A vitória de Vini Jr no prêmio The Best, na última terça-feira, fez com que o Brasil voltasse ter o melhor jogador do mundo, segundo a Fifa, depois de 17 anos. Romário, que apesar de ter virado ídolo rubro-negro teve sua origem no Vasco, foi o primeiro, em 1994. Depois dele vieram: Ronaldo Fenômeno (1996, 1997 e 2002), revelado pelo Cruzeiro; Rivaldo (1999), revelação do Santa Cruz; Ronaldinho Gaúcho (2004 e 2005), fruto da base do Grêmio; Kaká (2007), formado no São Paulo; e agora Vinicius (2024), o primeiro premiado que é cria do Flamengo .
O hoje astro do Real Madrid e da seleção brasileira chegou ao Rubro-Negro com apenas 10 anos e se formou durante quase uma década no clube. Mas como o Flamengo descobriu a sua maior joia no Século XXI? A história de Vini não foge à regra da maioria dos jogadores brasileiros: nascido em uma família humilde da periferia e que teve no futebol um meio de mudar de vida.
Foi em 2006 que tudo começou. O Seu Vinícius José, pai do garotinho de seis anos apaixonado por bola, decidiu levar o filho para uma das 125 escolinhas filiais do Flamengo pelo Brasil na época. A mais próxima de sua casa, no bairro Porto do Rosa, era a de Mutuá, a 3 km de distância. Tudo isso em São Gonçalo, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
A ficha de inscrição existe até hoje e tem algumas curiosidades da época, como a posição de lateral-esquerdo e Renato Abreu como o jogador que mais gostava do Flamengo . Mas Vini foi lateral só no papel, garantiu Carlos "Cacau" Abrantes, primeiro treinador do atacante:
- O que acontece: lá o nosso campo é de cinco na linha. A ficha do aluno a gente preenche com o que os pais vão falando quando chegam. Depois, em campo, é que vamos vendo onde os meninos se encaixam. Não é que ele treinava de lateral-esquerdo, não (risos). Pelo fato do nosso campo ser pequeno, ele ficava sempre pelo lado esquerdo, como ele joga hoje, mas o Vini sempre foi atacante com a gente.
Vinicius passou seis anos treinando com Cacau nessa escolinha de campo society, de grama sintética. E foi onde começou a brilhar nos torneios. Como por exemplo a Copa Fla, competição disputada na Gávea entre as escolinhas do clube, que eram divididas por cores. O número dos jogadores na camisa era o de inscrição de cada um (veja no vídeo abaixo um gol do camisa 21 na última edição que jogou) .
Seu talento já aflorava a ponto de ser impossível não notar. E isso lhe rendeu bolsas, tanto na escolinha de futebol de Mutuá quanto no Colégio Odete São Paio, no bairro Colubandê, onde estudou por sete anos e depois da fama deu nome ao ginásio da escola. Apesar de alguma afinidade com a matemática, sua praia era contar gols.
E a fome por bola era tanta que um campo só não o saciava. Por indicação do próprio Cacau, em 2007 Vini passou a treinar também futsal no Canto do Rio, um histórico clube na cidade vizinha de Niterói. Foi no salão que ele aprimorou os dribles curtos que viraram sua marca, e quase tomou um outro rumo na carreira.
Dois anos depois, quando tinha 9, Vinicius foi levado para fazer teste no futsal do Flamengo . Como era muito novo, pediram para ele voltar no ano seguinte. Mas ao invés de retornar no início de 2010, o garoto preferiu esperar o meio do ano para tentar a peneira rubro-negra no campo. E passou. Só que como o sub-10 não treinava todos os dias, Vini continuou frequentando a escolinha de Cacau até 2012.
- O que mais tenho são fotos dessa época. Parecia até que a gente estava adivinhando tudo isso que ele viria a ser (risos) - brincou Cacau.
A partir da categoria sub-13, Vini passou a ter uma rotina diária de treinos no clube. O início, porém, foi complicado. Não dentro das quatro linhas, mas por uma questão de logística: o Ninho do Urubu fica a uma distância de aproximadamente 73 km do endereço de sua antiga casa. Naquela época, a mãe de Vini, Dona Fernanda, ia com o caçula José no colo levar o garoto até a Gávea. Lá, o filho pegava um ônibus até o CT, enquanto ela ficava o aguardando voltar.
O pai de Vinícius nesse período conseguiu um emprego em São Paulo para ser o suporte financeiro. As coisas começaram a melhorar quando o Flamengo passou a dar uma ajuda de custo para o jovem, que teve que lidar com a saudade da família ao se mudar para a casa do tio Ulysses, na Abolição. O novo endereço ficava a cerca de 30 km do Ninho (menos da metade do antigo trajeto). À medida que a fama crescia, ele ia encurtando a distância e morou depois na Estrada dos Bandeirantes, perto do CT.
