"A pressão foi no Guarany de Garibaldi, no Veranópolis, no Caxias, no Juventude, Ipiranga de Erechim, no Grêmio, no Internacional, ela vai ser sempre assim. É a atividade profissional que faz ela ser dessa forma. Estou muito tranquilo".

No último domingo (22), após a derrota por 3 a 2 para o Grêmio , em Porto Alegre, o técnico Tite respondeu dessa forma a uma pergunta sobre a pressão que sofre atualmente no Flamengo .

Afinal, o técnico perdeu para o Peñarol por 1 a 0, na ida das quartas de final da CONMEBOL Libertadores , em pleno Maracanã e, com um time reserva, caiu para o Imortal no Rio Grande do Sul e ficou longe da briga pelo título do Brasileirão .

A torcida rubro-negra não gostou do que o treinador falou em sua coletiva pós-jogo. AfinaL, aonde é possível ser ainda mais pressionado do que pela "Nação"?

A ESPN conversou, então, com dirigentes de Guarany , Caxias , Grêmio e Internacional durante a última segunda-feira (23) para entender como Tite criou casca para aguentar as críticas.

De acordo com os relatos, cada um desses clubes teve uma peculiaridade na carreira do treinador...

Veja abaixo os "diagnósticos" dos cartolas :

GUARANY DE GABIRALDI (1990 e 1991)

Gilberto Piva, ex-presidente

"Tite coloca isso (a pressão nos clubes anteriores) como um símbolo, uma ideia, de que todo trabalho que ele faz é baseado em efetividade. Esse lado dele falar do início da carreira mostra a seriedade que ele encara os desafios. Hoje o Flamengo é o clube que tem a maior pressão para trabalhar, mas acho que é um simbolismo que ele coloca. Quando ele veio para Garibaldi, veio como atleta, mas não conseguiu jogar pelos problemas no joelho e se transformou técnico de uma forma natural, era um dos líderes da equipe. A pressão era porque ele sentiu que a vida dele era o futebol, se preparou para isso. A pressão era pelo trabalho que ele queria fazer aqui, em 1991 fizemos um bom primeiro semestre, perdemos só uma partida e não conseguimos a classificação. Ele já teve uma decepção naquele ano, mas a partir dali ele cresceu como ser humano. A pressão era de todos os lados, a comunidade estava aqui nos acompanhando, no domingo eram sempre 6, 7 mil pessoas no estádio, então tinha pressão para conseguir o objetivo. E hoje no Flamengo é multiplicada por muitas vezes mais".

"Tite ficou aqui em Garibaldi um ano e meio trabalhando. Em 1990, era uma equipe que sabíamos o limite, mas a pressão mesmo veio em 1991, quando nos estruturamos para subir. Como tivemos uma campanha muito boa, a cidade estava toda engajada para o Guarany subir. Na fórmula daquele ano, não podia perder na fase final, e perdemos em casa por 1 a 0. Ele acabou saindo logo depois, fazendo a carreira dele pelo interior".

YPIRANGA (1996)

Everton Barbieri, ex-diretor de futebol

"Tite passou pelo Ypiranga em 1996, quando eu era diretor de futebol. Era uma pressão normal, de time de interior, querendo se sobressair perante os outros para poder chegar a um quadrangular final, jogar contra a dupla e recuperar as dívidas assumidas anteriormente com duas boas rendas que poderia ter. Naquele ano, nós vínhamos de uma escalada boa, fizemos um 1995 bom e tínhamos a promessa de se repetir, mas passamos por alguns perrengues de não entender a escalação do time, de estar repetindo erro, do cara não dar certo naquela posição. Se ganha o jogo, ninguém fala nada. Se perde, ‘pô, de novo, o mesmo erro?’ daí começa a degringolar, imprensa faz pressão, torcedores vão para a frente do estádio ou do vestiário, portão especial de saída, e começa a pressão".

"Tivemos um caso muito inusitado: nos classificamos para a segunda fase do Campeonato Gaúcho - eram seis times mais dois que vinham da Série B. Tínhamos uma programação que era fazer seis pontos em cima do time que jogaríamos da Série B, que foi o Atlético de Carazinho. Houve um movimento ruim na escalação, nós não acreditamos: estávamos ganhando o jogo, mas os erros se repetiram e tomamos a virada. Estava todo mundo bravo com Tite, e tivemos uma perda momentânea de controle emocional, e o Tite ficou à pé, não entrou no ônibus. Ele teve que voltar de carona ou táxi... a partir daí a pressão foi definitivamente de cima para baixo, rompeu-se o contrato. Hoje já conversamos várias vezes sobre isso, damos risada, mas foi a emoção dos dois lados. Ele sentindo a pressão, e nós também. É comum no Brasil todo. Ele não entrou no ônibus, uma viagem curta... Aconteceu. Nós fomos mal0educados com ele nesse sentido. Nós erramos, um dos dirigentes errou e nós erramos juntos, todo mundo que estava ali não foi capaz de acalmar a situação, porque o dirigente estava muito furioso com a situação. Acho que ele aprendeu muitas coisas passando aqui pelo Ypiranga, de saber ouvir às vezes, é importante".

