Depois da venda de Matheus França para o futebol da Inglaterra por mais de R$ 100 milhões, o Flamengo tem uma nova aposta. Sob holofotes e grande expectativa do clube, o meia-atacante Lorran, de apenas 17 anos, está sendo lapidado para um futuro promissor.
O jogador é um dos destaques do elenco sub-20 rubro-negro que vai disputar a final do Campeonato Brasileiro Sub-20, contra o Palmeiras. O duelo está marcado para esta quinta-feira, às 11h (de Brasília) no Estádio Raulino de Oliveira, em Volta Redonda.
Canhoto habilidoso, rápido e de bom chute, o camisa 10 do Rubro-Negro foi integrado aos treinos do profissional recentemente e tem sido observado de perto pelo técnico Jorge Sampaoli, enquanto aguarda uma oportunidade no disputado time “de cima”. Ele tem contrato com o clube até o fim de 2025.
A trajetória de Lorran no futebol começou a aproximadamente 18 km do Ninho do Urubu, no campo do Bill, na Cidade de Deus, bem atrás do CT do Vasco. Ali, ele começou a demonstrar seu futebol, ainda aos 8 anos, sob os olhos do técnico Paulo Soares, que comanda um projeto social para crianças e adolescentes da região.
Lorran é destaque do time sub-20 do Flamengo — Foto: Divulgação: Gilvan de Souza / Flamengo
Havia certa habilidade na perna esquerda do menino, mas nada que indicasse uma carreira profissional. O objetivo, naquele momento, era tirar o menino tímido do ócio das ruas.
- Na parte do futebol, o Lorran ainda não despertava. Nós tínhamos um time 2006 muito bom, e o Lorran era reserva. Entrava faltando 10 minutos para o jogo terminar. Mas pelo fato de ser canhoto, ter uma qualidade, e a gente abraçar como família, ele continuou com a gente - disse o técnico.
Lorran treina com o elenco principal do Flamengo — Foto: Marcelo Cortes /CRF
O primeiro grande salto de desenvolvimento de Lorran no futebol se deu aos 13 anos, quando, em uma parceria com um clube alemão, Paulinho levou seus jogadores para um torneio de base em Berlim. Ao voltar, o técnico percebeu uma mudança no comportamento. O garoto estava brincalhão, comunicativo e mais centrado no futebol.
Dali, Paulinho o levou ao Madureira, mas não durou muito. O gerente geral da base, Luiz Carlos Azevedo, descobriu Lorran. Depois disso, Mathura Jr., um dos scouts do Flamengo , observou o jovem por cinco partidas e especialmente num duelo contra o Rubro-Negro.
Luiz Carlos foi dar um abraço em Lorran, do Flamengo, após o garoto dar entrevista ao ge no Ninho do Urubu — Foto: Fred Gomes
Não foi uma partida para encher o saldo das estatísticas. O olheiro do Flamengo se recorda que Lorran participou pouco do jogo. Mas, assim como Paulinho, viu no toque diferenciado do garoto um prenúncio de potencial.
- Ele foi muito superior. Teve poucas ações no jogo, mas chamou a atenção da gente para querer trazer para o clube e desenvolver. Foi um jogador em que acreditamos em todo processo. A técnica ele sempre teve, mas era muito franzino. Não chegou como o Lorran de hoje - se recordou.
- Muitos chegam ao clube e não conseguem. Para mim, hoje ele é o mais promissor da base - opinou.
Meses depois da chegada ao clube, as atividades foram paralisadas em razão da pandemia de Covid-19. Mas Lorran aproveitou o tempo fora para trabalhar na Cidade de Deus. Recebia vídeos do Flamengo com instruções e executava em uma quadra em frente a sua casa. Em 2021, quando as atividades no clube recomeçaram, ele era outro. Teve uma evolução física e técnica que o fez pular etapas.
- Com 15 anos subiu para o sub-16, foi titular. No ano seguinte, foi para a seleção da categoria e subiu para o sub-17. Pegou a camisa 10 e desabrochou. A gente achou que demoraria para ser protagonista. Ele mesmo quebrou o processo - contou Paulinho.
