Cristiane vê chegada ao Flamengo como "histórica" e se derrete por Gabigol: "Muito fofo"

Paulista de Osasco, Cristiane se surpreendeu com a gíria dos cariocas no dia do acerto com o Flamengo . Gabigol, seu contemporâneo dos tempos de Santos, queria checar se iria rever a craque e tuitou: "Cristiane no Mengão? Pprt? " . A sigla usada pelo camisa 10 referia-se a "papo reto" . E assim foi a conversa com a ge em sua primeira entrevista exclusiva desde a chegada ao Rubro-Negro: sem curvas sobre qualquer assunto.

Falou da possibilidade de jogar mais uma Olimpíada com sobriedade que a experiência lhe trouxe , não fugiu da responsabilidade que carrega pela chegada ao Flamengo com status de principal contratação e destacou a necessidade de o futebol masculino dar apoio ao feminino . Sim, a necessidade. Por isso deu tanto valor ao carinho que Gabigol, Tite e companhia limitada lhe entregaram nos primeiros contatos no Ninho do Urubu.

A interação com Gabigol começou nas redes e terminou com troca de camisas autografadas, palavras carinhosas e abraços calorosos.

- Eu não entendi nada (o pprt ). Eu sou muito velha. Foi muito bacana porque eu não tenho Twitter, aí me mandaram os tuítes do que ele tinha colocado. Eu falei: "Cara, que legal!". E na época que lembro vagamente dele, pequenininho, porque homem muda muito quando eles crescem. E eles eram todos pirralhos. Quando eu jogava no Santos naquela época, eram todos da categoria de base. Então tinha um contato ali no refeitório, às vezes no dia a dia. E é muito gostoso esse carinho, esse respeito. Eu acho que é muito importante ter uma integração. Os jogadores (homens) acham que não, mas é muito importante a integração deles com a gente.

Cristiane, do Flamengo, em exclusiva ao ge — Foto: Fred Gomes

- Traz essa importância que o futebol feminino merece. E esse olhar é muito legal isso por parte deles. Então eu fiquei bastante feliz. E, como eu disse, surpresa também porque eu não imaginava toda essa recepção. E muito fofo da parte dele, eu não o conhecia 100% porque gente se distanciou. Ele era criança, cresceu, então esse contato mais próximo a gente não tinha, era mais de acompanhar pela televisão.

- Eu achei muito fofo o cuidado e o carinho dele de depois ter me mandado mensagem de novo falando que ficou feliz com a camisa e que ele ia tentar acompanhar mais aqui os nossos jogos Eu falei para ele que era importante ele acompanhar e os outros jogadores também pra dar essa moral pra gente, né? É muito bacana esse contato.

Hoje aos 38 anos, Mamãe Cris permitiu-se chorar quando se deparou com Tite no mesmo dia do encontro com Gabigol. Aquele primeiro foi especialmente inesquecível para a artilheira. A recepção dada por um treinador de seleção brasileira e por ídolos como Pedro, Gerson e David Luiz deram a dimensão de que o Flamengo seria diferente de tudo que vivera até o momento.

- Eu não imaginava a repercussão, achei que seria uma apresentação como já fiz em outros clubes jogando no Brasil, mas não que tivesse o tamanho de como foi. Tendo encontro com atletas, tendo encontro com o Tite, que particularmente eu admiro muito e respeito o trabalho dele. Por isso o choro, por respeito e admiração. Eu acho que a gente deveria valorizar mais os profissionais que a gente tem dentro do Brasil. Nós, como atletas, valorizamos. Eu sei que torcedor ali acaba tendo aquela emoção e esquece o quanto é importante ter pessoas como o Tite e os atletas também dentro do clube.

"Vestir a camisa do Flamengo é importante, grandioso e histórico"

Entre sorrisos e lágrimas que escancaravam a emoção de chegar ao Flamengo , Cris garante ter dado um passo marcante em sua carreira antes mesmo da estreia oficial. Para ela, vestir rubro-negro já mudou sua história.