CAXIAS (2000)

Nelson D'Arrigo, ex-presidente

"Em um clube pequeno como é o Caxias, a proporção naquela época é a mesma que ele deve estar hoje enfrentando no Flamengo. Com uma diferença grande: quando o treinador tem apoio e se tenta fazer um trabalho de médio ou longo prazo, não de curto prazo, o sucesso depende muito mais do apoio que a comissão técnica tem do que o elenco que o clube tem. É uma junção de coisas, não algo simples. Eu brinco que dei uma de Pelé: logo depois do título, por uma questão pessoal, fui obrigado a me afastar. Entrou uma nova diretoria, que deu continuidade àquele trabalho. O título de campeão gaúcho para um clube como o Caxias é a mesma coisa de um título de campeão do mundo para Corinthians, Flamengo, Grêmio, Internacional” “Os desafios para clube pequeno são incomensuráveis, você não faz ideia do quanto se apanha e se sofre, inclusive contra as próprias federações que têm o objetivo de defender os clubes grandes, aquilo que traz resultado financeiro para a própria federação. As dificuldades são grandes. Um dos grandes pontos que eu tenho com o Tite, em termos de integridade, conhecimento, base, uso de todas as estratégias possíveis, domínio que ele tem do vestiário, do meu ponto de vista, é muito forte. Serei um eterno apoiador ao Tite pela experiência que tive com ele no Caxias. Tudo o que nós acertamos, foi cumprido por parte dele e dentro das dificuldades que o clube tinha na época, principalmente a dificuldade financeira, nós tentamos honrar o que foi possível. Naquela época, o Caxias foi campeão gaúcho com aproximadamente três meses de salários atrasados; depois conseguimos até colocar em dia com as receitas que tivemos com a venda de jogadores e ter um pouco de equilíbrio".

GRÊMIO (2001 a 2003)

José Alberto Guerreiro, ex-presidente

"Tite foi campeão gaúcho com o Caxias em 2000, e diversos jogadores do Caxias foram contratados por outros times, porque não era uma coisa normal o Caxias ser campeão gaúcho. Nós temos aqui uma rivalidade muito grande e esporadicamente um clube do interior ganha um título aqui. Aquele ano foi muito marcante, o Grêmio tinha um grande time, mas não ganhou o campeonato. Tite ficou até o final do ano no Caxias, o Gaúcho foi no primeiro semestre, mas ele não foi contratado por nenhum clube no segundo semestre. Em janeiro de 2001 eu mandei um pessoal a Caxias do Sul para conversar com Tite, e ele quis conversar comigo. A primeira pergunta que ele me fez foi a seguinte: 'Por que não me contrataram no ano passado?'".

"Minha resposta foi muita simples: 'Tite, você é um treinador do interior, nunca treinou um clube grande. Se eu te contrato para o campeonato nacional e você perde três jogos seguidos, a torcida me obriga a te tirar. Então estou te contratando para jogar o Campeonato Gaúcho, e se você perder três jogos seguidos, quem vai te tirar sou eu, não é a torcida'.

"Ele sofreu no Grêmio uma pressão inicial exatamente por isso, por ser um treinador que só tinha treinado clubes pequenos. É difícil para um dirigente contratar um técnico que não tem histórico de grandes títulos, ainda mais em clubes grandes".

INTERNACIONAL (2008 e 2009)

Fernando Carvalho, ex-diretor de futebol

"Fui presidente do Inter até 2006, fiquei fora um ano e meio e retornei exatamente na contratação do Tite. O clube estava na faixa de rebaixamento do Brasileiro, vinha de derrotas consecutivas, e a contratação do Tite significaria certa crise no Internacional por causa da identificação dele com o Grêmio. A contratação não era uma coisa tranquila perante os colorados, então já começou a pressão aí. Eu só retornei como assessor do Giovanni Luigi exatamente para minimizar os efeitos dessa animosidade que havia contra o Tite. Nós sabíamos que ele era um grande profissional, como demonstrou ao longo de sua trajetória pelo Internacional".

"Houve uma rescisão de contrato por iniciativa da diretoria. Nós passamos por um período de seis, sete jogos com resultados negativos, inclusive com perda da Recopa para a LDU, e a pressão naquele momento era grande. Mas quem não conseguiu aguentar a pressão fomos nós, dirigentes. Demissão do Tite foi concebida num momento em que nós deveríamos ter mantido o treinador, superado a pressão e dado força ao trabalho. Naquele momento, a ruptura do seu contrato por iniciativa nossa foi um erro muito grande, certamente nós teríamos conquistado tantas outras competições. Foi um erro nosso e reconheço isso publicamente. A gente também é suscetível à pressão".

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