No início do ano, aos 16 anos, 6 meses e 20 dias de vida, o meia-atacante fez seu primeiro gol pelo profissional do Flamengo, no período do Campeonato Carioca em que o clube decidiu escalar apenas atletas da base. Com isso, ele se tornou o jogador mais jovem a marcar pelo clube, superando Vinícius Jr, que debutou aos 17.
Lorran tem multa avaliada em mais de R$ 280 milhões.
Lorran, do Flamengo — Foto: Arquivo pessoal
Após o estadual, Lorran voltou ao time sub-20. Ao lado de nomes como Petterson, Kauã Santos e Cleiton, ajudou a equipe a chegar à final do Brasileirão da categoria.
Em julho, o jogador foi elevado ao profissional. A maior diferença que tem sentido sob o comando do técnico Jorge Sampaoli é a necessidade constante de intensidade ao longo do trabalho. E chegou a confidenciar as cobranças aos amigos.
- Ele é casca, pô. Bota para marcar o tempo todo, tem que correr o tempo todo - contou a amigos.
Sampaoli tem gostado do desempenho do garoto, a percepção interna é de que ele vem treinando bem. Mas enquanto uma chance em campo não chega, a oportunidade de estar junto ao elenco multicampeão tem sido aproveitada. Em uma conversa recente, o zagueiro David Luiz questionou o quanto Lorran e outros meninos se preparavam fora do CT. Ao ouvir a negativa, o jogador os aconselhou a dedicar mais tempo à carreira.
Lorran acolheu a recomendação. Há alguns meses, ele se mudou para uma casa maior próxima ao CT, onde montou uma academia e faz trabalhos com fisioterapeuta após os treinos.
No tempo livre, Lorran gosta de soltar pipa e jogar videogame com os amigos da Cidade de Deus. Hoje, ele é referência para as crianças da favela. Apesar da timidez, ao fim do jogo que sacramentou a classificação para final do Brasileiro, ele fez questão de homenagear o adolescente Thiago Menezes, morto por policiais militares em uma via da comunidade. O garoto fazia parte do mesmo projeto social que formou o jogador. O caso está sendo investigado pela Corregedoria da PM e Ministério Público.
Lorran, do Flamengo, após conquistar artilharia em torneio de fut 7 — Foto: Arquivo pessoal
Todo o processo de Lorran é acompanhado com muito interesse e a evolução constante o colocou no alto da prateleira das joias do Flamengo . O gerente da base, Luiz Carlos, afirmou que o clube age com cautela quanto aos próximos passos, mas acredita no potencial do jogador para se destacar entre os profissionais.
- O Lorran a gente captou com 13 anos. Com 15 anos, ele era titular do sub-17. Naturalmente, o profissional acompanha a base. Ele vem tendo essas oportunidades e vai mostrando que tem a capacidade de aproveitar. O que a gente está vendo hoje tem dois anos e meio que está sendo preparado para que possa acontecer - afirmou.
Nas últimas semanas, Lorran esteve à disposição da seleção sub-17 e retornou agora para reforçar o time sub-20 na grande decisão. Se continuar nesse ritmo, pulando etapas, o jogador deve receber oportunidades na equipe principal em breve.
Lorran em ação no primeiro tempo do jogo contra a Colômbia — Foto: Rafael Ribeiro / CBF
A base
Mesmo com o elenco estrelado e uma das folhas salariais mais caras do futebol brasileiro, o Flamengo tem jogadores formados no clube em evidência na equipe principal. Atualmente, duas crias da base são titulares: o lateral-direito Wesley e o goleiro Matheus Cunha. Além de Victor Hugo, que é uma espécie de 12º jogador. Ano passado, foi o volante João Gomes quem deu consistência defensiva ao meio-campo rubro-negro nas conquistas da Copa do Brasil e da Libertadores, sendo vendido no começo do ano para o Wolverhampton, da Inglaterra.
Preparar jogadores para o time principal do Flamengo é o foco da base, mas a formação também tem o objetivo claro de gerar receitas. Os valores obtidos têm sido consideráveis. Desde 2019, o clube arrecadou R$ 961,8 milhões com transações - vendas ou percentuais em negociações futuras - envolvendo jogadores da base.