- E, historicamente falando, para qualquer atleta é importante e grandioso vestir a camisa do Flamengo . É histórico. Você entra pra história a partir do momento que você coloca essa camisa. E a responsabilidade vem junto, claro, a partir do momento que tem uma apresentação como essa e tem o peso da minha carreira, vai ter o peso da cobrança. E é algo que eu estou adaptada, digamos assim, né? Acho que por todo histórico de carreira, de clube, de ter jogado já com o estádio lotado, eu entendo e eu sei que vai ter esse peso e eu vou ter que saber administrar obviamente com todo o grupo.

Mas não só Cristiane foi impactada pela calorosa recepção no clube e nas redes sociais. Ela também devolveu não apenas com o tamanho da atleta que é, mas num gesto que partiu do próprio coração e rendeu muitos elogios. Ela literalmente "tocou" os rubro-negros ao executar o início do hino do Flamengo no piano.

- Foi assim, o pessoal trouxe uma ideia para mim. Falei: "Vamos ver se a gente tem uma outra ideia bacana também, que acho que a gente trabalhar uma ideia conjunta legal. Aí eu estava em casa e eu dei um piano para minha esposa de Natal, que ela gosta, ela toca. Aí falei: "Amor, vê na internet aí como é que toca o comecinho do hino do Flamengo . E eu acho que seria legal. A gente teria uma segunda opção pra usar em relação à ideia que tinham me dado". Ela falou: "Vou dar uma olhada". Aí ela aprendeu primeiro e depois ela veio me ensinar. Eu toquei o comecinho. Às vezes mudar um pouquinho e trazer o diferente surpreende o torcedor. Achei que foi bem legal a ideia.

Cristiane estreia pelo Flamengo no próximo sábado, às 10h, no Estádio Luso Brasileiro. E o primeiro compromisso dela é logo um Fla-Flu, pela primeira rodada da Copa Rio. Um quilo de alimento não perecível vale um ingresso.

Sonho de ir para Paris com a Seleção é possível após você voltar a ser convocada a partir da chegada do Arthur Elias?

- Eu acho que toda atleta, mesmo que não tenha sido convocado nunca, é o sonho da carreira e da vida dele, e não é diferente pra mim. Eu fiquei muito feliz de ter retornado à seleção brasileira, é algo que eu quero continuar fazendo. Depende muito do que eu vou fazer dentro do campo, dentro do meu clube, o quanto eu vou me desenvolver e trabalhar para isso acontecer. Eu estou mais tranquila para se acontecer ou não. Acho que eu passei um pouquinho dessa fase de expectativa, que eu criava muito quando não acontecia, e isso me deixava bastante frustrada. Agora estou em uma fase de procurar fazer sempre o meu melhor e se acontecer vai ser bem-vindo. Eu acho que a gente tem uma equipe diferente do que foi no passado, um trabalho totalmente diferente.

- Diferente também com o que o Arthur vem trazendo para a comissão dele. Está num caminho muito bacana, é início, então não dá para a gente jogar um monte de peso nas costas de todo mundo. Ele também está conhecendo todo mundo, entendendo as características. Eu acho que é bacana, vai ser rápido, na verdade, porque as Olimpíadas já está "batendo nas costas", então obviamente vai ser uma decisão muito rápida para fazer todo mundo entender o trabalho e o esquema que se joga hoje. Mas a expectativa, acho que de qualquer atleta, é procurar fazer o seu melhor para ser convocada.

Como é ser uma referência para as meninas da base e sentir a admiração delas com a sua chegada?

- Eu acho que é importante, né? Eu costumo dizer que a gente precisa deixar alguma coisa para a próxima geração. Seja uma conversa, uma orientação, algo positivo relacionado a uma vivência que eu tive dentro do próprio futebol. Ontem mesmo, nosso assessor pediu pra fazer um bate-papo com as meninas do Sub-17, que acabou de se apresentar. Inclusive, eu tenho uma amiga que jogou comigo na Seleção, que é a Índia, é preparadora física das meninas aqui no Flamengo .

