"Ninguém nunca tinha me perguntado isso... sim, por uns dois anos, eu joguei futebol já sem gostar".
Jean Chera, 24, jogador profissional aposentado, deu a resposta acima quando indagado pelo ESPN.com.br se, em algum momento de sua carreira, havia se dado conta de que não gostava mais da profissão que abraçara antes mesmo da puberdade, aos 9 anos.
"Com 6, 8 anos, eu amava futebol. Mas chegou um momento em que eu não tinha mais prazer de jogar. Lá pelos 19, 20 anos, era um negócio muito chato, muita pressão", diz ele, que chegou ao Santos com 10 anos.
Na época, Jean encantava os fãs de futebol com um futebol muito acima dos colegas da mesma idade, gols do meio-campo, chutes potentes e habilidade.
Atualmente, Jean não aceita nem mesmo convites para disputar partidas de futebol society com os amigos.
Na última vez em que se arriscou, após muita insistência, torceu o tornozelo direito ao tentar um giro, em seu primeiro lance, encerrando de vez sua relação com o jogo.
"Não, não me vejo mais jogando futebol, ainda menos profissionalmente", diz.
De talento impressionante nas categorias de base do Santos - onde mais? - ele foi de "Novo Pelé´" a um fim sem alarde ou sentimentalismo no pequeno Sinop de seu estado natal, o Mato Grosso.
Mas, mesmo aposentado dos graados, Jean não se desliga totalmente do mundo da bola. Como empresário e atleta, dedica-se hoje a duas modalidades que orbitam o espote bretão: o futevôlei e os esports de futebol, jogando os games da série Fifa.
Chera assinou no início desta semana para integrar o time R10, onde além de atuar como meia na modalidade 11 x 11, atuará também em função administrativa. Sim, a marca de seu time é a de Ronaldinho Gúcho. E a relação do bruxo com a equipe para por aí.
"Como a marca é forte, ela nos ajuda a abrir portas com possíveis patrocinadores", explica Chera. A despeito da recente prisão no Paraguai, por questões envolvendo passaportes falsos, o nome do ex-jogador do Barcelona ainda tem peso positivo, acreditam os membros da agremiação.
Jean, que antes tinha um time chamado TEAM FTV leva parte do seu "elenco" para nova casa.
No Mato Grosso, como parte do dinheiro conquistado ao longo da carreira nos campos, Chera tem como um de seus investimentos uma arena de futevôlei, modalidade na qual ele também se arrisca na quadra.
"Não tem contato físico, a chance de lesão é menor", explica ele, que vê na modalidade surgida nas praias do Brasil uma hipótese de futuro profissional. De oito torneios dipsutados, ele conquistou oito.
"Claro que o nível daqui não se compara aos mais altos o Brasil. Mas é um indicativo", pondera.
Nos esports, Chera também vê um futuro profissional, muito embora a modalidade a que ele se dedica ainda esteja longe da badalação, da estrutua e dos valores pagos aos profissionais de "LoL", por exemplo, o principal dentre os esports.
"Mas, e pode parecer loucura o que vou dizer, eu acho que os games de futebol podem até vir a ser maiores do que as outras modalidades. Se os fabricantes dos jogos derem mais foco e investirem no circuito profissional, pode acontecer. O futebol é paixão mundial, os esports de futebol podem também vir a ser", crê.
"Estou em busca de alguém para me guiar para que eu possa crescer nos esports. Alguém que faça comigo o que fizeram com o (ex-jogador aposentado precocemente) Wendel Lira".
Ganhador do premio Puskas da Fifa em 2015, ele teve poucas chances no futebol e virou um streamer e jogador reconhecido no mundo dos esports.
Arrependimentos
Jean Chera nunca acreditou que seria o "novo Pelé".
"O que percebi, sim, é que eu era acima da média entre os meus companheiros de categoria e poderia vir a ser um jogador de destaque", diz.
Era o processo natural. Em 2011, aos 17, Chera esteve a uma assinatura de integrar os profissionais do Santos. No dia em que ele, seu pai e Luís Álvaro Ribeiro, então presidente do clube, acertaram bases salariais de um acordo de quatro anos a ser lavrado e assinado no dia seguinte, uma proposta do Genoa desviou seu rumo.
"O pessoal fala que meu pai pediu R$ 100 mil, o Santos, etc. É mentira. Tínhamos acertado R$ 20 mil, no primeiro ano, que crescia R$ 5 mil até o último", conta. "A proposta do Genoa era a mesmo em números, só que em euros, com 400 mil dólares de luvas", diz.
Financeiramente, Jean admite, não dava nem para pensar. Aos 16 anos, o dinheiro era absurdo. Corrigido para os dias de hoje e somado, o pacote do clube italiano para Jean superava R$ 6 milhões.
Mas deu errado. Sem passaporte europeu, ele não pôde entrar em campo pelo Genoa, por ser menor de idade. E acabou retornando ao Brasil, para os juvenis do Flamengo , oito meses depois.
"Eu não vou dizer que me arrependo, porque financeiramente, era a escolha a ser feita. Mas, esportivamente falando, talvez fosse melhor ter seguido no Santos", diz.
O único arrependimento que ele realmente tem é ter deixado o Cruzeiro , no fim de 2013.
