De Madureira à Gávea, Evaristo lembra origens e resenhas: "Eu era danado, chefe!"

A segunda rodada do Campeonato Carioca reserva duelo especial para Evaristo de Macedo. Madureira e Flamengo se enfrentam, mas o jogo - com mando do Tricolor Suburbano - passa longe da rua Conselheiro Galvão ou do Maracanã, duas casas de Evaristo. É no Estádio Amigão, em Campina Grande, na Paraíba.

- A vida mudou muito. O futebol de antigamente era diferente - diz Evaristo, que logo completa.

- Não sou saudosista. Se você souber aproveitar, tudo bem. Se não souber, azar o seu, pô. "Ah, você não acha"... Não acho nada, porra nenhuma. O que passou passou.

Evaristo de Macedo, aos 91 anos, lembra causos da vida — Foto: Raphael Zarko

No fim de outubro, Evaristo abriu as portas de sua casa, em Ipanema, ao ge . Inicialmente, o tema era Almir Pernambuquinho, com quem jogou junto e a quem treinou nos anos 1960 . Mas papo vai, papo vem, lá se foram quase duas horas de resenha com esse campeão de audiência em histórias em podcasts. Isso tudo sem nunca ter ido a um!

- É, estão se aproveitando. Estão se aproveitando de mim - diz, aos risos.

Evaristo de Macedo recebe homenagem do Flamengo no Maracanã, nos 90 anos — Foto: Divulgação

Aos 91 anos, Evaristo viveu tudo o que podia. Foi jogador brilhante, dono de idolatria que rende convites do seu Flamengo, do Barcelona e do Real Madrid até hoje. Como treinador, foi campeão brasileiro pelo Bahia - é dele o nome do centro de treinamento do clube baiano -, da Copa do Brasil com o Grêmio e outras boas campanhas dentro e fora do país.

Aproximadamente 10 quilos mais magro desde que fraturou o fêmur numa queda em casa, Evaristo tem saído bem menos de casa - vez ou outra encontra seu vizinho Antônio Lopes, em Ipanema, mas ficam ali na portaria mesmo.

Ao lado da mulher, curte a visita dos filhos, netos e bisnetos. Passa os dias devagar, com cuidados de saúde - embora esteja cansado de fisioterapia (lembra que fez muito nos tempos de jogador) - e abre as portas de casa quando pode para incansáveis homenagens e entrevistas.

- Um bom dia para mim é acordar sossegado, tranquilo e em casa. E a gente estar tranquilo aqui. Às vezes a pessoa está em casa e tem gente doente. Então não acorda bem. Aqui não. Eu acordo sossegado, tranquilo. Os filhos foram embora. Somos eu e minha mulher. Nesse apartamento grande para burro - brincou, repreendido com bom humor pelo filho Pepe, sobre as visitas constantes.

- Os netos, vêm visitar, mas não dormem aqui. Dificilmente eles dormem. Algumas vezes dormem, vez ou outra.

Irreverente como sempre, parou a entrevista algumas vezes para brincar com o assistente da gravação Jefferson Soares, o cinegrafista Beto Kaulino e também endereçada a este repórter que escreve. "

Mas, vem cá, você joga bola?"

"Deixa eu adivinhar a posição em que você joga: de pé".

Ao ouvir lembranças das histórias contadas por Vampeta, seu ex-jogador no Corinthians, sorri e diz:

- Eu era danado, chefe!

Os gols pelo Flamengo, o histórico gol pelo Barcelona contra o Real, que impediu mais um título do rival, o início no Madureira. Tudo isso está na memória que às vezes falha de Evaristo.

- Sabe o que acontece? A gente tem muitos acontecimentos na vida. Mas não se lembra mais. O tempo vai passando, vai passando, eu estou com 91 anos. Do que eu vou me lembrar?

Mas ele lembra. Evaristo lembra do pai que era "goalkeeper" e depois foi tesoureiro da Ferj. Lembra da infância e adolescência no Grajaú e dos bondes que pegava para ir até o Madureira, no qual fez amigos para a vida toda, como Nelsinho e Carlinhos - falecidos em 2023 e 2015, respectivamente.

Demonstra encantamento até hoje pelo futebol que viu de Pelé e de Di Stéfano, mas também de Romário - "esse safado fazia gol de tudo que é jeito" - e de Bebeto. E ainda de Zizinho.

- Torcia pelo Zizinho e depois joguei com ele no Flamengo. Ficamos muito amigos até ele falecer. Zizinho era de Niterói. A gente ia jogar em Niterói, saía da concentração do Flamengo, pegava uma barca. Quando chegava lá, pegava táxi para ir jogar no Canto do Rio. Você vê a diferença! Não tinha ponte, a gente ia de barca, com torcedor nosso. E era bom que tinha mulher, quando acabava o jogo, a gente sempre arranjava uma mulher... - diz, rindo.

Evaristo chegou a ser técnico da Seleção em 1985 e saiu para a volta de Telê Santana, que treinou o time na Copa do Mundo de 1986. Na ocasião da demissão, irritado no aeroporto, foi perguntado se temia a saída. Respondeu: "Estou preocupado com os US$ 5 milhões que tenho no banco". Lembrado do caso, responde:

- Era brincadeira. Era uma brincadeira... - conta, antes de completar aos risos e emendando outra piada.

- Mas eu tinha... Olha, se eu não fosse bom (jogador), eu não morava num apartamento desse tamanho!
Fonte: Globo Esporte