- E é muito legal vê-la vivenciar isso trabalhando com as jogadoras. Bati um papo super rápido com ela, passei um pouquinho da experiência que eu tive. Então, eu acho que é o que a gente pode fazer para essas meninas, poder ajudar, poder conversar. E eu fazia muito isso no Santos, ou às vezes com uma menina que eu nem conhecia, que falava "olha, a gente não tem o chuteira" e ai a gente consegue ajudar, as outras atletas também fazem a mesma coisa. São gestos que marcam a vida dessas meninas e a carreira delas.

Essa admiração também se faz presente no profissional. A Gláucia, que tanto queria jogar contigo em Santos e São Paulo, finalmente terá a oportunidade. Está feliz por isso?

- É muito bacana porque eu tenho uma admiração e um respeito pela Gláucia durante muito tempo, desde quando ela era bem mais novinha na época lá do Centro Olímpico ainda. Ela já tinha esse diferencial das outras meninas, ela tem uma qualidade técnica absurda e uma visão de jogo que às vezes, se você não acompanhar o raciocínio dela, você não pega. Isso é muito legal, e eu particularmente gosto de atleta que jogue desse jeito, que você acaba tendo um contato maior com a bola, você consegue trabalhar muito mais 'um-dois' do que qualquer outra coisa.

Gláucia (à direita de Thaísa, de colete laranja) é uma das melhores e mais carismáticas atacantes do país — Foto: Fred Gomes

- Então, é fácil estar jogando com a Gláucia, jogando com a Darlene de novo. Acho que a gente tem um time com uma qualidade técnica muito alta e está realizando esse sonho mútuo (de jogar juntas). Ela (Gláucia) me ligou, "se vai ficar no Santos?", eu falei, amiga, não sei o que vai acontecer da minha vida. Aí ela falou, tá bom, então ficou meio que tipo assim, "onde você vai?". Foi super engraçado, eu só falei para ela: "Amiga, só decide o que é melhor para você, eu nem sei o que vai acontecer" e acabou dando certo de a gente estar junto hoje. É muito gostoso ter a Gláucia no nosso elenco.

Citada por Cris, Darlene, de laranja, vence a marcação de Núbia. Ela é uma das craques do Flamengo — Foto: Fred Gomes

O Flamengo investiu bastante e trouxe nove reforços. Acha que vocês chegam forte para disputar os principais títulos com os times de São Paulo?

- Eu acho que são muito importantes as contratações que eles fizeram, são atletas de peso e, como eu falei, seremos cobrados por isso. Eu acho que a gente tem um início de pré-temporada que está tentando se encaixar e se adaptar. Na verdade, com a maneira como se joga aqui, como é jogado o campeonato aqui no Rio, que é diferente de São Paulo.

- Lá, a gente acaba tendo equipes que exigem muito o nível físico muito alto, e a gente chegou aqui e notou que tinha uma diferença e trocamos com as meninas para entender. É tudo para se ajudar. No dia a dia a gente traz algumas coisas que a gente pegou de lá e vem com as meninas do que elas têm aqui no Rio, então eu acho que no momento agora realmente o que vai contar é o entrosamento. A qualidade que a gente tem no time é muito alta, isso é indiscutível. Eu já joguei com várias meninas que estão aqui, acho que é muito tranquilo, então é mais mesmo adaptação que a gente precisa ter de campo para criar um entrosamento de entender onde cada uma gosta, o que cada uma gosta de fazer. Para a gente poder colocar isso em prática quando iniciar competição.

Preparação do time para a temporada

- Eu, particularmente, em qualquer competição que eu entre a gente vai precisar de todo um para isso. Seja o time "menorzinho", seja o time maior, você tem que entrar pra ganhar, você tem que entrar com uma alta competitividade e isso partir de você também, ser muito competitiva. Então, eu acho que é isso, acho que é a gente respeitar as equipes que nós iremos enfrentar. Agora vamos começar com o Fluminense no final de semana, é uma preparação importante e grande que a gente vai ter. Precisamos tirar do papel o que vem sendo feito nesses dias com a equipe que o Bari (Mauricio Salgado, treinador) tá montando, colocar entrosamento. Vai ser um início bom pra gente saber como que a gente vai jogar essa partida da Supercopa e o quanto a gente vai entregar. E não dá pra pensar muito não, porque é uma competição de tiro curto, então tem que entrar sempre pra ganhar.