Em campo não houve dificuldade. Pelo contrário, Vini estava sempre um passo à frente dos demais garotos da sua idade e muitas vezes competia numa categoria acima. Quem se recorda bem disso é Carlos Noval, diretor que chegou ao Flamengo no mesmo ano de Vinicius Jr para coordenar a base rubro-negra e participou de toda a formação da joia:
- Ele realmente sobrava na categoria dele, era até difícil para a gente controlar essa evolução. Lógico que tinha que tentar formar o jogador da melhor maneira possível, mas sem prender. Vinicius sempre foi muito precoce, sempre jogou nas categorias acima por merecimento. Então não tinha como segurar, tinha que deixar passar e ir subindo.
Vini fez parte da geração 2000, a mais badalada da base rubro-negra nos últimos anos. O ex-jogador Gilmar Popoca foi o treinador que mais tempo o dirigiu na base rubro-negra, somando os períodos no sub-13, sub-17 e sub-20.
- Foi bastante tempo com esse garoto. Lógico, na categoria sub-13 era uma criança ainda, se divertia com a bola, mas já era um garoto bem interessante. Inclusive, essa geração 2000 dentro do Flamengo se destacava. Vinicius, Lincoln e Yuri César era o nosso ataque fantástico, faziam muitos gols. Andamos pelo Brasil disputando torneios e ficamos quase 70 jogos sem perder. Essa geração era muito promissora, e o Vini com sua alegria nos pés já dava sinais de coisa boa.
Desde os 14 anos Vini passou a ser convocado para as seleções de base. E nessa época, em que o garoto estava no sub-15 e se sagrou campeão e artilheiro da Copa Votorantim, foi quando o Flamengo percebeu que o céu era o limite para tanto talento.
- Com 13, 14 anos a gente já identificou nele esse potencial todo que tinha, mas a virada de chave foi na Copa Votorantim, que é o Brasileiro da categoria sub-15. Ele acabou com os jogos, fazia três gols por jogo, sobrava acima de todos os meninos. Ali a gente viu que nasceu a estrela, não tinha como segurar, era lapidar. O scout do Manchester sentou do meu lado e disse: "Nunca vi alguém com a idade desse menino fazer o que ele faz" - contou Noval.
Aos 16 anos, Vinicius foi o goleador do Sul-Americano Sub-17. No Flamengo , não completou nem um ano nessa categoria: subiu no início de 2016 e no segundo semestre já estava jogando a Copa RS com o sub-20. Pouco antes assinou o seu primeiro contrato profissional com salário de R$ 10 mil e multa de 30 milhões de euros (cerca de 100 milhões na cotação da época). Com o assédio de clubes do exterior, como Barcelona, Manchester United e Real Madrid, em 2017 o Rubro-Negro renovou o vínculo aumentando a multa para 45 milhões de euros (R$ 164 milhões na ocasião).
O Real Madrid pagou a multa e assegurou a contratação quando o garoto completasse 18 anos. Restava pouco mais de um ano para o Flamengo aproveitar sua joia, que ainda sequer estava no profissional. Sua estreia no time principal foi aos 16 anos, em maio de 2017, no empate em 1 a 1 com o Atlético-MG no Maracanã. De lá até o também 1 a 1 com o Palmeiras no Allianz Parque, em junho de 2018, foram 70 partidas, 14 gols e cinco assistências com a camisa rubro-negra.
- Devido a toda essa história no clube, a gente já imaginava que ele chegasse muito cedo ao profissional. No primeiro jogo a gente deu alguns minutos, 10 ou 12 se não me engano. Quando coloquei a mão no ombro dele, deu para perceber que estava muito nervoso, mas é natural. Depois de uma fase de adaptação, ele começa a jogar e a ser o jogador decisivo que a gente imaginava que fosse. Até hoje sua capacidade de decidir partidas é muito grande - disse Zé Ricardo, que foi técnico do atacante tanto no sub-15 quanto no profissional do clube.
Vini Jr deixou o Flamengo há seis anos, mas só fisicamente. Mesmo distante, o astro do Real Madrid mantém vivo os laços com o Rubro-Negro e continua acompanhando o clube apesar do fuso horário desfavorável. Recentemente, em entrevista a "TNT Sports", ele se mostrou empolgado com a classificação do time para a final da Copa do Brasil contra o Atlético-MG:
- Sempre de olho no meu Mengão, meu time do coração. Estamos em mais uma final. Quero desejar boa sorte a todos os jogadores e torcedores. Que possamos ganhar mais uma vez.
Quando está de férias no Rio, Vinicius costuma aparecer no Ninho ou no Maracanã. Mas o atacante também volta às raízes e visita a escolinha de Mutuá, os colégios onde estudou e o bairro onde morou em São Gonçalo. O atacante inclusive criou na cidade o "Instituto Vini Jr" para incentivar os jovens nos estudos (veja no vídeo acima como é o da Escola Municipal Paulo Freire) .
Assista: tudo sobre o Flamengo no ge, na Globo e no sportv