Palmeiras, e Édson Bastos. Comandados à época por Dorival — Foto: Arquivo Figueirense

Existe uma discussão sobre treinadores de seleção, que não costuma ser o top de cada país. Você entende que é um trabalho onde é mais "fácil" fazer o chamado feijão com arroz?

— Eu lembro que perguntávamos muito para o Simeone quando ele estava voando no Atlético. Poxa, certeza que a Argentina ia levar e perguntávamos se ele ia embora, e a resposta, brincando, era: "Seleção é lugar para aposentado". Porque você trabalha menos no campo. Está sempre vendo jogador, mas trabalha menos.

— A França ganhou com Deschamps, que é um cara mais de grupo, a Argentina ganhou com o Scaloni que é mais metódico e tem um futebol moderno. Não tem uma receita para ganhar. Tomar um gol faltando quatro minutos e perder nos pênaltis te elimina. É muito rápido, a linha é muito fina e nem sempre o melhor vai ganhar. A Argentina também venceu a Holanda e a final nos pênaltis. Se tivesse perdido, não seriam os melhores? É uma linha muito, muito fina. O importante é que o treinador que estiver ali tenha muita coragem para tomar decisões. Aqui no Brasil, é preciso coragem. Deixar jogadores importante fora, abrir até guerra com a imprensa, muitos setores vão querer um jogador ou outro, e ele tem que pensar nos melhores para o modelo de jogo dele. E fazer um grande torneio. Te pegar em um grande momento, fazer boas trocas, ler bem o jogo... Nem sempre o melhor vai ganhar uma Copa do Mundo, mas que vamos ser favoritos sempre eu tenho certeza.

Para fechar, falamos de muitos problemas que existem no futebol brasileiro e a imprensa faz parte deste processo. Como ex-jogador, qual a sua percepção dessa relação entre as partes que parece cada vez mais distante?

— Eu acho que a imprensa ajuda muito mais do que atrapalha. Ao mesmo tempo em que reclamamos do jornalista que nos critica, não estamos entendendo o que está acontecendo realmente. Eu tive uma visão muito boa quando fui participar como comentarista do Seleção SporTV na Copa e vi como o jornalista se prepara, como trabalha, quantas horas ele se dedica para aquilo. Foi algo que me deu uma ideia muito boa de como é difícil esse trabalho. Entender esse lado... Eu nunca me importei com as críticas, mas tem muito companheiros que sim. Bloqueiam no Twitter e tudo mais. Mas entender que ele não está criticando o seu caráter, o seu individual, está criticando o seu trabalho. E a partir daí conhecer vocês como vocês nos conhecem. Existir muito mais essa comunicação, e isso vai muito do nosso lado, que muitas vezes na primeira crítica se fecha. Bom, do lado dos jogadores, eu não jogo mais. Mas quando o cara te critica a primeira reação é se defender e se afastar, mas temos que tentar nos aproximar um pouco mais. Que as coletivas tenham nome, sobrenome, que o jogador saiba onde o cara trabalha... É importante voltar a ter essa ligação, essa união, porque está muito afastado. Sinto que está muito afastado e cada vez mais porrada de um lado, porrada do outro, e existem alguns realmente que atrapalham o ambiente de trabalho até injustamente. Alguns nem são jornalistas, como acontece nas redes sociais. De um modo geral, no Brasil principalmente - porque a imprensa espanhola é muito mais difícil - a imprensa ajuda mais do que atrapalha. Por quê? Porque te dá muita força. Quem joga no Flamengo e tem o nome falado todos os dias tem muita força, por mais que esteja falando mal. No meio do futebol, no meio do clube e tudo mais. É uma opinião de uma pergunta difícil, mas eu acho que tem mais do jogador se defender do que do jornalista se aproximar.

Fonte: Globo Esporte