Cristiane com a nova camisa do Flamengo — Foto: Divulgação/Adidas

Como a sua experiência pode contribuir para o elenco?

- Eu acho que principalmente na orientação dentro de campo, a comunicação. São coisas importantes pra se fazer. Eu acho que realmente trazer essa competitividade que eu acredito que todo mundo tem. Ninguém entra no campo para simplesmente fazer corpo mole. Mas lembrar o quanto as meninas são importantes. Lembrar o quanto é importante vestir a camisa do Flamengo . E mais ainda o quanto é importante estar dentro dessa competição que outras equipes gostariam de estar disputando. Vamos iniciar essa Supercopa, que, para mim, é a primeira.

- Eu estou bastante empolgada para disputar, já as meninas têm um pouco mais de experiência. Jogar contra uma equipe, que é a Ferroviária, que é uma equipe contra a qual eu já estou adaptada, conheço um pouco mais, e vai ser muito importante porque vai ser um jogo muito competitivo, tem qualidade do outro lado também. Então, eu acho que é passar mais isso, porque não dá muito tempo, você tem 90 minutos, então às vezes vai escapar alguma coisa que você não vai conseguir passar pra atleta. É muito mais a gente trazer importância e a grandiosidade que é disputar essa competição.

Cristiane com a nova camisa do Flamengo — Foto: Divulgação/Adidas

Como foi você para você ser recebida não só por Tite e Gabigol, mas também por David Luiz, Pedro e Gerson? O David, daquele tamanho, apareceu do nada e gritou: "Oi, Cris". O que sentiu?

- O David Luiz na verdade eu já conhecia, desde a época de Olimpíadas, Seleção. Eu já tinha meio que esse contato com os meninos, o Thiago Silva me manda o mensagem, o próprio Marcelo, o Neymar. Tem essa integração com eles, até por causa da Seleção. É muito legal continuar tendo esse contato quando se encontra. Às vezes a gente cria uma distância dos próprios atletas como se eles fossem intocáveis. Tem dia que o atleta vai estar cansado, mal-humorado, eu sou assim também. Então a gente acaba se adaptando e entendendo como é o jogador. O Gerson eu não conhecia, os outros meninos eu conhecia. A gente fala "menino"... Gente, um monte de homem, mas é mania. Eu conheci os outros jogadores ali naquele momento e teve um carinho e um respeito mútuo, então eu acho que isso acaba sendo legal.

Cristiane é craque, teve a apresentação que teve. Você acha que esse ano vai ter o sonho do futebol feminino do Flamengo no Maracanã?

- Eu acho que todo mundo, né? Eu acho que não é diferente com nenhuma atleta que está aqui. Mas desde que eu vim para cá eu sabia da realidade, eu estou muito tranquila em relação a isso. Eu já joguei em outras equipes que me prometeram subir a montanha, e eu estava descendo de costas. Então eu prefiro que seja super honesto comigo com o que está sendo oferecido e eu estou totalmente dentro disso. Se coisas extras acontecerem, aí serão surpresas importantes e grandes. Se não acontecerem, está tudo bem. Acho que eu vim aqui para fazer o meu trabalho com todo o elenco. E como eu disse, se coisas melhores e maiores vierem acontecer, que é jogar dentro de um Maracanã, acho que todo mundo aqui vai sentir um baita orgulho.

Como é que você está se sentindo para esse Fla x Flu de sábado?

- Estou ansiosa para disputar essa partida contra o Fluminense, acho que é um clássico muito grande e histórico aqui no Rio. Eu estou acostumada a jogar sempre o Campeonato Paulista e agora vou ter essa rivalidade aqui. Eu acho que vai ser bastante importante, o ano passado a nossa equipe conseguiu ir bem nas semifinais da competição. Agora é diferente, não dá pra falar que vai ser a mesma coisa, e eu costumo respeitar todas as equipes que eu enfrento, acho que a nossa equipe também pensa do mesmo jeito. Temos que iniciar com o pé direito, vamos colocar em prática o que o Bari tem passado pra gente nesses dias e tentar entrosar um pouco. Porque acho que realmente os jogos vão fazer com que a gente se entrose.

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Fonte: Globo Esporte