A passagem pelo Flamengo foi curta e sem muito espaço, e ele logo se transferiria para o Athletico-PR . Lá, também não ficou muito tempo e não conseguiu espaço.
Chegou então ao sub-20 do Cruzeiro em agosto de 2013 e, enfim, estava conseguindo se firmar. Em dezembro, foi avisado de que integraria o time da Copa São Paulo 2013 e saiu, com o resto do grupo, para férias de dez dias.
Nesse período, recebeu uma proposta de um empresário para ir para o West Ham , na Inglaterra. Era certeza de assinatura, já o conheciam. Era a chance de voltar para a Europa, que tinha dorado. E haveria ainda um projeto de parceria com a Nike. A condição, no entanto, era romper com o Cruzeiro, E, faltando pouco para a Copa São Paulo, Jean deixou a Raposa.
"Só que, três dias antes da viagem, o empresário me ligou dizendo que as condições haviam mudado e que a oferta agora era para um teste. E eu já não tinha mais o Cruzeiro. E, com raiva de tudo aquilo, também não fui para a Inglaterra", conta ele.
"Esse é meu único arrependimento na carreira", afirma.
Pelo mundo
A malfadada ida ao West Ham projetou Jean para uma turnê mundial. O primeiro clube pós-Cruzeiro foi o Oeste de Itápolis. Mas, no Campeonato Paulista de 2014, com o rebaixamento do clube, foi dispendado.
De lá, foi para o Craiova, da Romênia, onde ficou por dez dias. "Fui pra lá de primeira classe, tudo certo, pessoal de confiança. Chegou lá e proposta de salário de 10 mil euros era, na verdade, de 1 mil euros", conta ele.
Da Romênia, foi para o Paniliakos, da 2ª divisão grega. Chegou em julho, saiu em outubro, quando o clube faliu e foi para a última divisão.
"Dos seis meses do contrato, pagaram dois. Eles não pagavam ninguém. Um dia, voltamos para nosso hotel, eu e o meu colega de time espanhol, e não deixaram entrar. O clube devia para eles. Tudp que era meu estava no hotel, documentos. Tudo", conta.
Por sorte, Jean conhecera um brasileiro da cidade naquela semana. E foi para ele que ligou para conseguir um teto para si e para o colega espanhol.
Com esse colega, foi para a Espanha. Lá, treinou no Buelna, da quarta divisão, onde seu ex-colega de Paniliakos tinha feito a base. Mas a ideia era só treinar para manter a forma.
Em janeiro de 2015, voltou para o Brasil, para o Cuiabá. Saiu em maio, tendo jogado muito pouco. Em julho, retorna para o Santos, para uma equipe sub-23.
Em janeiro de 2016, se transfere para a Portuguesa Santista, num consórcio do Santos com a pequena equipe da Baixada. Lá, faz seus primeiros dois gols como profissiona no Brasil, mas sai em junho, desmotivado, após uma lesão no tornozelo e um sumiço do tratamento fisioterápico.
Pelo relato de Jean, foi nessa época que ele perdeu o gosto pelo futebol. Não por acaso, ele anuncia pela primeira vez a aposentadoria nessa época. Sua namorada estava grávida de oito meses ele estava decidido a voltar para o Mato Grosso com ela e o filho.
Em outubro, ele assina com o Sinop, onde também joga pouco. Em setembro de 2017, ele é desligado do clube. E em 2018, enfim, anuncia a aposentadoria definitiva.
Valeu a pena?
Jean Chera tem sentimentos mistos em relação à carreira iniciada aos 9 anos de idade.
"Não tive tempo pra uma infância normal, ir pro shopping, praia. Minha vida era treinar e estudar. Passei por muita coisa, muita pressão de clubes, empresários e mídia, também", diz.
"Ganhei um dinheiro bom, na base do Santos, na Itália e outros clubes. Nunca fui de esbanjar e eu e meu pai soubemos investir muito bem", diz.
Mesmo tendo começado muito cedo, Jean nunca teve um psicólogo que o acmpanhasse.
"No Santos, havia a Dona Sônia (profissional do clube), mas nunca tive uma consulta individual com ela", diz. "Não sei se teria feito a diferença, mas poderia ter ajudado", diz.
Uma tentativa de abuso, evitada a tempo pelo pai, também marcou os primeiros anos dele no futebol. "Não foi concretizada, porque eu relatei ao meu pai. Mas poderia ter acontecido e acontece muito em categorias de base", afirma.
Sobre o pai, Jean nega ter brigado com ele, como muitos acreditam. Por muito tempo, Celso foi o empresário do filho, com quem rompeu profisionalmente aos 18.
"Também não tenho nada negativo a dizer do Santos, sou muito grato", diz, apesar de o vasto tempo passado no Alvinegro praiano não o ter feito um torcedor do clube. Chera segue corintiano.
"A verdade é que houve muitos erros na minha carreira. Eu errei, meu pai errou, clubes erraram e empresários também", conclui.
E quanto ao filho Leonardo, 4, se ele quiser seguir os passos do pai e se tornar jogador de futebol?
"A gente tem que fazer o que a gente gosta. Se ele gostar, vai jogar. Mas eu tentaria algumas coisas diferentes com ele, deixá-lo tranquilo, deixar ter uma vida normal, sem pressão, blindá-lo disso", diz, projetando no filho algo que ele nunca teve.