Não era dia de jogo, mas naquele dia Ronald foi ao gramado para falar de si. Quando terminou a entrevista e o menino saiu por trás do gol vazio, em direção aos pais que o aguardavam na beira do campo, umas crianças que se penduravam em uma árvore se empolgaram: "É o Ronald, o jogador mais brabo da cidade". A cidade é Belford Roxo, na Baixada Fluminense, tem cerca 500 mil habitantes.
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Ronald, camisa 10 do Gogó da Ema — Foto: Reprodução
Estavam mais precisamente no bairro Bom Pastor, onde fica a favela do Gogó da Ema. Apesar de fazer parte da Região Metropolitana do Rio, o lugar parece esquecido pelas autoridades. Asfalto, só existe nas ruas principais. Na maioria, são ruas de barro, com esgoto a céu aberto, e um leve aspecto rural, onde cavalos e porcos são tão fáceis de encontrar perambulando quanto cachorros.
No Campo do Cairu, bem ao lado da UPA do Bom Pastor, todo mundo já sabia do que Ronald era capaz de fazer dentro de campo. Mas foi no sábado, 27 de julho, que o jogador de 17 anos ganhou projeção ao se sagrar artilheiro e campeão da Taça das Favelas do Rio, pelo time do Gogó da Ema.
Ronald realizando o seu sonho no Flamengo — Foto: Ivan Raupp
De repente, num espaço de 90 minutos, sua vida mudou. Nem sequer havia deixado o campo de Moça Bonita, em Bangu, Zona Oeste do Rio, quando recebeu de olheiros do Flamengo um convite para jogar na base do clube. Estava ao vivo na TV e, emocionado, teve dificuldade de responder ao olheiro, então postado ao lado do repórter. Era seu sonho de criança, era o sonho de sua família.
- Eu pensei mais no meu avô. Porque um dia ele ia ser jogador do Flamengo, ele foi assinar contrato, só que minha avó não deixou, porque disse que era profissão de vagabundo. Quando o cara falou que eu já ia estar com contrato e bolsa, eu me emocionei, comecei a lembrar dele - disse o garoto Ronald.
Seu Ivan, avô do craque da Taça das Favelas, se foi quando Ronald tinha 3 anos de idade. Era uma referência da família. Foi quem vislumbrou uma chance no futebol primeiro e quem pavimentou o caminho para que, agora, a jovem promessa fique mais perto de se tornar jogador profissional.
Ronald já sabe a profissão de jogador não tem qualquer relação com ser “vagabundo”. O adolescente começou a trabalhar duro nesta semana, no CT do Ninho do Urubu, localizado a cerca de 50 quilômetros de Belford Roxo. Uma grande mudança de vida, já que será o lugar onde Ronald vai morar, estudar e treinar.
Mas o jogador sai do Gogó da Ema, mas não completamente. Ele é a referência para os meninos da favela.
- Antes de começar a Taça das Favelas, todo mundo via a gente como só mais um: "Ah, esse ai vai ser só mais um na vida do crime. No primeiro jogo estava todo mundo desacreditado. Mas foi lutando, batalhando. Graças a Deus conseguimos ganhar o título e mudamos muitas coisas aqui dentro. Porque nem sempre na televisão vai passar só coisas ruins. Estão passando coisas boas, que é a gente. E a gente está sendo espelho para muitas pessoas - afirmou Ronald.
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Ronald Flamengo — Foto: Divulgação / Flamengo
Ainda faltam degraus para Ronald se tornar jogador profissional. Como chegou à base do Flamengo aos 17, diferentemente de boa parte dos jogadores cujo início em clubes cujo é precoce, ele vai precisar aperfeiçoar o condicionamento físico, aprender mais sobre táticas, em um dos clubes com o maior investimento financeiro do Brasil. Mas uma vitória ele já conseguiu: dar outro significado para a região onde vive.