Em 2023, o Flamengo chegou a 36 finais de competições na base, com 23 títulos conquistados.
Valor arrecadado em 2023 - R$ 279,5 milhões
- R$ 21 milhões - Vinicius Souza
- R$ 6,5 milhões - Natan
- R$ 104 milhões - Matheus França
- R$ 11 milhões - Mateusão
- R$ 2,7 milhões - Otávio
- R$ 103,2 milhões - João Gomes
- R$ 8,5 milhões - Ramon
- R$ 5,3 milhões - Thuller
- R$ 1,5 milhões - Richard Rios
- R$ 1,5 milhões - Pepê
- R$ 250 mil - Gabriel Barros
- R$ 6 milhões - Vitor Gabriel
- R$ 8,5 milhões - Kauã Morais
O ge visitou o setor destinado aos garotos no CT do Ninho do Urubu e há diversas obras de ampliação para a construção de novos campos no local. Até o ano que vem, está prevista a entrega de um mini estádio com capacidade para dois mil torcedores.
Matheus Cunha em entrevista ao ge no Ninho do Urubu — Foto: Cahê Mota / ge
Entre os campos, fica o prédio multiuso. Ali estão os refeitórios, consultórios médicos, academias, piscina, salas de estudo, salas de jogos e escritórios da vasta equipe que trabalha no local.
A área de captação de novos atletas é um dos setores mais importantes do setor. Ao todo, são 14 profissionais de scout tentando superar a concorrência de outros clubes para levar talentos ao Ninho do Urubu.
O Flamengo tem forte atuação no mercado sul-americano e agora amplia o olhar para os países da África. Recentemente, o atacante Shola Ogundana, de 18 anos, foi contratado após se destacar na Nigéria.
Shola e David Luiz, em treino no Ninho do Urubu — Foto: Arquivo pessoal
Diferentemente de outros clubes que contam uma categoria sub-23, a base do Flamengo se encerra no sub-20. É uma idade limite, em que os atletas precisam mostrar trabalho para entrar e consolidar no concorrido elenco profissional.
O volante Vinicius Souza, contratado recentemente pelo Sheffield, é um desses casos de jogadores que não chegaram a se firmar no profissional do Flamengo , mas que trazem retorno financeiro ao clube em novas negociações. Lucas Paquetá, por outro lado, teve a oportunidade de ser relevante para o clube esportiva e financeiramente.
- Bateu no sub-20, tem que dar retorno. Temos conseguido buscar uma solução para a maioria dos atletas - afirmou Luiz Carlos, gerente da base.
- Praticamente todos os atletas que estão negociados, o clube sempre resguarda um percentual para uma negociação futura porque o clube acredita muito nesse atleta. A gente entende que ele vai dar algum retorno para o clube de forma imediata, mas vai dar um grande retorno no futuro - completou.
Vinição "Big Vini", ex-Flamengo, agora defende o Sheffield United — Foto: Divulgação/Sheffield United
Nesse momento em que os aspectos psicológicos e sociais do esporte estão em voga, o clube também tem investido no trabalho de desenvolvimento pessoal no CT e fora dele. Os jogadores são acompanhados por pedagogas, assistentes sociais e psicólogos.
Os profissionais tratam desde a situação escolar dos atletas até a abordagem de temas sociais importantes, como racismo, homofobia e violência contra a mulher. Mas não só. Segundo a pedagoga Patrícia Negreiros, a todo momento surgem novos assuntos que desafiam o setor.
- Toda questão de preconceito a gente fala sempre. A questão do Vini Jr. Tem coisas que atravessam, como o caso das apostas, inicialmente, a gente não pensava que fosse uma pauta. Mas vimos que o caso cresceu. O futebol reflete a sociedade. É importante levá-los a essa reflexão. Essa é a nossa função - explicou.
Para além de uma promessa esportiva, a evolução de Lorran é vista como um exemplo bem sucedido de todo o processo da base do Flamengo em diversas frentes. A conquista do Brasileirão, nesta quinta-feira, sobre a forte base palmeirense seria uma boa forma de premiar o trabalho.
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