Algumas horas passadas, a poeira não assentou e ficou impossível segurar. Domènec Torrent foi demitido pelo Flamengo no início da tarde de segunda-feira (9) . Junto com ele deixaram o clube os auxiliares Jordi Guerrero e Jordi Gris e o preparador físico Julian Jiménez. Maurício Souza, técnico do sub-20, comanda o treino desta terça-feira (10). Rogério Ceni, do Fortaleza , é um dos nomes bem vistos pela diretoria e uma consulta a ele já até foi realizada.

O contrato do espanhol com o clube carioca era válido até janeiro de 2022. O acordo prevê pagamento do restante do que existia de vínculo em caso de rescisão unilateral. Atualmente, este valor está em 1,7 milhão de euros (cerca de R$ 10 milhões). A esperança era de que o técnico pudesse desenvolver um trabalho a longo prazo, tanto que houve uma cláusula de proteção de 10 milhões de euros (R$ 63,7 milhões) em caso de saída direta para times europeus, como houve com Jorge Jesus, que foi para o Benfica.

O elenco do Flamengo se reapresentou na manhã de segunda-feira no Ninho do Urubu sob clima de apreensão. A segunda goleada consecutiva sofrida no Campeonato Brasileiro, desta vez um 4 a 0 para o Atlético-MG , aumentou a fervura do caldeirão rubro-negro. Era enorme a pressão sobre o presidente, Rodolfo Landim, e o departamento de futebol para que o técnico Domènec Torrent fosse demitido o quanto antes. O vice-presidente da pasta, Marcos Braz, esteve no CT rubro-negro e avaliava a decisão e suas possíveis consequências. Mas havia forte sensação interna: o trabalho do técnico perdera a sustentação e uma reviravolta para fazer a manutenção do mesmo era considerada muito difícil.

Já há algum tempo circulava pelos corredores do Ninho o sentimento de que a sintonia entre o treinador e o elenco estava longe de ser a ideal. Não apenas no plano tático, com dificuldade em convencer os atletas com a sua metodologia. Embora seja considerado ótima pessoa, um autêntico 'boa praça', Dome teve pouca habilidade na gestão do grupo. Não que o relacionamento pessoal tenha sido ruim. Mas a pressa em tentar mudar o modelo de jogo do time multicampeão de 2019 para suas ideias incomodou e deixou o elenco exposto, principalmente nas derrotas para Atlético-GO e Independiente del Valle -EQU.

Além disso, as críticas à forma física do grupo também foram motivo de queixas internas e até externas. Arrascaeta, no banco de reservas no clássico contra o Botafogo, foi às redes sociais afirmar que estava 100% fisicamente e se contrapôs ao discurso do técnico . Rodadas depois, Gabigol saiu do banco de reservas, fez o gol da vitória contra o Fortaleza e recusou-se a conceder entrevistas na saída do campo, com cara de poucos amigos. Foi abraçado por Marcos Braz ainda no túnel, em uma tentativa de contornar a situação. O degaste foi inevitável.

Mas a temperatura aumentou mesmo na goleada de 5 a 0 sofrida para o Del Valle, em Quito. Houve uma divisão clara na diretoria sobre a continuidade, mas o departamento de futebol, responsável pela contratação, conseguiu contornar a situação diante da v itória sobre o Barcelona-EQU e o surto de COVID-19 , que enfraqueceu o elenco e deu um mínimo fôlego ao técnico.

A breve calmaria de 12 jogos de invencibilidade foi desfeita com a goleada sofrida para o São Paulo, no Maracanã . Não apenas pela derrota em si. Mas também à reação do técnico a questionamentos. Indagado sobre a fragilidade do sistema defensivo e sobre a dificuldade em vencer times do topo da tabela, Dome mostrou-se irritadiço e irônico nas respostas aos repórteres. A atitude foi considerada um desastre internamente e houve conversas com o treinador para explicar a necessidade de evitar combate aberto com a imprensa, principalmente diante de perguntas consideradas pertinentes. Defensor de Domènec, o vice de futebol, Marcos Braz, também foi um dos insatisfeitos com o tom da coletiva. A análise interna é de que o técnico chamou para si as críticas.

Após a goleada para o Atlético-MG, no domingo, o comandante permaneceu em conversas frequentes com o diretor de futebol, Bruno Spindel, e Braz, ainda no vestiário do Mineirão. A pressão já era imensa pela demissão. Domènec, no entanto, seguiu no cargo e voltou ao Rio de Janeiro com a delegação. Na manhã de segunda, ele comandou a atividade no CT rubro-negro.

Contra a demissão, pesavam dois fatores: a necessidade de já se ter planejado o passo seguinte, ou seja, contratar o substituto às vésperas de duelos por Copa do Brasil e Conmebol Libertadores , e o valor da multa em tempos de retração econômica com a pandemia. Certo é que depois de 26 jogos e exatos três meses após sua estreia, a era Domènec Torrent no Flamengo chegou ao fim de forma melancólica.